segunda-feira, 3 de maio de 2010

PRIMA-DONA ASSEDIADA

Itália cerra fileiras com Tríplice Entente e assina em segredo o Tratado de Londres – Declarações de guerra italianas serão feitas dentro de um mês – Alemanha não conseguiu cobrir oferta dos inimigos

A estratégia real na guerra: Vítor Emanuel II nunca escondeu que pretendia recuperar regiões itálicas sob o jugo austríaco

Na ópera bélica que se encena na Europa desde agosto do ano passado, a Itália vinha sendo apenas uma sorridente espectadora de camarote. Apesar de formar um dos vértices da Tríplice Aliança, a velha dama desobrigou-se de apoiar militarmente Alemanha e Império Austro-Húngaro e manteve-se em uma interesseira neutralidade. Pois a cobiçada Bota está prestes a voltar aos palcos militares – e, numa decisão que não chega exatamente a surpreender, nas fileiras opostas de seus antigos aliados. Em 26 de abril, em um encontro secreto na capital britânica, a Itália assinou, com Grã-Bretanha, França e Rússia, o Tratado de Londres, no qual determina sua opção pelos aliados e se compromete a declarar guerra à Alemanha e Áustria-Hungria no período de um mês – em troca de generosas fatias territoriais e de incentivos financeiros.

Tal qual uma verdadeira prima-dona – apesar de seu poderio militar estar longe de ser estelar –, a Itália vinha recebendo constante assédio de ambas as agremiações adversárias, interessadas em uma aliada estrategicamente localizada no Mediterrâneo. As condições eram claras: o rei Vítor Emanuel II e o primeiro-ministro Antonio Salandra jamais esconderam que seu objetivo maior, para justificar o ingresso no conflito, seria a retomada das regiões itálicas sob o jugo austríaco, perdidas na Guerra Austro-Italiana de 1866. A Áustria, porém, recusava-se a oferecer esses territórios como isca para atrair os peninsulares para a Tríplice Aliança. Assim, a Rússia, pianinho, aprochegou-se da Itália oferecendo justamente aqueles e outros rincões, com o indicativo de que os demais aliados também subscreveriam o compromisso. Há poucas semanas, Berlim descobriu o namoro ítalo-aliado e destacou seu embaixador para tentar uma reviravolta. Mas já era tarde: nem mesmo a garantia do oferecimento do território que Viena recusara ceder foi suficiente para convencer os peninsulares a mudar de idéia. Faltava apenas oficializar o compromisso.

Ministro Salandra: pacto nos bastidores

Bom negócio – Com o ministro do Exterior Giorgio Sidney Sonnino a tiracolo, o primeiro-ministro Salandra embarcou para Londres. Após uma reunião com os líderes da Tríplice Entente, foi firmado um pacto secreto composto por 16 artigos. Em linhas gerais, prometeu-se à Bota aqueles territórios que os nacionalistas consideravam italianos sob o domínio estrangeiro – notadamente o Trentino, o Tirol cisalpino, a região da Istria e Trieste –, além de abrir a porta para possessões peninsulares na África. A Grã-Bretanha também se comprometeu a disponibilizar de imediato o empréstimo de 50 milhões de libras esterlinas. Como os alemães estão mais preocupados com as frentes russas e francesas, e a Áustria atravessa um momento de crise militar, os líderes italianos acreditam que este é o momento de partir para as cabeças.

Analistas militares internacionais, porém, pedem licença para discordar. Estes recomendam cautela e um melhor estudo ao exército italiano antes de qualquer campanha. As ações que o comandante-em-chefe Luigi Cadorna está rascunhando a toque de caixa para seus exércitos na montanhosa fronteira com a Áustria, onde os adversários têm o pleno domínio dos pontos mais altos (e, portanto, a vantagem na maioria das ações militares) podem se voltar contra os agressores. A complicada opção pelos ataques terrestres via vale do rio Isonzo, primeiro passo rumo ao coração do Império Austro-Húngaro, dependerá muito da preparação, organização e habilidade tática do exército italiano – características que nem sempre andaram lado a lado com os peninsulares. A esperança é um ataque certeiro para romper as linhas do inimigo rapidamente. Terá toda essa potência, a Itália? A ver, em breve, quem canta mais alto.

Revista Veja na História

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