quinta-feira, 22 de abril de 2010

No Campo dos terroristas domados

O que fazer com um soldado de deus, que assassinou nove pessoas? Condená-lo à prisão perpétua? Ou dar-lhe aulas de arte, presenteá-lo com um carro, e escolher uma noiva para ele? A Arábia Saudita tenta reformar fanáticos com suavidade em uma prisão de luxo
Texto Anthony Horowitz


Logo a comida será servida: prisioneiros durante o mês sagrado do Ramadã, na expectativa da quebra do jejum. A alimentação é impecável

Ahmed al-Shayea é um terrorista-suicida. Embora jamais se designasse assim, ele admite ter levado um caminhão-tanque, carregado de explosivos, até a frente da Embaixada da Jordânia, em Bagdá, no dia de Natal, em 2004. Nove pessoas morreram na explosão e 60 ficaram feridas. Al-Shayea sobreviveu ao ataque, mas seu rosto ficou terrivelmente deformado.

Eu o encontro em Riad, a capital da Arábia Saudita. Ele é um homem franzino, de 24 anos, que pondera suas palavras e fala baixinho. Os poucos dedos que lhe restaram nas mãos parecem nodosos e aglutinados. Durante nossa entrevista, duas ideias não me saem da cabeça: por que este homem pode estar sentado em um pátio interno, à sombra de palmeiras, e tomar chá comigo - se na realidade ele deveria estar trancafiado para sempre? Será que posso acreditar em uma única palavra do que ele diz?

Fui a Riad para visitar uma prisão singular, onde ele se encontra, localizada a alguns quilômetros da cidade, e organizada exclusivamente para jovens terroristas como Al-Shayea. A palavra "prisão", no caso, é enganosa. A instituição penitenciária, em Hayar, faz parte de um Programa de Ressocialização, que visa transformar homens furiosos, cheios de ódio, em cidadãos exemplares, por meio de esportes, educação e cultura. "Lavagem cerebral positiva", é como os responsáveis se referem ao projeto, que custa anualmente cerca de 10 milhões de dólares ao governo saudita.

Na realidade, a Arábia Saudita é um lugar bastante improvável para experimentos com sentenças suaves. Este não é o arcaico reino, no qual ladrões têm suas mãos decepadas, e assassinos e traficantes de drogas são decapitados com uma espada? Segundo a Anistia Internacional, em 2008, os carrascos sauditas aplicaram pelo menos 102 vezes a pena capital.

Riad foi uma das que mais sofreu com atentados terroristas. Os sinais do medo são visíveis por toda parte. Quem vende arame farpado ou postes de concreto nesta cidade, deve ter enriquecido. Edifícios públicos são protegidos por muros espessos. Os peritos da polícia antiterrorista se orgulham de ter impedido quase 200 atentados nos últimos cinco anos, fazendo "ataques preventivos" contra suspeitos.

Comprometida há séculos com a tradição ultraconservadora do wahhabismo (o mais extremista dos movimentos fundamentalistas islâmicos, criado em meados do século XVIII, por Muhammad ibn Abd al-Wahhab), a Arábia Saudita não é apenas um alvo de terroristas islâmicos. Para grupos, como a Al-Qaeda, o país também é uma incubadeira que fermenta o radicalismo de jovens descontentes e humilhados. Uma conduta descompromissada e, por vezes, desdenhosa, em relação aos "infiéis", ainda é ensinada em alguns livros didáticos. E o ex-presidente da Suprema Corte saudita declarou o assassinato admissível para todos aqueles que disseminam filmes "imorais" pela televisão a cabo.

ARÁBIA SAUDITA, TERRA
DA AL-QAEDA: NENHUM OUTRO PAÍS
PRODUZ TANTOS "MENSAGEIROS DE ALÁ"


Osama bin Laden nasceu neste país. Quinze dos dezenove terroristas que atacaram o World Trade Center, em Nova York, com aviões, em 2001, originavam-se da Arábia Saudita. E, entre os combatentes estrangeiros que tentam desmoralizar o exército norte-americano no Iraque, o grupo de sauditas fanatizados é o maior.

A fim de conseguir absorver e interiorizar os ânimos vigentes no país, passo uma noite em um curso de inglês do British Council - a organização cultural da Grã-Bretanha no exterior. Todos os participantes são jovens sauditas. Homens de boa formação, que fazem comentários politicamente corretos sobre paz e amizade. Mas a simpatia por bin Laden e seu ódio pelo Ocidente são claramente palpáveis.

Um dos jovens, por exemplo, me conta que 19 parentes seus morreram na Jordânia, em um atentado provocado pela Al-Qaeda. "Mas o que será mais importante - alguns parentes, ou o direito de um milhão e meio de palestinos na Faixa de Gaza?", pergunta ele friamente. Um outro participante do curso insiste que Osama bin Laden nem existe, e afirma que uma figura com este nome não passa de uma invenção dos norte-americanos. Três outros afirmam categoricamente, com expressões sérias, que os ataques de 11 de setembro foram arquitetados por conspiradores americanos. Se opiniões desse gênero aparentemente não são incomuns entre jovens com um alto grau de educação, o que pensarão os pobres e ignorantes?

Políticos sauditas frequentemente contam aos seus colegas internacionais que, em seu país, eles travam uma batalha constante pelos corações e cérebros das pessoas. No quesito cérebro, é possível que até já tenham alcançado algum sucesso. Mas a luta pelos corações ainda parece estar longe de ser vencida.

Já à primeira vista, as instalações da penitenciária de Hayar, nas cercanias de Riad, não lembram uma prisão. Os cinco edifícios são cercados por um muro baixo, o arame farpado está decentemente esticado, e os guardas - desarmados - praticamente não se distinguem dos jovens detentos que eles devem vigiar.

As acomodações oferecem espaço para 30 "favorecidos", como os internos são chamados aqui. A mobília não é luxuosa, mas seria aceita sem reclamações por qualquer turista mochileiro. Existe até um pedaço de gramado, falho, porém muito impressionante, em meio a esta paisagem desértica. Além disso, a instalação dispõe de mesas de pingue-pongue, pebolim, e uma piscina coberta.


Rumo a um futuro cor-de-rosa: este "formando" do Programa Hayar, para quem deve sua nova vida ao governo saudita - casa, carro e uma noiva o Estado paga o dote de 33.000 dólares


Contemplação do verdadeiro Ensinamento: os internos seguem regularmente um programa espiritual de TV. Oficialmente, eles se chamam "os favorecidos" - o esforço para melhorá-los custa quase 10 milhões de dólares por ano

Entre iguais: os guardas do Centro de Hayar não usam armas, nem uniformes. Vestem-se como os detentos - às vezes, também jogam pingue-pongue com eles


As janelas não são gradeadas e, na sala de TV, os detentos podem assistir a transmissões desportivas, noticiários e programas religiosos. A geladeira está abastecida de suco de morango e barras de chocolate. Um cozinheiro prepara três refeições por dia - e se orgulha de que nenhum detento jamais se queixou sobre a comida.

O cardápio deste dia inclui codorna assada com arroz, pimentão recheado e diversas saladas. Não é exatamente o tipo de refeição que se poderia esperar, por exemplo, em uma prisão de segurança máxima europeia. E o que é preciso fazer para ser trazido para este lugar?

Yousef (alguns sobrenomes foram omitidos propositalmente) tem 23 anos. Sua barba ainda é insuficiente para cobrir-lhe o queixo e as faces. Parece juvenil. Foi preso quando pretendia cruzar a fronteira da Síria para o Iraque, a fim de combater os norte-americanos estacionados ali.

É bem provável que ele também se sentasse atrás do volante de um caminhão carregado de explosivos - embora ele conteste esta possibilidade. "Eu só queria ajudar pessoas inocentes, não matá-las", afirma o jovem. Tinha 21 anos quando foi detido. Como a maioria dos "favorecidos" do campo, ele também foi inicialmente trancafiado em uma prisão comum saudita, antes de ser selecionado para o programa de Hayar.

Aqui, o Estado me trata como um bom pai trata o filho", comenta. "Não é uma questão de punição, mas um esforço para me reconduzir ao caminho certo", explica Yousef. Quase todos os prisioneiros de Hayar se exprimem de forma semelhante.

Um dia perfeitamente normal no campo de reabilitação para terroristas começa às quatro horas da manhã, com a primeira oração do dia. Depois disso, refeições, pausas para descanso e mais orações vão se intercalando até o final da tarde. Quando o calor abrasador cede, os detentos se divertem lá fora ou se recolhem a uma das salas de aula, onde são ministrados cursos terapêuticos de arte, controle de agressividade, ou interpretação das escrituras sagradas sobre a "Guerra Santa"

Mohammed, ex-guarda do Ministério do Trânsito saudita, sabe exatamente como pecou. Passou pelos quatro meses do programa de ressocialização e hoje profere palestras, para que outros possam aprender com ele. Nele, também, o ódio se inflamou ao ver as imagens de TV sobre a guerra do Iraque. Sua aversão mortal aos norte-americanos foi fomentada com material da Internet, no qual a Al-Qaeda apresenta, com sucesso, uma interpretação radical dos acontecimentos mundiais a uma nova geração de terroristas em potencial.

"Eu era um jovem perfeitamente normal e psiquicamente saudável", diz Mohammed. "Mas os acontecimentos no Iraque me chocaram demais - tive a impressão de precisar fazer algo contra a injustiça". E assim, ele partiu rumo à fronteira iraquiana, onde foi preso justamente por aqueles soldados norte-americanos que ele pretendia matar. Mohammed passou três anos em uma prisão comum, antes de ser transferido para Hayar.

TERAPIA DE ARTE, ESPORTE E
ORAÇÃO: EM APENAS QUATRO MESES
TERRORISTAS DEVEM SE TRANSFORMAR


"Para mim, este foi o início de uma nova vida", confessa o "favorecido". "Ainda me sinto miserável quando vejo as imagens de TV do Iraque ocupado. Mas também sei que não acrescenta nada eu me meter". Mohammed tem mais de 30 anos, olhos redondos e atenciosos, que parecem ter um olhar assustado. Tomamos chá em sua espaçosa habitação de dois cômodos, que lhe foi disponibilizada - gratuitamente - ao concluir o programa de ressocialização. Ele me mostra seu quarto, com paredes cor-de-rosa e uma cama dourada estofada. Talvez sua futura mulher seja tão linda quanto seu quarto, comenta ironicamente.

Mohammed quer se casar. Sua noiva já foi escolhida. E ele já sabe que, no dia de seu casamento, o governo saudita lhe dará um enxoval no valor convertido de 33.000 dólares. O carro, estacionado diante da porta da casa, também foi um presente do governo. "Eu mereci isto. Esta é a recompensa por eu ter mudado", declara ele.


Ahmed al-Shayea (acima) matou nove pessoas em Bagdá e sobreviveu gravemente ferido. Em Hayar ele é obrigado a se submeter a uma "lavagem cerebral positiva". Guardas mostram o que os recém-chegados recebem

O jovem detento Yousef pensa do mesmo modo. Quando lhe pergunto se ele não vê todas as amenidades em Hayar como uma forma de suborno do governo, ele balança a cabeça negativamente. "Eu teria mudado a minha conduta perante a violência, mesmo sem presentes. Além disso, sou cidadão saudita, então é perfeitamente normal que o meu governo me ajude", conclui.

O brigadeiro Yousef al-Mansour é um homem massivo, com jeito de paizão ("Por favor, me chame de Papa Yousef") e um bigode meticulosamente aparado. O diretor do Centro de Ressocialização dá a impressão de ser um homem friamente racional. Ele explica o sentido de seu trabalho pacientemente e à vontade - provavelmente pela milésima vez.

"Tomemos um caso típico", exemplifica. "Um jovem rapaz vai para o Afeganistão, a fim de se deixar treinar para a Jihad. Isto obviamente é um erro. Então ele é preso e passa alguns anos na prisão, talvez até em Guantánamo. Quando ele volta para casa, tem de começar uma nova vida. Nós queremos garantir que ele o faça no caminho certo".

E isto, diz o brigadeiro, é uma necessidade complicada. "Se nós não o ajudarmos, se não lhe dermos dinheiro, outros o farão. Os terroristas só estão esperando para reconquistar esses homens novamente. E então, eles serão mais perigosos do que na primeira vez".

O jornalista Khaled al-Maeena, redator-chefe do influente jornal Arab News, vê um panorama semelhante. "No Ocidente, vocês provavelmente pensam: meu Deus, o que é que os sauditas estão fazendo lá? Mas em nossa parte do mundo, simplesmente é assim: a magnanimidade perante os malfeitores pode, de fato, vencer o ódio e a sede de vingança deles".

A ideia de dar dinheiro aos terroristas para que eles parem de ser terroristas, pode ser algo de difícil compreensão para os ocidentais. Mas no sistema saudita, no qual o Estado, por exemplo, não só financia gratuitamente os estudos de jovens, mas também seu sustento, isto é natural da postura paternalista. Quando um homem precisa ir para a prisão, sua família é subvencionada pelo Estado. "O governo é o pai", resume Al-Mansour, "e os cidadãos são os filhos. Esta é a forma de assistência islâmica".

E ela parece ter sido relativamente eficaz em Hayar. Nenhum dos "favorecidos" jamais aproveitou os ocasionais passeios livres autorizados para fugir. E, se de vez em quando há problemas em Hayar, "conversamos olho no olho", conta um dos guardas. "Alguns 'favorecidos' precisam tomar antidepressivos durante algum tempo. No entanto, punições - isto é algo de que jamais necessitamos aqui".

Contudo, o imaculado balanço de sucesso dos primeiros anos já se turvou: nove libertos reabilitados foram presos novamente, admite o governo saudita. E, em janeiro de 2009, dois ex-detentos anunciaram, via Internet, ter assumido a liderança da Al-Qaeda no Iêmen.

Por outro lado, o número de ataques terroristas em Riad de fato decresceu. Desde 2001, o governo saudita vem apoiando consequentemente a "guerra contra o terror" norte-americana. Com isso, os sauditas também foram capazes de refrear alguns dos efeitos mais extremos de seu próprio conservadorismo wahhabita. Só no primeiro semestre de 2008, foram detidos 700 muçulmanos suspeitos. Em todos os cantos ouve-se dizer que a Al-Qaeda ficou mais fraca no país. Portanto, é bem possível que, apesar das recaídas, o programa de Hayar também tenha o seu valor neste resultado.

Ainda assim, tenho minhas dúvidas. Principalmente, por que nenhum dos internos parece estar disposto a assumir a responsabilidade por seus atos. E também por que tantos alegam que nunca foram, de fato, adeptos da violência, mas caíram no caminho errado devido a circunstâncias infelizes. Poderia haver uma verdadeira reabilitação sem responsabilidade?

"Mas nós só queremos ajudar as pessoas no Iraque", protesta Yousef. "Se eu não tivesse visto aquelas imagens do Iraque - eu jamais teria me desviado tanto", declara Mohammed. "A culpa é dos meios de comunicação", conclui ele.

A história que mais me perturba é a de Ahmed al-Shayea, o terrorista do caminhão-tanque cheio de explosivos. "Eu fui enganado", afirma ele categoricamente. Embora admita ter ido para o Iraque a fim de lutar, ele alega não ter tido a menor ideia de que o caminhão que estava dirigindo seria usado como bomba. "Disseram-me: 'leve o caminhão até amigos da Al-Qaeda'. Quando meus acompanhantes saltaram subitamente da cabine e saíram correndo, fiquei confuso. Eu não sabia que estávamos na frente da Embaixada da Jordânia".

Por que continuou dirigindo, é uma pergunta que Ahmed al-Shayea não sabe responder.

Talvez seja errado eu não acreditar nele, mas quando o questiono sobre as nove pessoas que ele matou no atentado, e sobre os outros 60 feridos, ele me interrompe de um jeito que me parece uma imposição: "Houve 61 feridos", me corrige Ahmed al-Shayea. "Eu também sou um deles, porque fui usado".

Porém nove famílias perderam pais, esposas, filhos. E, até onde sei, elas não ganharam nem dinheiro, nem carros. Será que a mentalidade de Ahmed al-Shayea pode ser um produto da ideologia islâmica? "Vocês pensam que nós somos os atacantes, isto é um mal-entendido. Nós somos as vítimas", afirma Abdel Aziz Rantisi, cofundador da facção radical da organização palestina Hamas. É difícil acreditar na reabilitação de terroristas, que só enxergam as vítimas em si mesmos.

Juma al-Dossari tem 34 anos. Ao encontrálo pela primeira vez, ele usava calças abauladas, uma camiseta polo e um boné de beisebol. Seu inglês é excelente. Em 2001, ele vivia e trabalhava no Estado norte-americano de Indiana. Mas após os atentados de 11 de setembro, ele saiu dos Estados Unidos - porque, como árabe, temia a vingança dos americanos.

SEM REMORSO: TERRORISTAS
REALMENTE SÃO REABILITADOS
QUANDO SE SENTEM VÍTIMAS?


Pouco depois, al-Dossari seguiu para o Afeganistão, onde, em janeiro de 2002, foi preso por soldados norte-americanos durante a retirada do Taleban. Os americanos o levaram para Guantánamo. Ele teve de permanecer preso durante seis anos na base, antes que finalmente fosse transferido para Hayar. Pergunto por que ele havia estado no Afeganistão. Al-Dossari alega ter fotografado mesquitas e orfanatos naquele país, a pedido de um imã. Nega ter sido um terrorista - portanto, mais uma vítima.



Aula para detentos: no Centro Hayar imãs ensinam, entre outros, "Interpretações da Jihad". Os religiosos, estritamente ortodoxos, apóiam a "Guerra Santa" - mas apenas sob a condição de que ela seja declarada por um governo

Mas porque estou mais disposto a acreditar nele do que em Ahmed al-Shayea? É difícil dizer: a maneira como fala desperta confiança. E ele andou 600 quilômetros de carro para me contar a sua história. Após vários anos de cárcere, torturas e mais de 1.500 interrogatórios, ele nunca foi acusado concretamente. Eu também conversei com o advogado de Al-Dossari, em Nova York. Joshua ColangeloBryan disse ainda estar horrorizado com o que fizeram com seu cliente, e que se sente infinitamente frustrado por que, de acordo com as leis norte-americanas, al-Dossari nem ao menos tem direito a uma indenização.

Quando encontro Juma al-Dossari uma segunda vez, descubro alguns detalhes sobre o tempo que passou em Guantánamo. Ele relata que passou três anos e meio em uma cela solitária e que, durante este tempo, passou 61 dias algemado a uma cama. A cela teria sido extremamente fria, e ele havia ficado deitado ali seminu e sem cobertor. Al-Dossari cometeu 14 tentativas de suicídio - a última com um corte na artéria femoral. Como punição, sua detenção solitária foi prolongada.

O mais surpreendente para mim, é sua atitude: "Minha prisão deve ter sido simplesmente uma reação exagerada dos americanos, depois dos atentados de 11 de setembro", julga ele. "Muitas pessoas perderam a sensatez depois daquela tragédia. Em um país grandioso, como os Estados Unidos, na realidade não poderia acontecer uma coisa dessas".

Ele não sente raiva? Não tem sede de vingança? "Se eu quisesse exercer retribuição, eu só prejudicaria a mim mesmo. Agora, tenho de me concentrar em minha vida. Meu passado não pode me desviar do presente nem do meu futuro", declara cheio de convicção. Se, por fim, consigo me convencer de que o Centro de Ressocialização em Hayar produz resultados bons, pelo menos em alguns casos, isto é fruto, principalmente, dos meus encontros com Juma Mohammed al-Dossari. E também do fato de que, até alguém como Ahmed al-Shayea se esforça, dentro dos limites de suas possibilidades. "Deixe que eu ainda acrescente uma última coisa", diz o terrorista-suicida deformado quando estou saindo: "Alá poupou a minha vida, para que eu espalhe uma mensagem. Eu sou a prova viva de que a Al-Qaeda é má".

Fiódor Dostoievski escreveu: "Nada é mais fácil do que julgar o malvado. E nada é mais difícil do que entendê-lo". Talvez, o Projeto de Ressocialização, em Hayar, não seja a resposta para o terrorismo, mas ele certamente é a tentativa de uma resposta. E ele suscita uma interessante questão moral: é possível que quatro meses de conforto relativo, um carro e um pouco de dinheiro pudessem ter impedido os ataques terroristas a bomba no metrô de Londres, em 2005? Neste caso, 56 pessoas não precisariam ter morrido.

Certamente, este é um pensamento hipotético: mas será que nós, ocidentais, também conseguiríamos vencer a aversão à ideia de conceder uma segunda chance a terroristas islâmicos, se fossemos colocados diante de uma escolha dessas? O governo da Arábia Saudita foi obrigado a fazer esta ponderação. Ela não é invejável, mas digna de reflexão.

Revista GEO

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