segunda-feira, 3 de maio de 2010

Estão todos mortos

No crepúsculo da batalha na Europa, a morte chega para os bandidos alemães e italianos - Tedescos unem-se na covardia, cometendo suicídio - Mussolini é assassinado por guerrilheiros e tem seu cadáver exposto em praça pública

A última foto: curvado e abatido, Hitler, à beira da morte, inspeciona danos na chancelaria


Como Eva Braun estivesse sem apetite, Adolf Hitler almoçou apenas com seus dois secretários e o cozinheiro. Às 15h30, ao final da refeição, o líder do Reich levantou-se da cadeira e retirou-se para o quarto ao lado da ex-amante - com quem, 36 horas antes, finalmente se unira em matrimônio. No caminho para a câmara privativa, Josef Goebbels e alguns poucos fiéis, prostrados, observavam. O casal adentrou a alcova. E o barulho da porta se fechando foi o último antes que o Führerbunker se inundasse definitivamente de silêncio depois do estampido abafado de um tiro.

Passaram-se alguns minutos até que a corte nazista entrasse no dormitório. O corpo de Adolf Hitler, auto-proclamado chefe da nação de super-homens arianos, estava afundado em um sofá, sua impecável farda marrom já escarlate pelo sangue que escorria de seu rosto. Uma bala na boca: suicídio. Dois revólveres jaziam no chão, mas apenas um havia sido disparado. Ao lado do companheiro, Eva Braun encontrava-se estirada e igualmente defunta; seu óbito, porém, resultara de uma dose de veneno.

Os cadáveres foram recolhidos pelo major da SS e valete de Hitler, Heinz Linge, que, com a ajuda de Martin Bormann, os levou para o jardim da Chancelaria. Lá, Erich Kempka, o motorista do líder, empurrou-os para uma cratera aberta pelas bombas soviéticas que caíam, àquela altura, às centenas sobre Berlim; embebidos em petróleo, foram queimados. Goebbels ergueu sua mão direita, em derradeira saudação ao chefe nazista. Era o fim da linha para o Führer.

Ainda que o artífice da mais sangrenta guerra da cristandade tenha nomeado um sucessor - o almirante Karl Dönitz - , já estava claro que o regime nazista chegara ao ocaso. O calendário marcava 30 de abril de 1945, aziaga jornada para o totalitarismo teutônico: a 400 metros do local onde as carcaças de Hitler e Eva Braun eram consumidas por labaredas, o Reichstag, símbolo do poderoso governo nazista, ardia em chamas com os petardos certeiros do Exército Vermelho.

No dia seguinte à morte do chefe, Goebbels, seu fiel escudeiro e Ministro da Propaganda, o seguia no suicídio. Três semanas depois, foi a vez de Heinrich Himmler, chefe da SS, genitor do extermínio dos judeus e responsável maior pelo terror da suástica, resolver tirar a própria vida. O Reich esfarelava-se com o apagar de seus mentores, unidos em vida pela megalomania e na morte pela mais repugnante covardia. ...
Infanticídio sêxtuplo - O trespasse de Josef Goebbels, no dia 1º de maio, foi o último ato macabro de um homem que incitou como poucos o ódio entre os povos - qualificando, entre outros, judeus e soviéticos como subraças. O diminuto tedesco reuniu no bunker de Hitler sua esposa Magda e seus seis filhos: Helga, 12 anos, Hilda, 11, Helmut, 9, Holde, 7, Hedda, 5, e Heide, 3. Separou doses letais suficientes de cianeto e aplicou-as, uma a uma, nos petizes. Em seguida, saiu da fortificação com a companheira e parou o primeiro oficial da SS que encontrou, com um pedido pouco ordinário: o senhor e a senhora Goebbels gostariam de ser alvejados com um balázio na nuca. Dito e feito.

Já Himmler - que estava para ser julgado a qualquer momento - , apelou para o suicídio como artifício para não ter de responder por seus atos diante dos tribunais internacionais. O cabeça da SS, que havia tentado em abril último um contato com os Aliados para negociar a capitulação germânica - recusado - , e depois ter se oferecido para ajudar no governo de Dönitz - igualmente renegado - , foi capturado quando tentava fugir, disfarçado, após a rendição oficial da Alemanha. Barrado por uma patrulha britânica próxima a Hamburgo, Himmler alegou ser um policial rural de graça Heinrich Hitzinger.

Durante o interrogatório, porém, acabou reconhecido e encarcerado. Enquanto era examinado por um médico britânico no Quartel-General do Segundo Exército, em Luneberg, Himmler mordeu um frasco de cianeto que escondia na boca; as tentativas dos clínicos de retirar o veneno do organismo do tedesco - bombeamento do estômago e vômitos forçados - foram infrutíferas. Extinguiu-se, assim, o último vértice do triângulo original nazista. Da nova - e natimorta - geração do governo de Dönitz, já foram presos o próprio chefe e o almirante Hans Georg von Friedeburg, que assinou a rendição em Luneburg. Este, contudo, pouco criativamente, também se envenenou após a prisão. ...
Vingança à italiana - Os finados monges alemães da guerra juntar-se-ão a um de seus mais espaçosos pares, o italiano Benito Mussolini, morto no dia 28 de abril em Dongo, próximo ao Lago de Como. Ao contrário dos teutônicos, porém, o final do Duce deu-se pelas mãos de terceiros: seus algozes foram guerrilheiros que, por um descuido da segurança do peninsular, foram brindados com uma preciosa chance de executar a sentença de morte imposta pelo governo da Bota contra Mussolini.

Escoltado pela SS, o ditador da Itália, deposto em 1943, dirigia-se para os Alpes, onde acreditava poder continuar sua luta. Entretanto, dos 3.000 seguidores do fascismo esperados, apenas doze gatos pingados compareceram ao ponto de encontro para acompanhar o antes popularíssimo capo em sua jornada. Mesmo assim, a comitiva seguiu viagem - mas, desgraçadamente para os fascistas, acabaria passando por um território dominado pela guerrilha. Os paramilitares avistaram Mussolini - vestido com uma farda alemã - e sua amante Clara Petacci; insandecidos, não demoraram em capturá-lo.

Após breve interrogatório, o guerrilheiro comunista Walter Audisio alinhou-os no portão da Villa Belmonte, em Mezzegra, e desferiu o primeiro tiro em Petacci. Com a companheira desfalecida, o Duce abriu seu casaco e clamou para ser atingido no peito. Sem demora, a metralhadora guerrilheira atendeu ao pedido e dardejou fogo contra o italiano, que foi arremessado contra o muro pelo impacto das balas. Mussolini, contudo, ainda respirava. Audisio aproximou-se e executou o líder fascista com um projétil no coração. Ainda havia mais.

Em uma espécie de vingança post mortem pelos quase 20 meses de guerra civil causada pela teimosia do ditador, os cadáveres de Mussolini e Petacci foram transportados para Milão e expostos em praça pública, pendurados de cabeça para baixo. Milhares de populares compareceram à Piazzale Loreto para externar seu ódio pelo Duce, cuspindo nos corpos ou simples e barbaramente mutilando-os. Uma mulher que preferiu manter sua identidade no anonimato atirou cinco vezes contra Mussolini. "Pelos meus cinco filhos mortos na guerra", bradou, colocando um ponto final à altura da biografia do mais pândego, dramático e teatral dos ditadores europeus.

Revista Veja na História

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