sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Martin Luther King - A voz da alma

O sonho da liberdade, o topo da montanha, a terra prometida:
nos emocionantes discursos de Martin Luther King, as imagens
que inspiraram multidões a seguir o caminho do reverendo

Transe coletivo: diante do Memorial Lincoln, em 28 de agosto de 1963, o pastor faz seu principal discurso, 'Eu Tenho Um Sonho'

A coragem inabalável, a obsessão pela luta pacífica e o gosto pelo diálogo franco não são as únicas marcas da extraordinária trajetória de Martin Luther King. Sua retórica notável, capaz de mobilizar multidões emocionadas, foi o elemento-chave para divulgar a causa dos direitos civis nos Estados Unidos. O dom de cativar e inspirar as platéias - revelado e aperfeiçoado nos púlpitos dos templos batistas do sul do país - transformou um movimento político-social numa jornada de elevação espiritual para milhões de negros americanos. A seguir, trechos selecionados de alguns dos discursos mais famosos do pastor assassinado em Memphis:

***

"Voltem para o Mississipi, voltem para o Alabama, voltem para a Geórgia, voltem para a Louisiana, voltem para as favelas e guetos de nossas cidades do norte sabendo que, de alguma forma, esta situação pode e vai ser mudada. Não nos arrastemos pelo vale do desespero. Digo hoje a vocês, meus amigos, que apesar das dificuldades e frustrações do momento, ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho de que um dia esta nação vai se levantar e viver o verdadeiro significado de sua crença: 'Consideramos essas verdades auto-evidentes: que todos os homens são criados iguais'. Eu tenho um sonho de que um dia, nas montanhas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos donos de escravos serão capazes de sentarem-se juntos à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho de que meus quatro filhos um dia viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas sim pelo conteúdo de seu caráter (...). Quando permitirmos que a liberdade ecoe, quando permitirmos que ela ecoe em cada vila e cada aldeia, em cada estado e cada cidade, seremos capazes de avançar rumo ao dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar as mãos e cantar as palavras da velha cantiga negra, 'Enfim livres! Enfim livres! Graças a Deus Todo-Poderoso, enfim estamos livres!'."
(Eu Tenho Um Sonho, Washington, 28 de agosto de 1963)

"Que despertemos nesta noite com uma prontidão ainda maior. Ergamos-nos com uma determinação ainda maior. E que ataquemos de frente estes dias poderosos, estes dias marcados pelo desafio de transformar a América no que ela deve ser. Temos a oportunidade de fazer da América uma nação melhor. E quero agradecer a Deus, mais uma vez, por permitir que eu esteja aqui com vocês (...). Bem, eu não sei o que virá agora. Teremos dias difíceis pela frente. Mas isso não importa para mim agora porque eu subi ao topo da montanha. Não me importo mais. Como qualquer pessoa, eu gostaria de ter uma vida longa. A longevidade é boa. Mas não estou mais preocupado com isso agora. Quero apenas cumprir a vontade de Deus. E Ele permitiu que eu subisse a montanha. E lá de cima eu enxerguei. Eu enxerguei a Terra Prometida. É provável que eu não entre lá com vocês. Mas quero que vocês saibam esta noite que nós, como um povo, chegaremos à Terra Prometida. Por isso estou feliz esta noite. Nada me preocupa. Não temo nenhum homem! Meus olhos viram a glória da vinda do Senhor!"
(O Sermão do Topo da Montanha, Memphis, 3 de abril de 1968)

"Há um grande dia adiante. O futuro está do nosso lado. Por enquanto estamos no deserto. Mas a Terra Prometida está adiante. Se não tivesse havido um Gandhi na Índia, com todos os seus nobres seguidores, a Índia jamais seria livre. Não fosse Nkrumah e seus seguidores em Gana, Gana ainda seria uma colônia britânica. Não fossem os abolicionistas nos EUA, tanto os negros como os brancos, estaríamos ainda hoje nas masmorras da escravidão. Em todos os períodos, sempre existem aquelas pessoas que não se importam em ter suas cabeças cortadas, que não se importam em ser perseguidas, discriminadas e agredidas, porque elas sabem que a liberdade jamais é entregue de graça; ela só vem através da persistente e contínua agitação por parte daqueles que estão presos no sistema. Isso nos lembra do fato de que uma nação ou povo pode se desvencilhar da opressão sem violência (...). Deus, nosso gracioso Pai, ajude-nos a enxergar as visões desta nova nação. Ajude-nos a segui-lo e a seguir todas as suas obras neste mundo. De alguma forma descobriremos que fomos feitos para vivermos juntos, como irmãos. E isso virá ainda nesta geração: o dia em que todos os homens reconhecerem a paternidade de Deus e a irmandade dos homens."
(O Nascimento de Uma Nova Nação, Montgomery, 7 de abril de 1957)

"Aceito o Prêmio Nobel da Paz num momento em que 22 milhões de negros nos Estados Unidos estão envolvidos numa batalha criativa para encerrar a longa noite da injustiça racial. Aceito este prêmio em nome de um movimento de direitos civis que está avançando com determinação e um majestoso desprezo pelos riscos e perigos de estabelecer um reino de liberdade e um sistema de justiça. Estou ciente de que uma pobreza debilitante e asfixiante aflige meu povo e o acorrenta ao degrau mais baixo da escada econômica. Portanto, devo perguntar por que este prêmio está sendo concedido a um movimento que é comprometido com uma luta incessante; a um movimento que não conquistou a própria paz e fraternidade que é a essência do Prêmio Nobel. Depois de pensar a respeito, concluí que este prêmio que recebo em nome desse movimento é um reconhecimento profundo de que a não-violência é a resposta à questão moral e política crucial de nosso tempo: a necessidade do homem superar a opressão e a violência sem recorrer à violência e à opressão (...). Ainda creio que superaremos tudo isso. Essa fé nos dá a coragem de enfrentar as incertezas do futuro. Dá forças aos nossos pés cansados enquanto continuamos nossa marcha rumo à cidade da liberdade. Quando nossos dias tornarem-se lúgubres e cobertos por nuvens e nossas noites tornarem-se mais escuras que mil meias-noites, saberemos que estamos vivendo no tumulto criativo de uma civilização genuína lutando para nascer."
(Cerimônia de entrega do Nobel da Paz, Oslo, 10 de dezembro de 1964)

"Infelizmente, a História transforma algumas pessoas em oprimidas e outras em opressoras. E há três formas pelas quais os indivíduos oprimidos podem lidar com a opressão. Uma delas é se levantar contra os opressores com violência física e ódio corrosivo. Mas este não é o caminho. Pois o perigo e a fragilidade deste método são sua futilidade. A violência cria mais problemas sociais do que soluções. Como disse várias vezes, se o negro sucumbir à tentação de usar a violência em sua batalha, as gerações que ainda não nasceram receberão uma longa e desoladora noite de amargura, e nosso principal legado ao futuro será um eterno reinado de caos sem sentido. A violência não é o caminho (...). Então nesta manhã, enquanto olho em seus olhos e nos olhos de todos os meus irmãos do Alabama e de toda a América e do mundo, digo a vocês: 'Eu te amo. Prefiro morrer a odiá-lo'. Sou tolo o bastante para crer que, através do poder deste amor, até os homens mais inflexíveis serão transformados. E aí estaremos no reino de Deus. Poderemos nos matricular na universidade da vida eterna, pois teremos o poder de amar nossos inimigos, abençoar as pessoas que praguejaram contra nós, até decidirmos ser bons com as pessoas que nos odiavam, até rezarmos pelas pessoas que nos usaram."
(Amar seus Inimigos, Montgomery, 17 de novembro de 1957)

Revista Veja

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