terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O charme discreto das capitais do Báltico

Países do Leste europeu que voltaram a ser independentes com o fim da União Soviética, Estônia, Letônia e Lituânia têm capitais de pequeno porte, que seduzem pela combinação de elementos medievais e contemporâneos


Texto e Fotos: Johnny Mazzili

Vista de Talim, capital da Estônia, a partir do alto da Catedral de Santo Olavo.

Desde pequeno eu gostava de folhear antigos livros sobre a Segunda Guerra Mundial, ilustrados por fotografias em preto e branco. Foi nesses volumes que descobri os três pequenos países bálticos: Estônia, Letônia e Lituânia.

Em minhas idas à Noruega, o Báltico foi ficando mais próximo. Até que um dia voei de Oslo, a capital norueguesa, até a belíssima Talim (ou Tallinn), capital da Estônia. Lá, aluguei um carro e durante uma semana circulei pelos três países. Um dos aspectos mais curiosos desse trajeto é que, ao longo dos quase 600 quilômetros que separam Talim de Vilnius, a capital da Lituânia, não há subidas ou descidas. Entre retas e curvas, a estrada é constantemente plana.

Estônia
A Cidade Velha, toda erigida em pedra, é o coração cultural, histórico e turístico de Talim, que se orgulha de sua estética e herança medievais. No medievalismo da capital estoniana existe muito mais do que uma simples jogada para atrair turistas, embora haja um marketing explícito com esse objetivo. Com pouco mais de 400 mil habitantes, a cidade - que até o início do século 20 se chamava Reval - é o que os europeus chamam de hansa city, uma expressão utilizada para designar cidades que floresceram sob o domínio da Liga Hanseática. Organização mercantil surgida na Alemanha no século 13, a Liga se tornou uma poderosa instituição política e impôs com mão de ferro monopólios comerciais pelo norte da Europa e por todo o Báltico durante mais de 250 anos.

No alto, a loja medieval Krambude, na Cidade Velha de Talim. Na página ao lado, em sentido horário a partir do alto, a Igreja Ortodoxa Estoniana do Patriarcado de Moscou, estonianas passeando pelo centro da capital e o Hotel Três Irmãs, com sua arquitetura típica da Idade Média.

Hordas de turistas têm passado pela capital estoniana, atraídas pelos preços baixos. a cidade possui uma rica tradição medieval, visível em prédios, igrejas e vielas estreitas

Barata para os padrões europeus, Talim vem se tornando uma das capitais mais badaladas do Leste europeu. Por toda parte veem-se grupos de turistas, desde comportadas famílias em férias até as caretíssimas filas de japoneses com câmeras digitais penduradas no pescoço, animados europeus, alguns escassos brasileiros e mochileiros viajando sozinhos ou em duplas.

Mas os maiores "invasores" do Báltico são os vizinhos escandinavos. Suecos, noruegueses e finlandeses vão frequentemente a Talim para estripulias pouco toleradas em seus próprios países, como bebedeiras e escapadas. Como na Escandinávia os preços são assustadoramente altos, os finlandeses que vivem em Helsinque ou imediações atravessam o Golfo da Finlândia apenas para comprar licores do outro lado do mar. No voo que me levou a Talim, um grupo de oito marmanjos noruegueses, tomados por uma euforia quase adolescente, seguia para uma semana na capital estoniana com objetivos indisfarçáveis.

Até 1920 os três países bálticos pertenciam à Rússia. Apenas 20 anos de independência e em 1940 foram novamente anexados, dessa vez à União Soviética, num acordo entre a Alemanha nazista e os russos. Só reconquistaram sua independência política a partir de 1989, após meio século de dominação soviética, por ocasião do esfacelamento da URSS. A consequência mais visível desse período de dominação é a alta porcentagem de população russa nos três países, que beira os 25%. Na Cidade Velha, vale a pena explorar detidamente a Rua Pikk, com suas lojas de artesanato moderno, galerias de arte e restaurantes. A Asuurkeraamika é um ateliê de cerâmica onde Urmas Puhkan lidera uma equipe de artistas que produzem peças de inusitado bom humor a preços convidativos. Do alto da Igreja de Santo Olavo se tem uma vista espetacular da Cidade Velha. Os prédios medievais pintados em tonalidades pastel são uma marca registrada da cidade.

Circulando por vielas estreitas e inclinadas, cheguei a diferentes mirantes, nos quais pude apreciar uma paisagem de outros tempos: torres altas e circulares de granito com telhados inclinadíssimos, campanários espetados no alto de catedrais pontiagudas, mirantes, muralhas e escadarias de pedra, becos e vielas estreitas e tortuosas.

Não deixe de visitar a bela Catedral Alexandre Nevsky, sede oficial da Igreja Ortodoxa Estoniana do Patriarcado de Moscou. Dentro, além de enfeites manjados e lembrancinhas religiosas caretas, você encontrará belos cartões artesanais com motivos ortodoxos e muito silêncio.

Na Vana Turg, vá a uma das atrações turísticas de maior sucesso, o Olde Hansa, um restaurante medieval quase sempre lotado de turistas. Com garçonetes e funcionários atenciosos e tipicamente trajados que vão às mesas para explicar os ritos de um banquete medieval, uma refeição no Olde Hansa pode ser encarada como uma simples distração turística ou como uma experiência gastronômica medieval. O proprietário, Auri Hakomaa, dedicou anos de pesquisa à recriação de diversas receitas da Idade Média, adaptando-as ao paladar atual.

O idioma estoniano tem sua origem no tronco linguístico fino-ugriano e guarda semelhanças com o finlandês, embora sejam atualmente línguas distintas. Em 1941, a Estônia foi ocupado pelos nazistas e, mesmo com uma população judia muito pequena, o país sofreu com a guerra. A libertação, iniciada em meados de 1944 pelo exército soviético, que ocupava os territórios à medida que exterminava os nazistas, não chegou a representar algum refresco. Os estonianos foram acusados de colaboracionismo com os nazistas e sofreram toda sorte de represálias dos soviéticos.

Letônia
Dotada de uma curiosa e exótica mistura de prédios medievais e construções art noveau, Riga, com seus mais de 700 mil habitantes, é a maior e mais cosmopolita capital báltica. Durante séculos, a Letônia (também conhecida em inglês como Latvia) teve como sua principal atividade econômica o comércio de âmbar, ainda importante hoje em dia. Por toda parte lojas e ambulantes oferecem belíssimos artesanatos elaborados com essa resina. Passear pelas vielas do Vecriga, o Centro Velho, fundado no século 12 e repleto de estilos arquitetônicos, é uma verdadeira viagem ao passado.

Em sentido horário a partir da esquerda: cogumelos, iguaria típica local; prédio da Confraria dos Cabeças Negras erigido no século 14; Igreja de São Pedro; Ponte dos Namorados, sobre o rio Pilsetas; babushkas, influência russa; café no centro de Riga; senhora letã.

Uma das construções mais conhecidas e curiosas de Riga é a Confraria dos Cabeças Negras, situada na Praça Ratslaukums e próxima às margens do rio Daugava. Sua origem remonta ao século 14, época em que a cidade era dominada pela Liga Hanseática.

Não perca uma subida ao alto da Igreja de São Pedro, de onde se tem uma vista privilegiada da cidade. Um elevador leva os turistas ao alto - ao contrário da Igreja de Santo Olavo, em Talim, onde é necessário vencer a subida na pernada.

O comércio de âmbar foi durante séculos a mais importante atividade econômica da lituânia. riga está repleta de lojas e ambulantes que oferecem belos artesanatos elaborados com a resina

Na praça central, é possível conferir um exótico e romântico ritual dos habitantes de Riga: para que o casamento seja duradouro, o casal vai até uma das pequenas pontes do rio Pilsetas, faz seus votos, prende nas grades um cadeado com seus nomes gravados e atira na água a chave. São milhares de cadeados presos ali, alguns datados de décadas atrás.

A gastronomia letã baseia-se na carne de porco, pão, batatas cozidas e peixe defumado, principalmente o arenque. Também são muito populares os cogumelos silvestres, colhidos nas florestas que cercam as cidades.
Experimente o Balzam, um fortíssimo licor preparado com dezenas de plantas, flores e raízes. Cuidado com a cerveja local, muitas vezes acrescida de mel, que aumenta as chances de um pileque seguido de uma bela dor de cabeça.

Por toda a Cidade Velha, pubs e restaurantes fervem de turistas, embalados pelos preços baixos e pela fartura de bebidas alcoólicas. É grande o número de europeus que vão a Riga comprar roupas e curtir a agitada noite da cidade. Com um diversificado calendário de festivais de música, arte contemporânea e pintura, Riga une de forma harmônica o medieval e o contemporâneo.

Lituânia
De Riga segui viagem até Vilnius, a capital da Lituânia, cujas origens remontam ao século 14. Também conhecida como Vilna, a cidade, com cerca de 550 mil moradores, é bem servida de catedrais e templos religiosos de variados estilos arquitetônicos, um prato cheio para os adeptos do turismo religioso. Ela é a Capital Europeia da Cultura deste ano, ao lado de Linz, na Áustria.

Em sentido horário, a partir da direita: artesanato em âmbar, um importante recurso econômico dos países bálticos; lituana pedala pelas ruas de Vilnius; Igreja Ortodoxa do Espírito Santo; máscaras de madeira, artesanato típico do país; Praça da Catedral.

Na Praça Arkikatedros, próximo à Catedral de Vilna, procure no chão a palavra stebuklas, que em lituano significa "milagre". Ao encontrá-la, faça seu pedido, dizem os locais.
Terra do artista Lasar Segall, depois radicado no Brasil, a Lituânia foi um país de grande população judaica, praticamente exterminada durante a Segunda Guerra Mundial.

Criada há mais de seis séculos, vilnius, a capital lituana, é repleta de atrativos para os adeptos do turismo religioso. ali come-se muito bem a preços baixos, na comparação com os padrões europeus

Vá até o Uzupio, o curioso bairro boêmio de Vilnius. Procure nas praças as curiosas e expressivas máscaras de madeira, uma das marcas registradas do artesanato lituano. Para os afi cionados pela Segunda Guerra Mundial, o lúgubre Museu da KGB é uma boa oportunidade para ver de perto as agruras pelas quais passaram os judeus lituanos.


O cartãopostal de Vilnius é a Torre Gediminas, situada no alto de uma colina de onde se avista a cidade, com seus telhados vermelhos e uma profusão de campanários.
O idioma lituano, assim como o letão, pertence ao grupo das línguas bálticas, mas em nada se parece com o estoniano. Isso, porém, não ajuda muito: os três são absolutamente incompreensíveis para nós, brasileiros.


Dos três países bálticos, a Lituânia é o mais barato. Comese muito bem por valores comparativamente irrisórios para os padrões europeus. Nas ruas do centro da capital, pizzarias vendem redondas de grande diâmetro e massa fi níssima, cobertas com deliciosos cogumelos e polvilhadas de queijo ralado.

SERVIÇO
Estônia: www.tourism.tallinn.ee
Latvia: www.latviatourism.lv
Lituânia: www.visitlithuania.net

Revista Planeta

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