segunda-feira, 29 de março de 2010

Samba


Rio de Janeiro - 1939

O Brasil é brasileiro e Deus também, proclama Ary Barroso na mui patriótica e dançadeira música que está se impondo no carnaval do Rio de Janeiro.

Mas os sambas mais saborosos que o carnaval oferece não exaltam as virtudes do paraíso tropical. Suas letras malandramente elogiam a vida boêmia e os delitos dos livres, amaldiçoam a miséria e a polícia e desprezam o trabalho. O trabalho é coisa de otários, porque está na cara que um pedreiro não poderá entrar nunca no edifício que suas mãos levantam.

O samba, ritmo negro, filho dos cânticos que convocam os deuses negros nas favelas, domina os carnavais. Nos lares respeitáveis ainda o olham de viés. Merece desconfiança por ser negro, por ser pobre e por ter nascido nos refúgios dos perseguidos da polícia. Mas o samba alegra as pernas e acaricia a alma, e não há maneira de ingnorá-lo quando soa. Ao ritmo do samba, o universo respira até a próxima quarta-feira de cinzas, enquanto durar a festa que transforma todo proletário em rei, todo paralítico em atleta e todo chato em simpático.



Matos, Claudia. Acertei no milhar. Samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
Cabral, Sérgio. As escolas de samba: o que, quem, como, quando e porque. Rio de Janeiro, Fontana, 1974.


Memórias do Fogo III.
Eduardo Galeano

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