Franklin Santana Santos
A Morte na Pré-História e na Idade Antiga
A morte é uma experiência humana universal. Morrer e morte são mais do que eventos biológicos; eles têm uma dimensão religiosa, social, filosófica, antropológica, espiritual e pedagógica. Questões sobre o significado da morte e o que acontece quando nós morremos são preocupações centrais para as pessoas em todas as culturas e as têm sido desde tempos imemoriais. A preocupação humana com relação à morte antecede ao período da história escrita.
Arqueólogos encontraram evidências de tributo aos mortos com flores em locais de enterro datados da idade de bronze. (DeSpelder, 2002:42) Em locais de enterro, ainda mais antigos, como da época dos Neandertais, que começaram a habitar a Europa há aproximadamente 150.000 anos, aparecem ornamentos de concha, implementos de pedra e comida, enterrados junto com o morto, implicando em uma crença que tais itens seriam úteis na passagem da terra dos vivos para a terra dos mortos. Em muitos desses locais de enterro, o corpo está pintado com vermelho ocre e colocado em uma postura fetal, sugerindo idéias sobre revitalização do corpo e renascimento. (DeSpelder, 2002:42)
Em culturas tradicionais, a morte é tipicamente vista não como um fim, mas como uma mudança de status, uma transição da terra dos vivos para o mundo dos mortos. Edgar Morin (1976:103) nos relata qual era o fundo do pensamento do homem primitivo com relação ao conceito de morte:
“Nas consciências arcaicas em que as experiências elementares do mundo são as das metamorfoses, das desaparições e das reaparições, das transmutações, toda morte anuncia um renascimento, todo nascimento provém de uma morte - e o ciclo da vida humana inscreve-se nos ciclos naturais de morte-renascimento. O conceito cosmomórfico primitivo da morte é o da morte-renascimento, para o qual o morto humano, imediatamente a seguir ou mais tarde, renasce num novo vivo, criança ou animal.”
Para as pessoas vivendo em sociedades antigas ou atuais, a origem da morte é explicada através de estórias e/ou mitos. Todas as sociedades desenvolveram um ou mais sistemas fúnebres pelos quais podiam entender a morte em seus aspectos pessoais e sociais.
Os egípcios da Antiguidade desenvolveram um sistema bastante explícito e detalhado. Pirâmides, tumbas, múmias, objetos mortuários, escritos funerários e o Livro dos Mortos todos testemunham um otimismo fundamental perante a morte. A morte era uma questão central na cultura egípcia. Seu Livro dos Mortos, à semelhança de seu equivalente tibetano, traçava as linhas mestras de um amplo sistema mortuário, embora quase sempre sob a forma de prescrições para as práticas fúnebres. Esse sistema ensinava – ou pelo menos destinava-se a ensinaruma abordagem relativamente integrada que permitiria aos membros individuais pensar, sentir e agir em relação à morte de maneira considerada apropriada e eficiente (Kastenbaum, 1983:152). A preocupação com a morte se refletia na arte, na religião e nas ciências dessa cultura.
A idéia da transcendência está contida nos seus mitos como o da renascença do deus Osíris, o qual foi morto por Seti e seu corpo retalhado, e que retorna à vida através dos poderes da deusa Ísis que reúne as partes dispersas do seu corpo.
Mas, ao mesmo tempo em que é facultada a alma o acesso à imortalidade, dando a esperança da continuidade, essa mesma imortalidade dependia da observância de determinadas regras instituídas pela casta sacerdotal, que de certa forma passa a intermediar esse acesso. No momento da morte, a alma era levada à presença de um tribunal na presença dos deuses, Tot, Anúbis e Osíris, e lá suas mações eram contabilizadas através da balança da deusa da justiça, onde o coração do morto seria pesado, tendo como contrapeso a pena de uma ave. Os egípcios acreditavam que este órgão continha todas as virtudes e vícios da alma.
As almas generosas teriam, naturalmente, um coração leve e a alma dos maus seriam pesadas e se fossem condenadas, acabariam devoradas pelo deus monstro e não poderiam renascer.
Observamos com isso que a morte, antes considerada um fenômeno natural e aceita sem apreensões e medos, passará a ser temida devido a sua associação com prováveis penalidades que o morto teria que arcar após o seu transpasse e conseqüente julgamento. Como visto, os egípcios davam grande importância à sobrevivência do corpo. Na morte, acreditava-se que o ka (a personalidade espiritual ou um duplo do corpo terreno) e o ba (a alma verdadeira, que era representada como um pássaro com cabeça humana) partiam. Mais tarde, o corpo necessitaria do ka. Os egípcios pensavam que deveriam preservar o corpo para que os espíritos dos mortos pudessem habitá-los novamente no futuro. (Kramer, 1988:106). Claramente, o fato mais significante sobre as atitudes dos egípcios em relação à morte é a ênfase na questão do julgamento.
Esse será o primeiro tipo de medo que se desenvolverá com relação à morte, ou seja, o medo da pós-vida e que está associado psicologicamente com o medo de castigo e rejeição quando relacionado com a própria morte ou o medo da retaliação e/ou perda de relacionamento quando associado com a morte de Outros. Posteriormente, no decorrer do desenvolvimento da civilização Ocidental surgirão outros tipos de medos, tais como os que Kastenbaum (1983:46) vai
denominar de medo da extinção exemplificado, primariamente, através do medo básico da morte ou destruição do ego.
A mitologia grega também nos legou ensinamentos sobre a preocupação com a morte através dos escritos de Esopo sobre Eros e Psique, Hipnos e Tanatos, representando, respectivamente, o amor e a alma, o sono (uma espécie de morte) e a morte. Além disso, os gregos idealizaram uma região além-túmulo, denominada Hades, local onde habitavam os mortos e que se conseguia chegar através de Caronte, o barqueiro encarregado de levar a alma dos mortos ao seu destino. Caronte cobrava pelos seus serviços e por isso observamos o costume de enterrar os mortos, naquela cultura, com uma moeda na boca.
Entretanto, qualquer discussão das atitudes gregas em relação à morte nos leva inevitavelmente ao filósofo Sócrates. Apesar de ele mesmo nunca ter escrito nada, seu brilhante discípulo Platão (427-347 A.C) nos fornece através do Fédon, as últimas palavras de Sócrates, bem como suas conversações a respeito da morte e do morrer.
Sócrates foi o príncipe dos filósofos. Ele ensinou que o propósito da filosofia era descobrir o significado da vida em relação à morte e entender a natureza da alma e que o filósofo verdadeiro era o que praticava a arte do morrer o tempo inteiro. A arte de morrer, de acordo com as argumentações de Sócrates, nada mais era que aceitar a morte como a separação da alma (a qual continua a existir) do corpo (o qual cessa de existir). De uma maneira breve, o pensamento socrático pode ser resumido assim:
A alma eterna é a única realidade substancial que é incorruptível.
O corpo é um instrumento da alma e eles estão em posição dualística em relação um ao outro.
A alma é essência eterna e portanto não está sujeita à morte.
A alma está encerrada dentro do corpo.
A morte libera a alma de volta ao seu lar de origem.
A alma, após a morte, migra através de várias vidas.
A alma, quando purificada e livre de imperfeições, é livre para se associar com os deuses.
Para Sócrates, o medo da morte devia-se ao fato de que ninguém saberia exatamente o que aconteceria no momento da morte. Entretanto, desde que a pessoa não tivesse mais dúvida do que realmente acontece no momento da morte, este medo ficaria sem fundamento ou razão de ser.
“Sem a convicção de que vou me encontrar primeiramente junto de outros deuses, sábios, e bons, e depois de homens mortos que valem mais do que os daqui, eu cometeria um grande erro não me irritando contra a morte.” (SÓCRATES IN PLATÃO,2004:25)
Para Sócrates, portanto, não havia nada trágico sobre a morte e as pessoas deveriam morrer em uma atitude de reverência, agradecimento e paz, com paciência e aceitação.
Temos, também, na Idade Antiga a história da transgressão de Adão e Eva no jardim do Paraíso como origem da morte e que persiste, até hoje, nas tradições religiosas do Judaísmo, Islamismo e Cristianismo. O casal ao praticar um ato de desobediência à divindade é punido por esse ato de rebeldia e transgressão às Leis Divinas, ou seja, morremos como uma forma de punição.
Observamos dessa forma que a naturalidade da morte e a idéia da imortalidade começam a sofrer a influência das religiões, que vão impregnar as idéias do imaginário popular com sugestões de punição e sofrimento pós-morte e mesmo a perda da imortalidade.
Os egípcios da Antiguidade desenvolveram um sistema bastante explícito e detalhado. Pirâmides, tumbas, múmias, objetos mortuários, escritos funerários e o Livro dos Mortos todos testemunham um otimismo fundamental perante a morte. A morte era uma questão central na cultura egípcia. Seu Livro dos Mortos, à semelhança de seu equivalente tibetano, traçava as linhas mestras de um amplo sistema mortuário, embora quase sempre sob a forma de prescrições para as práticas fúnebres. Esse sistema ensinava – ou pelo menos destinava-se a ensinaruma abordagem relativamente integrada que permitiria aos membros individuais pensar, sentir e agir em relação à morte de maneira considerada apropriada e eficiente (Kastenbaum, 1983:152). A preocupação com a morte se refletia na arte, na religião e nas ciências dessa cultura.
A idéia da transcendência está contida nos seus mitos como o da renascença do deus Osíris, o qual foi morto por Seti e seu corpo retalhado, e que retorna à vida através dos poderes da deusa Ísis que reúne as partes dispersas do seu corpo.
Mas, ao mesmo tempo em que é facultada a alma o acesso à imortalidade, dando a esperança da continuidade, essa mesma imortalidade dependia da observância de determinadas regras instituídas pela casta sacerdotal, que de certa forma passa a intermediar esse acesso. No momento da morte, a alma era levada à presença de um tribunal na presença dos deuses, Tot, Anúbis e Osíris, e lá suas mações eram contabilizadas através da balança da deusa da justiça, onde o coração do morto seria pesado, tendo como contrapeso a pena de uma ave. Os egípcios acreditavam que este órgão continha todas as virtudes e vícios da alma.
As almas generosas teriam, naturalmente, um coração leve e a alma dos maus seriam pesadas e se fossem condenadas, acabariam devoradas pelo deus monstro e não poderiam renascer.
Observamos com isso que a morte, antes considerada um fenômeno natural e aceita sem apreensões e medos, passará a ser temida devido a sua associação com prováveis penalidades que o morto teria que arcar após o seu transpasse e conseqüente julgamento. Como visto, os egípcios davam grande importância à sobrevivência do corpo. Na morte, acreditava-se que o ka (a personalidade espiritual ou um duplo do corpo terreno) e o ba (a alma verdadeira, que era representada como um pássaro com cabeça humana) partiam. Mais tarde, o corpo necessitaria do ka. Os egípcios pensavam que deveriam preservar o corpo para que os espíritos dos mortos pudessem habitá-los novamente no futuro. (Kramer, 1988:106). Claramente, o fato mais significante sobre as atitudes dos egípcios em relação à morte é a ênfase na questão do julgamento.
Esse será o primeiro tipo de medo que se desenvolverá com relação à morte, ou seja, o medo da pós-vida e que está associado psicologicamente com o medo de castigo e rejeição quando relacionado com a própria morte ou o medo da retaliação e/ou perda de relacionamento quando associado com a morte de Outros. Posteriormente, no decorrer do desenvolvimento da civilização Ocidental surgirão outros tipos de medos, tais como os que Kastenbaum (1983:46) vai
denominar de medo da extinção exemplificado, primariamente, através do medo básico da morte ou destruição do ego.
A mitologia grega também nos legou ensinamentos sobre a preocupação com a morte através dos escritos de Esopo sobre Eros e Psique, Hipnos e Tanatos, representando, respectivamente, o amor e a alma, o sono (uma espécie de morte) e a morte. Além disso, os gregos idealizaram uma região além-túmulo, denominada Hades, local onde habitavam os mortos e que se conseguia chegar através de Caronte, o barqueiro encarregado de levar a alma dos mortos ao seu destino. Caronte cobrava pelos seus serviços e por isso observamos o costume de enterrar os mortos, naquela cultura, com uma moeda na boca.
Entretanto, qualquer discussão das atitudes gregas em relação à morte nos leva inevitavelmente ao filósofo Sócrates. Apesar de ele mesmo nunca ter escrito nada, seu brilhante discípulo Platão (427-347 A.C) nos fornece através do Fédon, as últimas palavras de Sócrates, bem como suas conversações a respeito da morte e do morrer.
Sócrates foi o príncipe dos filósofos. Ele ensinou que o propósito da filosofia era descobrir o significado da vida em relação à morte e entender a natureza da alma e que o filósofo verdadeiro era o que praticava a arte do morrer o tempo inteiro. A arte de morrer, de acordo com as argumentações de Sócrates, nada mais era que aceitar a morte como a separação da alma (a qual continua a existir) do corpo (o qual cessa de existir). De uma maneira breve, o pensamento socrático pode ser resumido assim:
A alma eterna é a única realidade substancial que é incorruptível.
O corpo é um instrumento da alma e eles estão em posição dualística em relação um ao outro.
A alma é essência eterna e portanto não está sujeita à morte.
A alma está encerrada dentro do corpo.
A morte libera a alma de volta ao seu lar de origem.
A alma, após a morte, migra através de várias vidas.
A alma, quando purificada e livre de imperfeições, é livre para se associar com os deuses.
Para Sócrates, o medo da morte devia-se ao fato de que ninguém saberia exatamente o que aconteceria no momento da morte. Entretanto, desde que a pessoa não tivesse mais dúvida do que realmente acontece no momento da morte, este medo ficaria sem fundamento ou razão de ser.
“Sem a convicção de que vou me encontrar primeiramente junto de outros deuses, sábios, e bons, e depois de homens mortos que valem mais do que os daqui, eu cometeria um grande erro não me irritando contra a morte.” (SÓCRATES IN PLATÃO,2004:25)
Para Sócrates, portanto, não havia nada trágico sobre a morte e as pessoas deveriam morrer em uma atitude de reverência, agradecimento e paz, com paciência e aceitação.
Temos, também, na Idade Antiga a história da transgressão de Adão e Eva no jardim do Paraíso como origem da morte e que persiste, até hoje, nas tradições religiosas do Judaísmo, Islamismo e Cristianismo. O casal ao praticar um ato de desobediência à divindade é punido por esse ato de rebeldia e transgressão às Leis Divinas, ou seja, morremos como uma forma de punição.
Observamos dessa forma que a naturalidade da morte e a idéia da imortalidade começam a sofrer a influência das religiões, que vão impregnar as idéias do imaginário popular com sugestões de punição e sofrimento pós-morte e mesmo a perda da imortalidade.
Perspectivas Histórico-Culturais da Morte
Franklin Santana Santos
Fonte
Dora Incontri & Franklin Santana Santos (Orgs.)
A Arte de Morrer -Visões Plurais.Bragança Paulista: Editora Comenius. 2007. pp.:13-25
Boa noite, Eduardo!
ResponderExcluirSócrates como sempre dando uma super aula. Se bem que a idéia da pena, é maravilhosa.
Acredito que o maior castigo que possa haver, (se é que isso existe) é voltar ao corpo e continuar vivo e com a própria alma.
Apesar de ser cristã, a morte para mim é uma espécie de amiga. A hora dela, é sagrada e será bem acolhida. Minha família segue esse princípio que o fato da morte, seja encarado com certa leveza.
Muito bom esse estudo.
Abraços
Mirze
Muito interessante seu blog. Gostaria de convidá-lo a empreendermos uma parceria de divulgação e publicação de nossos trabalhos. Aguardo sua visita. Um abraço!
ResponderExcluirMaris Stella
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ResponderExcluirMaris Stella