segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Homens sem rosto


Homens sem rosto
identidades perdidas de uma população no cárcere


Wagner Hosokawa
Assistente Social formado pela PUC-SP

Apresentação e análise

Conhecendo o sistema carcerário apenas pelo olhar da mídia, muitas vezes não observamos os rostos ou identidades dessas pessoas que perdem nomes e naturalidades, entre outros pertences da sua individualidade. O que é apresentado nos programas de linha policial a partir da lógica “mocinho e bandido” esconde a realidade presente na diária reprodução da ideologia dominante que limita as relações sociais, na sociedade capitalista contemporânea, e torna a população carcerária em meros casos que “infringem a ordem estabelecida pela legislação penal vigente”.

A criminalização da questão social não deve ser apontada apenas como uma manifestação pura e simples do individuo, mas como resultante dos aspectos sócio-econômicos, políticos e culturais pelos quais se apresenta. A própria reorientação do capitalismo na década de 1990, que aumenta sua acumulação via reestruturação produtiva, gera mudanças no processo de desenvolvimento industrial no Brasil, deslocando inclusive suas prioridades para o mercado financeiro, com métodos de produção cada vez mais dinâmicos, rápidos e quantitativos. Esses fatores reduzem significativamente os postos de trabalho, e sao elementos do período neoliberal em nosso país.

A alienação do trabalho alcançou um elevado estágio neste período da história, quando o individuo se individualiza, se desprende das idéia de coletivo e de vida comunitária, para se jogar à lógica da luta pela sobrevivência individualista. Como diz Ianni, “talvez se possa dizer que esse desencontro entre a sociedade e a economia seja um dos segredos da prosperidade dos negócios (no capitalismo moderno) (...) em outros termos, a mesma sociedade que fabrica a prosperidade econômica fabrica as desigualdades que constituem a questão social” (Ianni, 1991). Em relação a essa analise e à criminalização do indivíduo, observemos a opinião do Sr. Alberto Silva Franco, desembargador aposentado do TJ de São Paulo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (15/08/04), sobre a proposta de revisão da lei de crimes hediondos: “quem está num nível de miséria é um perturbador do sistema econômico. O Estado mínimo não está preocupado com o social (...).”

Isso se aplica ao modelo de Estado Mínimo adotado pelos governos desde o fim da década de 1980, num projeto que combina a desaceleração do desenvolvimento produtivo e o fortalecimento do mercado de capitais como política econômica na América Latina, inclusive no Brasil. Essa opção impôs uma idéia de que a melhor distribuição de renda acontece como conseqüência natural do crescimento econômico, da estabilidade monetária e do equilíbrio financeiro.

Passada mais de uma década, esse modelo não se mostrou eficaz, e mais uma vez ocorreu o seu inverso: aumento de desempregados na última década, queda de poder aquisitivo e renda e aumento dos crimes voltados contra o patrimônio.

Esta situação engendrou, como via possível, o subemprego, a informalidade, a mendicância, a dependência de programas de transferência de renda ou, em último caso, a criminalidade.

Buscamos, a partir desta compreensão da sociedade, partir para um estudo sobre a população carcerária, trazendo para o centro desse debate as particularidades de pessoas que, de forma diferenciada, tiveram suas vidas cruzadas pela situação do cárcere, e terão de aprender a ter uma nova convivência social, e buscar novos meios de sobrevivência no “mundo” muito restrito que é o da penitenciária.

Partimos dos mesmos pressupostos que direcionam o trabalho realizado pelo Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC)[1], que coordenou, de 1999 a 2001, uma pesquisa minuciosa para conhecer a população carcerária da penitenciaria Mário de Moura Albuquerque (P1, na cidade de Franco da Rocha-SP)[2].

Nosso objetivo aqui é construir um desenho das identidades dos presos para conhecê-los, individualmente e coletivamente, nas relações sociais existentes antes do delito e no dia-a-dia do cumprimento da pena. Nossa interrogação também diz respeito ao modo de estabelecer as relações com estas informações e criar possibilidades no processo de ressocialização dos presos.

A pesquisa, apesar da importância e riqueza dos seus dados, ainda não foi totalmente analisada ou organizada de forma completa, pois alguns elementos novos são atualizados pelo tempo, pelas mudanças na legislação, pelas penas já cumpridas ou deslocamento dos presos para outras unidades penitenciárias. Também é preciso considerar uma margem de diferença em alguns dados, devido à negativa ou desconhecimento do preso a respeito da questão apresentada pelo entrevistador. Assim, algumas análises não dizem respeito ao universo total pesquisado, mas esse cuidado foi adotado, para que não se generalize aquilo que se mostrou parcialmente na visão dos entrevistados.

Mesmo assim, as informações colaboram para apresentar um perfil de uma população, não reconhecida como formada por indivíduos que têm direitos, com um cotidiano desconhecido pelo próprio sistema penitenciário e pela sociedade.

No universo total da pesquisa[3], temos informações de caráter quantitativo e também questões abertas (de caráter qualitativo), sendo 327 os presos pesquisados.

Apresentação preliminar dos dados

Uma das primeiras categorias que destacamos é sobre o trabalho. 270 dos entrevistados citaram pelo menos uma categoria de trabalho no item “profissão”, contra 54 que não responderam por não terem clareza sobre seu ofício, antes de cometerem o crime. Isto significa que apenas 16% não declararam ter exercido uma profissão ou trabalho.

Sobre a idade dos condenados, a ausência de perspectiva entre os jovens está refletindo inclusive no seu ingresso nos crimes comuns, seja o furto, seja o roubo, e no universo da nossa pesquisa, temos 153 jovens de 18 a 25 anos já condenados. É a faixa etária de maior concentração, são 47% de jovens alijados do convívio social. Portanto, a maioria é de trabalhadores e jovens.

Também é relevante o número de presos que tiveram passagem pelo sistema FEBEM (Fundação do “Bem-Estar” do “Menor”)”[4]. Cerca de 60 entrevistados responderam positivamente quando perguntamos se o preso em questão já esteve interno num sistema ou participou de outras medidas sócio-educativas[5].

Isso mostra uma população jovem e trabalhadora envolvida na criminalidade e alijada de sua capacidade de produzir socialmente, a partir do cerceamento de sua liberdade, resultante de suas histórias de vida e das oportunidades (não) colocadas à disposição da grande massa da população brasileira em situação de vida precária e vulnerável, como veremos a seguir.

Pessoas que, nas entrelinhas da própria pesquisa, buscam reencontrarem-se em atividades, visitas ou até mesmo em cartas. Buscam, assim, retomar uma sociabilidade mínima durante o cumprimento da pena e o retorno à sociedade, que não se dá apenas pela condição de sair em “liberdade”.

Deixamos claro que não apresentamos uma opinião de intervenção “moral”, como se apresentam nos instrumentos da ideologia dominante[6] que querem imputar sobre a população carcerária a responsabilidade única pelo crime, como se houvesse divisão entre “bons ou maus”, desconsiderando as diferenças de classe, de oportunidade e de inserção social existentes em nossa sociedade.


Execução penal no Brasil, verdades e mentiras sobre a atual situação carcerária e a realidade social vivida
As informações da pesquisa refletem, em parte, os resultados de estatísticas nacionais, como os dados do IBGE[7], chamados de “Dados do Século XX”, que reúnem informações sobre o perfil da população brasileira neste último século. No capítulo “Justiça”, apresenta inúmeras alterações do perfil da população carcerária entre as décadas de 1940 e 90, bem como a diferenciação dos crimes.

Os crimes contra o patrimônio[8] representam apenas 26%, em 1943, dos motivos totais de condenações. Em meados de 1985 quase 58%. Se considerarmos nossa pesquisa, realizada em 1999-2001, dos 327 pesquisados, 199 foram condenados por roubo, outros 22 por furto, 47 por tráfico, e apenas 18 por “matar alguém”.

Nos relatos dados pelos pesquisados no item “causa do delito”, em que se perguntava “por que realizou tal atividade criminosa”, temos 106 respostas abertas que afirmam que cometeram crime de furto e roubo em função de “desemprego”, “necessidade financeira”, “ajudar a família” e “melhorar as condições de vida”.

Porém, devemos considerar os diferentes processos históricos pelos quais passou a sociedade brasileira, entendendo seu crescimento populacional e as diversas mudanças socioeconômicas que foram determinantes para a alteração do comportamento em relação ao crime e à violência.

Considerando a violência como um fator da crescente desumanização, é interessante trazer para a análise a perspectiva do relatório da ONU[9] sobre os países latino-americanos: “durante o decênio 1980-1990, os salários mínimos urbanos reais diminuíram, quase em todos os países da América Latina”. Essa análise guarda relação com a mudança de perfil carcerário apontada acima.

Dados do “Mapa da Violência 4 – os jovens do Brasil” colocam nosso país em quinto lugar no ranking de homicídios entre os jovens na faixa dos 15 aos 24 anos: de cada 100 mil jovens brasileiros, 52,1 foram assassinados em 2000. Na pesquisa, há um comparativo desse quadro sobre os custos da violência, por exemplo, representando 10% do PIB só em atendimento aos casos de homicídios na saúde. Na maioria dos casos, os motivos são os mesmos: ascensão social por meio de atividades ilícitas e crimes que vão de roubo e furto a tráfico de drogas.

Segundo Pochmann[10], “... o jovem fica vulnerável a alternativas ilegais de sobrevivência (...) onde o desemprego não é um componente isolado”. Observando as análises de especialistas de outras áreas, há mais lenha nessa fogueira da relação do jovem e a reprodução da questão social. Na matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo (04/04/04), sob o titulo “Fenômeno cria geração perdida”, cinco pesquisadores de uma instituição ligada à Unicamp afirmam que “a permanência na marginalidade teria raízes nos ganhos aferidos com as ações criminosas e no grau de envolvimento com o crime, atividade na qual muitas dessas pessoas – em algum momento da vida – encontraram a única forma de subsistência”. Considerando os dados no estado de São Paulo, os pesquisadores informam a “proporção assustadora”: das mais de 125 mil pessoas nas cadeias, a maioria é jovem e presa por roubo.

Na mesma matéria, há apontamentos sobre que tipo de relação o Estado vem fazendo sobre a questão da segurança e criminalidade. ”(...) o Estado usa o enorme número de capturados para sustentar o sucesso da ação policial e frisar uma falta de relação direta entre o melhor policiamento e a queda da criminalidade. Mas a quantidade de presos, dizem os estudiosos de segurança, não necessariamente reflete eficiência da força estatal”.

Como conseqüências disso, há uma inserção cada vez maior de presos e presas cumprindo pena em condições questionáveis, segundo informações inclusive de organizações de defesa dos direitos humanos, e constantes crises no interior do sistema penitenciário.

Números de matrícula: esquecendo várias histórias de vida.

Reconhecendo a realidade enfrentada no interior do cárcere, e fazendo relação com os dados nacionais apresentados, podemos afirmar que: o sistema constituído atualmente não depende apenas de recursos, mas também de um projeto que possibilite realizar ações de atendimento que resguardem os direitos dos presos na construção de seu perfil e de sua identidade no sentido da ressocialização e inserção dos egressos e das egressas na sociedade.

Na pesquisa realizada pelo ITTC[11], no cabeçalho de identificação do entrevistado, associados ao seu nome, estão os números de matrícula de cada um no sistema. Não questionamos a importância das regras que delimitam a organização administrativa da instituição penal. Nosso ponto é a “institucionalização da pessoa”, evidenciada a partir do momento em que ela é reconhecida no sistema pelo seu número, e não pelo seu nome. Podemos dizer que ela é rebatizada, o nome de nascença é o número de encarcerado.

A partir daqui, apresentamos uma análise dos dados da pesquisa para que nos leve a entender o cotidiano dos presos.

No item “situação carcerária”, a questão sobre “quais cursos gostariam que fossem oferecidos na Penitenciária” recebeu as seguintes resposta: 139 indicações em cursos de informática, 109 de elétrica, 88 de enfermagem, 125 de desenho mecânico e 61 de outros. Destacamos a iniciativa do preso para qualificar-se, atualizar-se ou formar-se em algum curso técnico que possibilite apreender mais conhecimento durante o cumprimento da pena e que lhe possibilite algum trabalho no cárcere ou quando do seu regresso à sociedade.

Sobre as atividades realizadas pelos presos, foi perguntado: “quais atividades culturais e educacionais que participa”. Temos 160 respostas para “atividades religiosas”, seguidas de 130 para “festas” e 79 para “palestras”, ou seja, esses mesmos presos participam de algum tipo de ocupação do próprio tempo, dedicando-se a alguma atividade, mesmo que tenha valor subjetivo, como no caso da religiosa. Porém, as ofertas são ínfimas, restritas em diversidade e qualidade[12].

Para a questão: “gostariam de participar de alguma atividade e de quais atividades”, temos 131 respostas para a realização de hortas comunitárias, 108 para música (instrumentos musicais), 93 para pintura ou artesanato, 88 para criação de pequenos animais, 56 para teatro e 27 para outros. Ficam claros os vários interesses dos presos e suas possibilidades de criatividade, apontando que o trabalho não deve ser a única alternativa, pois outras atividades são direitos garantidos pela legislação.

Em relação à situação familiar dos presos, 277 afirmam ter família. Destes, 35 afirmaram estar casados, 20 solteiros e 132 “amasiados” (termo que trata de um relacionamento a dois sem formalização legal); contra 47 que responderam não ter família constituída.

A identidade e o perfil do grupo de presos da P1 ganha mais uma característica: eles são jovens, trabalhadores e se sentem pertencentes a uma família. É uma informação importante para podermos traçar ações e políticas públicas para a sociedade e para o público no sistema penitenciário.

Sobre a comunicabilidade com o “mundo exterior”, temos, nas respostas sobre as visitas, 220 entrevistados que afirmaram receber algum tipo de visitante, acrescidos de outros 50 detentos, que declararam receber visitas esporádicas. Ainda sobre as visitas, na categoria “recebe visita de quem”, são citados desde “familiares” genericamente, e, especificamente, citados com maior freqüência, “pai, mãe, filho(a), esposa e irmã”, seguidos de primos(as), tias(os), namorada, avô e avó. Sobre o “recebimento de correspondência”, cerca de 260 recebem cartas de pessoas, familiares ou amigos(as).

Vale destacar a presença marcante de presos da cidade de São Paulo, em torno de 137(na sua maioria da zona leste, norte e sul – nesta ordem), e de cidades da grande São Paulo, como Guarulhos, o grande ABCD, Osasco, Santa Isabel e Suzano, entre outras. Algumas cidades do interior são mais citadas, como Campinas e Ribeirão Preto, e ainda encontramos presos oriundos de cidades como São José do Rio Preto, Teodoro Sampaio, Registro e Amparo, que somadas, representam 52 dos detentos do interior do estado de São Paulo.

Lembramos que há situações precárias em termos econômicos e sociais das famílias, onde distância é um fator importante para impossibilitar o contato maior e constante com o parente próximo, a esposa, a companheira ou com os amigos, dificultando a manutenção dos laços de amizade e as relações sócio-afetivas.

Identidades espalhadas pelo chão do sistema:
Recomeçando pelos limites impostos pela sociedade.

Na questão “escolaridade”, temos: presos com primário completo são 35, e com primário incompleto, 100, seguidos de 121 presos com ginasial incompleto e apenas 21 com ginasial completo. 14 apresentavam ensino médio incompleto, e 4 tinham completado o ensino médio; 4 tinham ensino superior incompleto, e 2 completaram esse nível de estudo. Apenas 6 não informaram sua escolaridade, e 20 afirmaram ser analfabetos. A falta de um programa educacional interno que viabilize ampliar estas faixas de conhecimento e oportunizar a alfabetização é uma situação a ser considerada.

O nosso jovem detento, trabalhador, paulista, constituiu família e têm escolaridade situada na incompletude dos diversos níveis de ensino, seja primário, ginasial ou médio.

Sobre a “profissão” dos presos, 270 afirmaram ter ofícios ou conhecimentos especializados. Existem habilidades e conhecimentos que não são potencializados no presídio, pois 136 presos informaram não ter ou não realizar nenhuma atividade de trabalho no cárcere.

Outros 118 estão atuando em algum tipo de trabalho, em oficinas de trabalho, atividades internas da administração, na cozinha ou em atividades externas. Assim, a chamada “ociosidade” nos presídios é o que impera, não pela recusa do preso, não pela ausência de qualificação, não pela falta de interesse do preso em aprender o novo, mas pela ausência de ações constituídas para exercício de trabalho ou desempenho de atividades.

Mesmo na realização dos escassos trabalhos oferecidos pelo sistema, encontramos precariedades. Nas questões relativas às condições de trabalho e segurança e sua existência ou não na penitenciária, mais especificamente na questão: “recebe equipamento de segurança?”, 106 presos afirmaram não haver oferta de equipamentos de segurança para a realização do seu trabalho. Em outra questão, sobre problemas de higiene no ambiente de trabalho, foram dadas 30 respostas afirmativas, alegando 17 situações problemáticas nos sanitários, 15 no sistema de esgoto, 8 no ambiente da cozinha e 2 na oficina.

À pergunta “você já sofreu algum acidente de trabalho na penitenciária?”, 19 responderam que sim, sendo que 4 afirmaram ser de “queda”, outros 9 relacionaram o acidente com o material utilizado no trabalho (produto químico etc.), e os demais não responderam ou não souberam responder.

Para além de questões de formação e déficit de ocupação do preso, temos o descaso em relação à legislação trabalhista[13], de segurança individual, na falta de estímulo quanto aos hábitos de higiene e cuidado pessoal, se refletindo em todo o cotidiano do preso. Mesmo no trabalho, não há preocupação em manter os indivíduos, o grupo e o coletivo protegidos de riscos e condições insalubres.

Segundo os entrevistados, a profissão é fundamental na perspectiva de retorno ao convívio familiar e social. A esse respeito, vale a pena comentar sobre um pequeno resultado obtido a partir da pesquisa citada, quando os profissionais do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, a partir da análise e leitura das informações obtidas nas entrevistas, realizaram um esforço no sentido de aproximar os desejos e as necessidades indicadas pela população carcerária, por meio do reconhecimento da existência de uma necessidade coletiva de melhoria da alimentação e da pouca oferta de atividades internas no cárcere.

O resultado foi a proposição e a implantação de um projeto de horta, a ser implementada, cuidada e desenvolvida pelos presos, e que foi encaminhada pela entidade juntamente com a diretoria de produção do presídio, para a diretoria geral. O projeto resultou em uma atividade concreta para um grupo de presos e, ao mesmo tempo, em melhoria na qualidade da alimentação diária.

Com relação a outros direitos e garantias, destacamos o item: “há contagem de remição da pena[14]?”. Temos 200 respostas positivas, porém, quando perguntado: “você controla?”, há apenas 129 respostas afirmativas. Isso mostra o não acompanhamento do preso em relação ao seu direito, pela ausência de informações que o auxiliem no acompanhamento dos seus direitos.

Quanto à saúde dos entrevistados, destacamos algumas informações, no item “você tratava de alguma doença antes de ser detido?”. 48 responderam que sim, e 279, que não. Porém, mais adiante, era perguntado: “depois que chegou aqui, apresentou alguma queixa ou doença?” Temos 101 respostas afirmativas, mostrando que as condições do cárcere são promissoras para o desenvolvimento de situações de falta de saúde, e ainda não demonstram a presença de medidas de prevenção ou atendimento especializado para tratamento de doenças conseqüentes da idade, hereditariedade ou adquiridas no cárcere.

Nas questões de sexualidade, relacionadas a saúde, temos no item “orientação sexual”, as seguintes quantidades: 303 heterossexuais, 8 homossexuais e 3 bissexuais. Sobre as visitas íntimas, 187 afirmaram que não recebem, e 140 afirmaram receber. Destes, a maioria recebe na própria cela, e 113 com freqüência quinzenal, contra 24, de freqüência esporádica. Quando perguntados se receberam na penitenciária algum tipo de orientação sobre o uso de preservativos, cerca de 141 responderam que sim, em oposição aos 186 que responderam não.

Ainda na questão da saúde, e mais especificamente sobre saúde mental, cabe expor os resultados do item “saúde mental antes de ser preso”, na questão “você sofreu algum tipo de agressão?” Temos 119 respostas, que foram divididas e classificadas pelo tipo: espancamento, 116; violência sexual, 2; e tortura, 31. Os outros tipos de agressão são: humilhação, 79; ameaça, 61, e extorsão, 28. É importante ressaltar que temos várias respostas múltiplas por isso supera - e muito - os 119 que responderam afirmativamente.

Esses resultados são seguidos pela pergunta seguinte: “se foi agredido fisicamente, por quem foi?” Mesmo que haja um grande número de entrevistados que “afirmam” sofrer algum tipo de agressão por parte de autoridade policial, a pesquisa não se aprofundou suficientemente nesta questão.

Não há como afirmar quais são as razões ou situações que envolveram a agressão, seus motivos, porém cabe afirmar que não há amparo legal ou moral que justifique a violência como procedimento sobre uma população contida, privada da liberdade e que deveria ter sua integridade física e moral assegurada pelo Estado.

Conclusão
Nem Santos, nem Demônios:
Desmistificando a imagem projetada para a sociedade, reconstruindo rostos.

Observando os números, dados e informações vindos dos próprios presos, pairam no ar inúmeras indagações, reflexões e perguntas que levam nossa imaginação para uma situação inimaginável: e se fossemos nós a estar nesta situação? Justamente porque a conclusão a que se chega, olhando toda a estrutura que mantêm o sistema carcerário, é que a sociedade brasileira não deveria ter um sistema carcerário que desumaniza e desvia-se da sua tarefa.

Por outro lado, olhar para o dia-a-dia, as histórias de vida, as questões que levaram cada um deles a cometer um crime, enfim, a compreensão e a aproximação do perfil dos 327 presos da Penitenciária de Franco da Rocha indicam caminhos e instrumentos fundamentais para pensar ações de ressocialização do preso dentro de possibilidades restritas, sem grandes investimentos, sem grandes ilusões mas, no mínimo, dentro da lei. Isso significa mexer nas questões que envolvem o sistema carcerário.

Esse desvelar do preso e do cárcere mostra-nos o quanto é importante levar para a sociedade este debate, rompendo o estigma, presente e assumido, inclusive por quem se encontra cumprindo pena, aceitando a violência, acomodando-se e naturalizando a prisão como uma roda viva para quem nela está. Para quem nela passou ou a ela retornou, por reincidência, é assim e “sempre será!”

Há de se acumular propostas alternativas e reverter o quadro de violência e falta de oportunidades para a classe trabalhadora paulista (no caso da P1), e mais, ampliar as oportunidades para o preso caracterizado como: jovem, ex-trabalhador, com pouca ou nenhuma escolaridade, com sentimentos e valorização da família a que pertence, enfim, ampliar as oportunidades para o cidadão brasileiro, que se encontra privado do convívio social e submetido a condições desumanas nos presídios.

Acreditamos que revelamos um vasto campo de limites e possibilidades no sentido de fazer incorporar um outro olhar sobre os presos.




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[1] O ITTC é uma organização não governamental que atua na defesa dos direitos humanos. E em São Paulo, hoje, tem sua ação, prioritariamente, voltada ao atendimento de presas estrangeiras, em convênio com Secretaria da Administração Penitenciaria (SAP), e presas brasileiras em geral, distribuídas pelos “presídios” da capital paulista.

[2] A pesquisa citada deu origem no mesmo período ao desenvolvimento de projeto de apoio a ressocialização dos internos desta penitenciária.

[3] A pesquisa possui nove categorias, sendo: 1) dados gerais; 2) dados processuais; 3) dados sociais; 4) situação carcerária; 5) trabalho; 6)saúde; 7)saúde mental; 8) saúde atendimento; 9) hábitos; no item citado os dados “causa do delito” estão contidos nos dados processuais

[4] O sistema FEBEM citado refere-se à medida de internação e medidas em meio aberto que compõem o artigo 122, que trata das medidas sócio-educativas (cap. IV, seção VII), contidas na lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

[5] As medidas sócio-educativas surgem como um novo paradigma sobre a atuação da sociedade, por meio do Estado, para a reinserção do adolescente infrator e volta ao convívio familiar ou com a comunidade. A esse respeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente se contrapõe à concepção punitiva contida no revogado “código de menores”.

[6] Sobre “as classes sociais e o estado”, V. Lênin, 1917, do livro “O Estado e a revolução”, cap. I. Nesse capítulo, autor trabalha sobre a literatura marxiana para analisar como se reproduz, na sociedade capitalista, a diferença entre as classes, e como o Estado, as forças armadas e inclusive as prisões atuam na forma repressiva do capital para conter revoltas ou ações contrárias aos objetivos dominantes.

[7] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística, fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão do governo federal.

[8] Consideram-se “crime contra o patrimônio” o furto, o roubo, o estelionato e o latrocínio, pela legislação vigente e utilizada pela pesquisa do IBGE.

[9] Relatório de 1994, do comitê preparatório da cúpula social mundial, ONU.

[10] Professor de Economia da Unicamp e ex-secretário de trabalho da Prefeitura de São Paulo (na gestão Marta Suplicy).

[11] Pesquisa desenvolvida em 1999-2001, pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, já citada.

[12] Ressaltamos o que está estabelecido pela Lei de Execuções Penais (LEP), no seu artigo 41, com referência aos direitos do preso: “V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; Vll - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa”.

[13] Artigos 138 e 153 e 154 do decreto 611/92.

[14] O condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto pode remir (abater) pelo trabalho parte do tempo de execução da pena na proporção de um dia de pena por três horas de trabalho (art. 33 da LEP). V. Manual dos direitos dos presos, publicado pelo ITTC (Instituto Terra, trabalho e cidadania).



Referências Bibliográficas
OLIVEIRA, Isaura de Mello Castanho; PAVEZ, Graziela Acquaviva, e SCHILLING, Flávia, Reflexões sobre violência e justiça. São Paulo, Educ, (ANO).

Fernandes, Florestan, “Apontamentos sobre a teoria do autoritarismo”;

Folha de SP, Cotidiano, (15.08.04), sob o título “Direito Penal não resolve o problema” – questões pendentes na configuração de uma política social: uma síntese – Laura Tavares analise publicada em dezembro de 2004, no site www.outrobrasil.net.

IANNI, O. “A questão social”. In: São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Jan/Mar. 1991. COMPLETAR REFERÊNCIA

ITTC, Manual dos direitos dos presos, São Paulo;

Wacquant, Loic, “Porque punir os pobres: uma nova gestão da miséria nos Estados Unidos” Instituto Carioca de Criminologia – editora Freitas Bastos;

Yazbek, Maria Carmelita, Revista Temporalis – Abepss, ano II, n° 03 jan a jun / 2001 – “A questão social no capitalismo”, texto Pobreza e exclusão social: expressões da questão social no Brasil.[GK1]

Wagner Hosokawa
Assistente Social formado pela PUC-SP.

Revista PUCVIVA

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