quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Gregos X Persas: culturas em choque


Gregos X Persas: culturas em choque
A rivalidade começou no século 6º a.C., mais de 50 anos antes da grande invasão liderada por Xerxes
por Reinaldo José Lopes
Não foi um bom começo, e mostrou ser o prelúdio de coisas piores que viriam pela frente. O rei persa Ciro tinha acabado de estender seu poder à Ásia Menor (atual Turquia) no ano 546 a.C. e estava recebendo uma embaixada vinda de Esparta. Os espartanos advertiram que não tolerariam que Ciro causasse mal às cidades gregas da região.

A resposta do rei da Pérsia não poderia ser mais arrogante e hostil: “Eu nunca tive medo de homens que possuem um local de reunião no centro de suas cidades onde fazem juramentos falsos e enganam uns aos outros”.

Pode até ser que a frase tenha sido inventada pelo historiador grego Heródoto, e jamais dita por Ciro. Mas, para muita gente, ela resume perfeitamente o conflito que se desenhou desde o começo entre os dois povos. O rei persa estava se referindo à ágora, a praça do mercado das cida­des gregas que também servia como local de debate político. “A Pérsia ainda era uma sociedade basicamente feudal, coisa que a Grécia não era havia séculos, graças a seu desenvolvimento comercial”, diz o historiador americano Peter Green, da Universidade do Texas. “E Ciro desprezava não só a paixão dos gregos pelo comércio, como também a livre troca de opiniões que a acompanhava”, afirma Green.

Nesse sentido, o confronto entre os dois povos pode ter sido mesmo inevitável. Mas ele não teria acontecido se não fosse pela expansão fenomenal dos persas pelas terras do Oriente Próximo ao longo da segunda metade do século 6o a.C. A construção desse império, o maior que o mundo tinha visto até aquele momento, tornou-se possível graças ao gênio militar de Ciro e ao fato de que as antigas grandes potências da região estavam enfraquecidas pelo conflito que travavam umas com as outras.

O rei vassalo

Ciro começou sua carreira como um simples rei vassalo – ele e toda a nação persa estavam sob o domínio dos medos, um povo vizinho e de cultura semelhante. Ciro, no entanto, parece ter sido tão bom político quanto guerreiro: ele conquistou a aliança de um dos principais nobres medos, chamado Hárpago, e liderou uma revolta vitoriosa que o tornou governante de quase todo o território correspondente ao atual Irã.

Depois, numa série de campanhas-relâmpago que transformou os persas na máquina militar mais temida do mundo, Ciro arrancou a Ásia Menor das mãos de Creso, rei da Lídia, e tornou-se senhor das cidades gregas do litoral asiático (ali, ele foi pioneiro no uso de máquinas de cerco, que tornaram completamente inúteis as muralhas dos gregos). Mais importante ainda, ele tomou a antiga e rica Babilônia, junto com o resto da Mesopotâmia (atual Iraque). Seu filho Cambises ampliou ainda mais o império, conquistando o Egito – defendido por mercenários gregos e tropas nativas –, a ilha de Chipre e a Fenícia.

Até então, apesar da retórica inflamada de Ciro, a série de conquistas não tinha sido exatamente ruim para os gregos da Ásia. Afinal, os persas eram governantes conscienciosos, que apoiavam, por exemplo, o desenvolvimento agrícola. Seu domínio trouxe estabilidade, lei e ordem, assim como a possibilidade de tranqüilamente fazer comércio com as vastas regiões do império a leste.

Isso começou a mudar em 521 a.C., quando Dario, parente distante da família real, tornou-se o novo senhor dos persas após a morte de Cambises. Apelidado de “rei mascate” por causa de sua paixão pelo dinheiro vivo, Dario padronizou o sistema de tributos do império, de maneira a canalizar o fluxo de metal precioso de seus domínios para suas mãos.

Olho grande

Dario também estava de olho nas terras de Europa, em especial as que ficavam na região do mar Negro, muito férteis e ricas em trigo. As ilhas gregas, antes livres do domínio persa, começaram a cair nas mãos de Dario, a começar pela grande e poderosa Samos. O Grande Rei (título dado aos soberanos persas) em pessoa comandou uma expedição à Europa em 512 a.C., invadindo a atual Ucrânia com a ajuda de seus súditos gregos da Ásia.

Todo esse processo deixou as cidades-Estado da Grécia européia com medo de ser as próximas vítimas de Dario, e sob pressão financeira também, uma vez que as terras recém-conquistadas pelos persas eram fornecedoras cruciais de trigo. Por sua vez, os gregos da Ásia sofriam com o peso dos impostos e a restrição que a falta de metal precioso trazia para o co­mércio. Pa­ra com­­pletar a insatis­fação, os persas mui­tas vezes apoiavam ditadores, os tiranos (o que não indica que esses governantes eram necessariamente violentos, como se pensaria hoje), enquanto muitas cidades queriam governos mais democráticos.

Esses motivos de conflito finalmente explodiram em rebelião em 499 a.C. Liderados pela poderosa cidade de Mileto, os gregos da Ásia expulsaram os tiranos que tinham o apoio dos persas e declararam-se uma confederação independente, passando até a cunhar sua própria moeda. Eles pediram ajuda a seus compatriotas europeus, mas só Atenas e Eretria concordaram em fornecer navios e soldados. As forças helênicas conseguiram tomar Sárdis, a capital dos persas na Ásia Menor, mas foram levadas a retirar-se da cidade, sofrendo várias derrotas em seguida.

Mesmo assim, no mar (onde os persas, um povo montanhês, nunca se sentiram muito à vontade), os gregos da Ásia continuaram a resistir. Em 494 a.C., a frota helênica, com mais de 350 navios, preparou-se para um confronto decisivo contra os almirantes de Dario perto de Mileto. O suborno e a traição, porém, resolveram o que a força não tinha conseguido concluir: os navios gregos de Samos e Lesbos, as duas principais ilhas da costa asiática, abandonaram a briga e fugiram. Milhares de gregos foram mortos ou vendidos como escravos e suas cidades, arrasadas.

Dario agora tinha a desculpa ideal pa­­ra punir Atenas pela ajuda aos rebeldes. De quebra, sua corte abrigava Hípias, ex-tirano ateniense disposto a tudo para recuperar seu antigo posto. O Grande Rei mandou seus mensageiros para exigir que Atenas lhe entregasse terra e água – marcas simbólicas de submissão. Os atenienses jogaram os arautos num precipício, sugerindo que fossem buscar terra e água lá embaixo. O confronto era uma questão de tempo.



Gregos X Persas: Guerra de Colossos
• 546 A.C. Ciro, o Grande, rei da Pérsia, captura a cidade de Sárdis, na Lídia, e dá início à conquista das cidades gregas da Ásia.

• 521 A.C. Dario, o Grande, torna-se senhor da Pérsia após tomar o trono, vazio com a morte do filho de Ciro. Ele endurece a política fiscal e começa a gerar descontentamento en­tre as cidades gregas.

• 513 A.C. Com a ajuda de seus súditos gregos, Dario invade a Europa e conquista regiões vizinhas da Grécia perto do mar Negro, como a Trácia, e impõe seu domínio sobre a Macedônia.

• 499 A.C. Insatisfeitos com o domínio persa, os gregos da Ásia revoltam-se contra Dario e transformam-se numa confederação democrática. Eles conseguem a ajuda de Atenas.

• 494 A.C. A frota combinada dos gregos da Ásia é derrotada perto de Mileto, na batalha de Lade. Milhares de gregos são vendidos como escravos.

• 490 A.C. Uma expedição enviada por Dario para punir Atenas por sua ajuda aos gregos da Ásia desembarca em Maratona e sofre uma derrota humilhante. O Grande Rei jura vingança.

• Agosto de 480 A.C. O exército de Xerxes, filho de Dario, chega à Grécia e confronta os gregos simultaneamente no des­­filadeiro das Termópilas (por terra) e em Artemísio (no mar). Os persas destroem as forças gregas nas Termópilas e forçam a frota helênica a retirar-se para o sul.

• Setembro de 480 A.C. Comandados por Temístocles, os gregos derrotam os persas na batalha naval de Salamina.

• Agosto de 479 A.C. Perto da cidade de Plataia, o exército persa é arrasado pelas forças combinadas dos gregos.

• Fim de agosto de 479 A.C. Os aliados gregos desembarcam em Mícale, na Ásia Menor, e derrotam de novo os persas, libertando os gregos asiáticos do domínio de Xerxes.

Revista Aventuras na História

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