terça-feira, 6 de julho de 2010

TEMPLO DA HUMANIDADE: ARQUITETURA E CONSTRUÇÃO


TEMPLO DA HUMANIDADE: ARQUITETURA E CONSTRUÇÃO
Alex Nicolaeff
10/12/2009

ORIGENS

Em 1891, a Rua Santa Isabel, no bairro da Glória, teve seu nome mudado para Rua Benjamin Constant, em homenagem ao recém-falecido político e positivista Benjamin Constant Botelho de Magalhães.


O Templo da Humanidade, na Rua Benjamin Constant, antes de 1970:
arborização com pau-brasil, no eixo da rua.
Crédito: Internet.
No mesmo ano, e na mesma rua, foi inaugurada a parte frontal do Templo da Humanidade, imóvel pertencente à Igreja Positivista do Brasil. Isto ocorreu em 15 de agosto, dia da Festa da Mulher, no calendário positivista, e dia consagrado a Nossa Senhora da Glória, no catolicismo.

Benjamin Constant Botelho de Magalhães.
Crédito:
http://membres.lycos.fr.

O prédio completo foi inaugurado em 1897, no dia 1º de janeiro, data correspondente à Festa da Humanidade, naquele calendário. "Integra, no Brasil, a primeira leva de edifícios religiosos não-católicos, 'com aspecto exterior de templo', antes proibidos pela Constituição Imperial de 1824" (CZAJKOWSKI, 2000: p. 93).

No final do século XIX, tivemos: Abolição (1888), Proclamação da República (1889), Encilhamento (1890), nova Constituição (1891) – com separação entre Estado e Igreja –, e Canudos (1896-97). Foi uma década marcada por novos modelos políticos e culturais, enquanto a construção civil recorria à importação de telhas francesas, estruturas metálicas e cimento Portland.

O Templo da Humanidade difere dos padrões arquitetônicos da época pelas novidades no seu aspecto externo, na técnica e nos materiais empregados na construção. Quem visse o prédio pela primeira vez podia ter dúvidas sobre sua finalidade, em face do visual solene da fachada, com ares de templo da Antiguidade Clássica. O observador se deparava com inscrições sérias. A primeira, sobre o portão, alerta: "Os vivos são sempre, e cada vez mais, governados necessariamente pelos mortos".

Inscrições.
Crédito: Alex Nicolaeff.

O ineditismo do Templo da Humanidade sugere examinarmos a religião e as funções a que foi destinado. Para uma aproximação ao entendimento desta arquitetura, ocorrem algumas questões básicas:

· O que é a Religião da Humanidade ?
· Qual é o programa de usos necessário às aspirações e ritos dessa religião ?
· Quais os possíveis antecedentes ?
· Qual foi o aspecto adotado para expressar esse credo, e quais foram seus modelos na História da Arquitetura ?

RELIGIÃO DA HUMANIDADE

O Positivismo consta em dicionários de Filosofia e em dicionários sobre religiões. Como se trata de um templo, traduzimos do Dictionaire des Religions, editado pela Presse Universitaire de France, os textos abaixo:

POSITIVISMO OU RELIGIÃO DA HUMANIDADE

Religião criada pelo filósofo francês Auguste Comte. No seu Cours de Philosophie Positive, Comte propusera sua lei dos três estados da evolução da humanidade: o estado teológico, o estado metafísico e o estado positivo – ou científico. Ao longo da história o estado teológico foi substituído pelo estado metafísico, tendo chegado o momento da substituição do estado metafísico pelo estado positivo. Foi a primeira filosofia de Comte; mas este, após a sua paixão amorosa por Clotilde de Vaux, e da morte desta última, se deu conta da fundamental importância do sentimento, importância que não deverá desaparecer com o advento da era positivista. A existência social está madura para uma regeneração, cujo princípio norteador será um altruísmo esclarecido; mas o ideal altruísta é, por si só, incapaz de revolucionar nossa existência: ele deve ter um fundamento religioso, que Comte propõe na figura do 'Grande Ser', personificação ou encarnação da Humanidade, e de todos os homens e de todas as mulheres do passado, presente e futuro. Esta noção abstrata de 'Grande Ser', associada a diversas concepções de feição teosófica a respeito da Terra – o Grande Ídolo – e do Universo, toma o lugar ocupado por Deus.

Auguste Comte.
Crédito:
www.britannica.com.

A Religion de l’Humanité foi lançada ao mundo em 1848, ano de revoluções; Comte acreditava firmemente que ela se tornaria a religião do mundo contemporâneo, da mesma maneira que o catolicismo foi a religião da Europa feudal. Tendo inventado um Deus, Comte empreendeu, no seu Système de Politique Positive (1851-54) e em outras obras, a tarefa de fornecer à sua religião os 'acessórios' que se mostraram eficazes em outras religiões. Ele refez os sacramentos, redigiu orações, instaurou um sacerdócio de filósofos a serem pagos pelo Estado, e adotou um calendário, no qual cada dia era dedicado à memória de um grande homem. Ele canonizou seu grande amor, Clotilde de Vaux, e determinou que sua imagem fosse reverenciada como a da Virgem Maria no catolicismo.

Clotilde de Vaux.
Crédito:
http://membres.lycos.fr.

Em resumo, segundo o comentário de um crítico, ele criou uma religião que era "o catolicismo sem o cristianismo". O positivismo ainda possui alguns fiéis na França – têm um templo em Paris, à Rue Payenne – e na Inglaterra; mas é no Brasil, e em outros países da América Latina, que ele obteve maior sucesso e que formou uma verdadeira Igreja (PIKE, 1954: p. 255).

Auguste Comte lutou, por toda sua vida, com a pobreza, mas ele pensava que sua morte precederia em pouco o reinado da 'Religião da Humanidade'. Um dos legados mais duráveis deixados ao mundo por Comte é a palavra altruísmo, inventada por ele (PIKE, 1954: p. 88).

PROGRAMA DE USOS

Os arquivos da Chapelle de l’Humanité, em Paris, guardam o Plano Geral de um grande Templo da Humanidade, por Augusto Comte.

Plano Geral de um grande Templo da Humanidade, por Augusto Comte.
Crédito:
www.igrejapositivistabrasil.org.br.

O desenho mostra o prédio implantado na área do 'Bosque Sagrado ou Campo de Incorporação' – com previsão para 20.000 árvores e 15.000 túmulos –, e acessado pela 'Avenida ao templo, por toda parte dirigida para Paris'.

O traçado da planta lembra o das primitivas basílicas cristãs, acrescido de nichos laterais. Tem 100 m de comprimento e 40 m de largura, segundo cotas no desenho.

Estão listados os ocupantes dos nichos, havendo sete de cada lado. À direita de quem entra, temos: 1. Moisés; 2. Homero; 3. Aristóteles; 4. Arquimedes; 5. César; 6. São Paulo; e 7. Carlos Magno. À esquerda, estão: 8. Dante; 9. Gutenberg; 10. Shakespeare; 11. Descartes; 12. Frederico; 13. Bichat; e 14. Heloiza. A abside foi destinada ao número 15. Gran-Ser.

Os personagens selecionados exerceram diversas atividades, em variados períodos e lugares. Há sacerdotes, poetas, filósofos, cientistas, militares, mandatários e artistas. Viveram em tempos bíblicos, no helenismo, no feudalismo e no período moderno. A geografia contempla Judéia, Grécia, Roma, Itália, Inglaterra, Alemanha e França.

A lista é abrangente e universal – ou católica, para usarmos ao pé da letra o sentido da palavra. De fato, Augusto Comte deu amplitude étnica e territorial a uma prática originada no século XVIII, a que foi dado o nome de 'paganismo moderno', por Peter Gay. Segundo este historiador, o 'paganismo moderno' resultou da fusão e interação dialética entre: simpatia pela Antiguidade, tensão com o Cristianismo e anseio por modernidade (GAY, 1977, pp. 8-9), traços marcantes no pensamento filosófico do Iluminismo.

ANTECEDENTES

Certas nações européias começaram a consagrar seus cidadãos meritórios em santuários específicos, sem vínculos com o Cristianismo.

O primeiro na cronologia, feito em 1733, é o Templo dos Britânicos Notáveis [Temple of British Worthies], do arquiteto William Kent, no qual estão bustos de 16 personagens, selecionados em função de seus méritos para a sociedade leiga. Vemos Shakespeare, Locke e Newton, entre estadistas e reis ingleses.

O Templo dos Britânicos Notáveis; arquiteto William Kent.
Crédito:
www.panoramio.com.

Em Roma, a Accademia di San Lucca organizou concurso de projetos de arquitetura para "edifício público monumental, destinado à exibição dos bustos de homens célebres" (1758).

Perto de Regensburg, na Baviera, foi construído um templo dórico de granito para ser o Eliseu Germânico, um novo Walhalla, com imagens de Schiller, Mozart, Goethe e Leibniz, entre outros, projetado pelo arquiteto Leo von Klenze, entre 1821 e1842.

O Eliseu Germânico; arquiteto Leo von Klenze.
Crédito:
http://commons.wikimedia.org.

Em 1806, Napoleão decretou que, num terreno central em Paris, fosse construído um templo em estilo coríntio para a celebração cívica de seu exército, a Grande Armée, e seus heróis. Após marchas e contramarchas, mudou de uso, sendo o prédio consagrado, em 1842, como a igreja de La Madeleine, projeto do arquiteto Pierre Vignon (1809).

La Madeleine de Paris; arquiteto Pierre Vignon.
Crédito:
www.panoramio.com.

O contrário aconteceu décadas antes, em 1791, quando um templo católico se tornou monumento nacional: a Igreja de Santa Genoveva, construída durante o reinado de Luís XV pelo arquiteto Jacques Gabriel Soufflot (1757-1759), e destinada pela Assembléia Constituinte da Revolução Francesa à memória dos 'grandes homens da pátria', com o nome de Panthéon.

ASPECTO E MODELOS

O Plano Geral de um grande Templo da Humanidade, por Augusto Comte mostra apenas a planta do prédio, sem informar sobre seu aspecto ou estilo. A escolha do estilo arquitetônico do prédio foi feita por Miguel Lemos. Ele imita a fachada do Panthéon de Paris, e seu comprimento corresponde a 1/3 da extensão do Panthéon, nos informa documento existente no INEPAC (VASCONCELOS, s/d: p. s/nº).

Miguel Lemos.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

Planta do Panthéon de Paris; arquiteto Jacques Gabriel Soufflot.
Crédito: FLETCHER, Banister. Architecture on the Comparative Method. Londres: B. T. Batsford, 1954.

A fachada do Panthéon parisiense impressiona pelo profundo pórtico hexastilo, com três renques de colunas e um de pilastras. A peculiar ausência de duas colunas nos renques internos, diante da porta principal, proporciona um imponente adro coberto, e um agradável deambular. A possibilidade de acesso pelos flancos do pórtico é indicada pelos pares de colunas acrescidas nas extremidades dos mesmos renques. Um pedimento eleva o conjunto sobre o logradouro, acentuando a monumentalidade. A suave escadaria envolve seus três lados.

Fachada do Panthéon de Paris.
Crédito:
www.simonho.org.

Filiado estilisticamente ao Neoclassicismo francês, inspirou-se, o pórtico do Panthéon parisiense, no Panteão de Roma. Este foi construído em plena Antiguidade, no séc. II dC. O grande pórtico tem profundidade semelhante, com três renques de colunas e um de pilastras adoçadas à parede frontal. A peculiar ausência de duas colunas diante da porta é outro traço comum aos dois templos.

Planta do Panteão de Roma.
Crédito: FLETCHER, Banister. Architecture on the Comparative Method. Londres: B. T. Batsford, 1954.

Fachada do Panteão de Roma.
Crédito:
www.panoramio.com.

O PÓRTICO DO TEMPLO DA HUMANIDADE

A distribuição de colunas e pilastras é exatamente igual à do Panthéon parisiense. Aqui, também foi projetada escadaria envolvendo os três lados do pórtico, embora só tenha sido executada a parte frontal. A diferença está nas dimensões e nos materiais. As medidas usadas correspondem a 1/3 do modelo parisiense. Em vez de mármore, usou-se, inicialmente, alvenaria de tijolo, substituída em 1921 por concreto aparente. Esta nova solução parece ser precursora na construção civil do Rio de Janeiro, e sem paralelo na linguagem acadêmica. São de concreto aparente as colunas, suas bases, os fustes e as esperas, no alto.

Planta do Templo da Humanidade, segundo levantamento recente, feito pelo INEPAC.
Crédito: Arquivo do INEPAC.

Fachada do Templo da Humanidade, em 2009.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

Base de coluna sobre plinto de granito.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

De concreto, são também os lintéis entre apoios, a abóbada sobre o adro, os caixotões piramidais diante das portas laterais, e o entablamento e tímpano do frontão. O delicado trabalho de moldagem exibe a mesma perícia, tanto na feitura das fundas caneluras dos fustes quanto no acabamento do teto do pórtico. Ainda são visíveis as juntas entre as tábuas das fôrmas, bem como o desenho natural dos veios da madeira.

Caneluras.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.


Fustes.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.
Esperas nos capitéis e entablamento.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

Surpreende, também, o acabamento em todo o tímpano, agora deixado perfeitamente liso, nas molduras e nas curvas côncavas e convexas da cornija.

A concretagem foi tão bem realizada que mal se percebem emendas, e as esguias colunas parecem monolíticas. Como terão sido preparadas as fôrmas ? Quais terão sido as tecnologias e habilidades manuais empregadas para a obtenção de semelhantes acabamentos ? Foram inventadas aqui ou trazidas da França ?

O mérito é tanto de quem elaborou e detalhou o projeto arquitetônico, quanto de quem executou as fôrmas e de quem lançou o concreto. Houve um notável trabalho de engenharia e carpintaria na concepção, na montagem, e na moldagem dos componentes do pórtico.

Abóboda, diante da porta principal.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

Caixotão piramidal, diante de porta lateral.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

O EXTERIOR

A mesma singeleza no uso de material de origem industrial, deixado aparente, ocorre nos degraus da escadaria do pórtico; são de tijolos maciços e se encontram em bom estado.

Escadaria.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

A visão mais radical de materiais aparentes está nas paredes externas, ao redor do templo. De baixo para cima, se sucedem as alvenarias feitas com pedra-de-mão, canjicado e tijolo. Estas paredes, entretanto, estão sem os acabamentos previstos no projeto existente nos arquivos do INEPAC¹, que indica silhar plaqueado, a ser simulado com argamassa, e capitéis coríntios nas colunas do pórtico. O fato é confirmado pela posição de esquadrias e tacos para trincos que se encontram salientes, à espera das argamassas niveladoras.

Fachada lateral.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

Esquadria e taco de madeira.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

TELHADO E ESTRUTURA

A cobertura utiliza telhas de Marselha, com duas águas sobre a nave, e 7 tacaniças em leque, sobre a abside. Dutos de cobre continuam em uso, esverdeados pelo tempo. O corte longitudinal revela 7 tesouras de madeira a sustentar cobertura e forro. Pousam em pilastras de alvenaria feita, sucessivamente, com pedra-de-mão até o piso da nave, com canjiquinha até o nível da passarela de contorno e, finalmente, com tijolo maciço até o telhado.

Telhado: tacaniças sobre abside, mestras na nave e, em nível mais baixo,
sobre coro e vestíbulo. Este corpo intermediário é separado do pórtico por platibanda
com recorte em arco, que lhe esconde as empenas. No início de 2009, ruiu parte do telhado.
Fachada lateral: pilastras com largura constante, alvenaria de pedra-de-mão,
canjicado e tijolo maciço; fenestração regular.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

Sua largura é constante. A profundidade varia, sendo maior até o nível da passarela, por razão estrutural, e também para permitir a engenhosa solução de nichos em recesso no nível da nave. Acima da passarela, a profundidade das pilastras diminui, mantendo-se sempre destacadas das alvenarias de vedação, tanto no exterior como no interior do prédio. A solução é simples e econômica, revelando exemplar coerência estrutural, em função da gradativa redução das cargas. Separa estrutura portante e parede de vedação. As pilastras modulam as fachadas laterais do templo e seguem a organização interna de nichos e vãos. A modulação estrutural está indicada nas elevações do projeto original (ver imagem, mais abaixo).

O piso da nave está apoiado em colunas de ferro, aparentes no grande porão sob a nave e abside. Este porão alojou escritórios e "oficina de tipografia" do Templo Positivista (BARRETO, 1904, p. 4).

ASPECTOS DO INTERIOR

Uma escada com sete degraus leva do vestíbulo à nave, enquanto outros sete conduzem ao porão. Nave e abside compõem um espaço contínuo (32 m X 11 m), com altar ao fundo e nichos laterais. Estes são delimitados na altura por estreitas passarelas que circundam o espaço, a partir do coro situado sobre o vestíbulo. Acima das passarelas, estão as janelas, vazadas nos tramos definidos pelas pilastras. O teto plano, de cor leitosa, funciona como um pano difusor da luz natural.

Nave.
Crédito: www.igrejapositivistabrasil.org.br.

Nichos, passarela e janelas.
Crédito: Arquivo do INEPAC.

Na nave, arcos plenos ladeiam pilastras – com acabamento em escaiola imitando mármore verde, e capitéis na ordem coríntia –, formando nichos cujo fundo verde põe em destaque bustos – feitos pelo escultor Décio Vilares – dos personagens comteanos encimados por palavras: 'Lógica', 'Astronomia', 'Física', 'Química', 'Biologia', 'Sociologia', 'Moral' e, mais adiante, 'Patriciado'. No lado oposto, lemos: 'Pintura', 'Escultura', 'Arquitetura', 'Indústria', 'Música', 'Poesia', 'Política' e, já na abside, 'Proletariado'. Cartelas invocam: 'Epopéia Moderna', 'Indústria Moderna', 'Ciência Moderna', 'Santificação da Família', 'Civilização Militar', 'Catolicismo' e 'Civilização Feudal'.

SÍMBOLOS

Executada em cimento colorido, no piso diante da porta principal do Templo da Humanidade, uma rosa-dos-ventos mostra "a direção da Capela em relação a Paris" (VASCONCELOS, s/d: p. s/nº).

Rosa-dos-ventos.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

A posição da cidade, a 28° do norte, é apontada por um galho de roseira; e na direção descrita, há uma pequena placa colocada sobre o rodapé, na parede frontal do Templo, com a inscrição 'PARIS'.
"A rosa representava, em Roma, durante a Antiguidade, vitória, orgulho, e amor triunfante. Era a flor de Vênus, deusa do amor. No Cristianismo, a rosa branca significa pureza, e a vermelha, martírio. A Virgem Maria, concebida sem pecado original, é considerada a 'rosa sem espinhos' " (FERGUSON, 1989, p. 37).

Tímpano com mandorla.
Crédito: Alex Nicolaeff, 2009.

A mandorla é associada, no catolicismo, à Virgem da Assunção (FERGUSON, 1989: p. 37). O tímpano do Templo da Humanidade mostra mulher com criança no colo, contornadas por mandorla, relevo feito pelo escultor Décio Vilares.
O verde é a cor predominante na decoração interna e em detalhes no exterior do prédio. "A cor verde simboliza o triunfo da vida sobre a morte; sugere caridade, e a regeneração da alma através de obras meritórias; como símbolo de iniciação espiritual, a cor verde é usada ocasionalmente no manto de São João Evangelista" (FERGUSON, 1989: p. 151).
"Uma escadaria de sete degraus, lembrando o número das ciências humanas, dá acesso à Capela" (VASCONCELOS, s/d: p. s/nº). Presença constante na arquitetura descrita, o número '7' tem ainda outros significados simbólicos: "é o número da caridade, da graça e do Espírito Santo. Também foi usado em escritos antigos, como sendo o número da integridade e da perfeição" (FERGUSON, 1989: p. 154).

Zigurate, na Babilônia.
Crédito:
http://verdadeperdida.blogs.sapo.pt.

"O número '7' remete às torres escalonadas com sete patamares, na Babilônia, vistas como centro do Orbis Terrarum, lar original de toda a Humanidade, com o divino entronizado no seu cume. Um estudo remete, a origem deste símbolo, à 'estrutura do pescoço humano, com a sequência das sete vértebras, encimada pela cabeça, coroando-a como um domo' " (RANK, 1975: p. 188).

SEGURANÇA E CONFORTO

O vestíbulo e duas salas laterais são acessados, diretamente do pórtico, por três portas. Na nave e na abside há duas grandes portas em cada parede lateral, dando para o exterior, onde escadas levam às faixas de terreno que ladeiam a construção. Este conjunto de portas permite o rápido escoamento do público. É raro encontrar um auditório tão bem atendido neste quesito fundamental à segurança.
Graças à posição das janelas, próximas ao teto, a luminosidade-ambiente na grande nave é suave e agradável, matizada pelos tons calmantes do verde-musgo usado em pilastras, entablamento e nichos.
Portas e janelas configuram, ainda, um eficiente sistema de aeração: o controle das portas, no nível do piso da nave, conjugado ao das janelas, no alto, estabelece a ventilação cruzada, favorável ao conforto térmico. A fachada lateral leste, voltada para a baía, recebe o sol da manhã e, por muitos anos, colheu também a brisa que vinha da Praia da Glória.

OS CONSTRUTORES

A 21 de setembro de 1890, numa circular assinada por Miguel Lemos, dirigida a todos que simpatizavam com a causa positivista, apresentava esta um plano de empréstimo para a compra de um terreno e construção de uma igreja que servisse de sede para o apostolado. (...) Este empréstimo teve êxito, graças à contribuição dos positivistas e do eficaz apoio do Engenheiro Rufino de Almeida, que subscreveu metade do empréstimo, sendo assim possível adquirir o terreno (...).

Ao Dr. Rufino de Almeida coube ainda, com sua empresa, iniciar a construção do templo, sob a direção direta dos engenheiros positivistas Américo de Viveiros e Trajano Viriato de Medeiros, e a superintendência do mestre de obras Joaquim Alves.

A 12 de outubro de 1890, era realizada a solenidade do lançamento da pedra fundamental (VASCONCELOS, s/d: p. s/nº).

Na pasta 353 do arquivo do INEPAC, há um cartão postal, datado de 1905 e legendado em francês: "Religion de l’Humanité: le Temple Positiviste a Rio de Janeiro, Brésil (em 1894)", com esta data acrescida a mão livre. A fotografia mostra o pórtico, com as colunas feitas em alvenaria de tijolos deixada aparente, sem caneluras. Entablamento, tímpano e corpo intermediário estão revestidos de argamassa. A foto que originou o postal está visivelmente retocada.

Cartão postal (1894).
Crédito: Arquivo do INEPAC.

No mesmo arquivo, há outro postal, este com a legenda em italiano: "Templo dell’Umanitá: via Benjamin Constant, nº 74, Rio de Janeiro. Brasile. – 5 Shakespeare 133 – 14 Settembre 1921", seguida de texto sobre a Religião da Humanidade. Mostra o pórtico feito em concreto aparente, no ano de 1921, pelo arquiteto Cipriano de Lemos (SISSON, 1991: p. 13), que permanece inalterado, em surpreendente bom estado.

Cartão postal, 1921.
Crédito: Arquivo do INEPAC.

PRESERVAÇÃO DO PRÉDIO

O Templo da Humanidade foi tombado, a nível estadual, "em 31 de março de 1978" (CARVALHO, 2000, p. 88), por recomendação de Marina Jacobina Vasconcelos.

Projeto original para a fachada lateral leste, com indicação do acabamento;
note-se a marcação da estrutura.
Crédito: Arquivo do INEPAC.


Projeto da fachada principal; a escadaria envolve os três lados do pórtico.
O nome de Miguel Lemos consta, neste desenho existente no INEPAC,
como Diretor do Apostolado Positivista do Brasil.
Crédito: Foto de Alex Nicolaeff, 2009 / Arquivo do INEPAC.

NOTA
1. INEPAC: Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Departamento de Cultura da Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro; órgão criado por João Ruy Medeiros e Paulo Afonso Grisolli em 1975 e dirigido por Alex Nicolaeff desde a criação até 1979.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

· BARRETO, Paulo. As Religiões do Rio: a Igreja Positivista. Paris: Garnier, 1904. Disponível em http://pt.wikisource.org/wiki/A Igreja Positivista; p. 4.
· CARVALHO, Lia de Aquino (org.). Guia do Patrimônio Cultural Carioca: bens tombados. 3ª ed., Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Patrimônio Cultural, 2000.
· CORONA, Eduardo & LEMOS, Carlos. Dicionário da Arquitetura Brasileira. São Paulo: São Paulo Editora Livraria Ltda., 1972.
· CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Guia da Arquitetura Eclética no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo, 2000.
· FERGUSON, George. Signs & Symbols in Christian Art. New York: Oxford University Press, 1989.
· FLETCHER, Banister. Architecture on the Comparative Method. 16th ed., London: B. T. Batsford, 1954.
· GAY, Peter. The Enlightenment: an interpretation: the rise of Modern Paganism. New York: W. W. Norton & Company, 1977.
· GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio. 5ª ed., Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 2000.
· PEVSNER, Nikolaus. A History of Building Types. London: Thames and Hudson, 1997.
· _______________. Dicionário Enciclopédico de Arquitetura. Rio de Janeiro: Editora Artenova S. A., 1972.
· PIKE, E. Royston. Dictionaire des Religions. Paris: Presses Universitaires de France, 1954.
· RANK, Otto. Art and Artists: creative urge and personality development. New York: Agathon Press, 1975.
· REA, Regina M. Dicionário de Belas-Artes: termos técnicos e matérias afins. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura S. A., 1962.
· SISSON, Rachel. "Arquitetura e Positivismo no Rio de Janeiro do Oitocentos". In: Revista dela COPA. Petrópolis: Coordenación para el Patrimonio de las Américas, nov./1991, ano 1, nº 1.
· VASCONCELOS, Marina Jacobina. "Templo da Humanidade". Rio de Janeiro: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, do Departamento de Cultura, da Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Texto datilografado; 5 folhas, sem numeração de páginas; pasta 353 do arquivo do INEPAC; sem data.

Revista Vivercidades

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