domingo, 17 de janeiro de 2010

HISTÓRIAS NÃO REGISTRADAS, MAL DOCUMENTADAS E OCULTAS DA MIGRAÇÃO


Alistair Thomson
Centro de Educação Continuada da Universidade de Sussex
Tradução de Magda França Lopes

HISTÓRIAS NÃO REGISTRADAS, MAL DOCUMENTADAS E OCULTAS DA MIGRAÇÃO

O historiador francês Phillipe Joutard escreve que "as migrações modernas ... dificilmente poderiam ser estudadas hoje em dia sem os relatos de primeira mão dos emigrantes"3. Um apelo fundamental e permanente dos profissionais que trabalham com a história oral da migração tem sido que a própria história do migrante pode ser registrada ou mal documentada, e que a evidência oral proporciona um registro essencial da história oculta da migração. Por exemplo, esta foi a motivação de um projeto de história oral iniciado no início da década de 1980 pela Comissão de Assuntos Étnicos de New South Wales, como uma contribuição para a história do bicentenário da Austrália.

(...) as experiências de um grande número de migrantes que vieram para a Austrália não foram registradas e preservadas e, por isso, não estariam refletidas nos escritos e no entendimento da Austrália moderna ... parecia improvável que muitos destes imigrantes fossem capazes de escrever, publicar ou divulgar suas experiências, pois careciam de tempo e de recursos e freqüentemente tinham problemas com a língua inglesa escrita4.

A maior parte das histórias da migração anterior australiana concentrou-se nas políticas de migração e nas atitudes australianas diante da migração, e "os próprios migrantes, suas experiências e seu impacto na sociedade australiana foram relegados a tabelas estatísticas e relatos laboriosos de quem veio quando..."5. Escrevendo no final da década de 1970, Paul Thompson concordou que a história dos grupos de imigrantes foi "principalmente documentada apenas de fora, como um problema social", e que uma "abordagem de dentro... com certeza vai se tornar mais importante na Grã-Bretanha"6. Neste aspecto, a história oral da migração exemplifica o interesse de muitos historiadores nas histórias não documentadas de grupos sociais marginalizados ou oprimidos.

Tal evidência documental sobre a experiência do migrante, como ela existe, pode ser parcial e até enganosa. Por exemplo, em um estudo escrito em 1978 sobre a migração de famílias mineiras para as jazidas de carvão de Kent entre as duas guerras, Gina Harkell comentou sobre a inadequação dos registros escritos preservados nos arquivos do Ministério do Trabalho, que responsabilizavam os elevados índices de rotatividade na força de trabalho pelas condições terríveis das minas. Na verdade, a evidência oral de velhos mineiros sugeria que eles teriam suportado as más condições porque precisavam do emprego, mas o testemunho de suas esposas mostrava que as principais razões por que as famílias dos mineiros deixaram as jazidas de carvão de Kent foram a hostilidade local e a ausência de redes de apoio familiar para as esposas dos mineiros7.

Mesmo quando existem fontes documentais produzidas e preservadas por membros de comunidades migrantes, a evidência oral pode atuar como "um corretivo poderoso", como declarou Bill Williams em seu estudo dos imigrantes judeus em Manchester. A evidência documental que restou era quase inteiramente produto da sociedade inglesa ou de uma elite anglo-judaica, com um assumido interesse pela rápida assimilação e projeção de estereótipos defensivos de uma comunidade judaica coesa e harmoniosa. Dessa forma, "uma história comunal extraída de fontes documentais tende a ser uma reinterpretação do mito comunitário, pois a maior parte dos documentos encontrados foi formulada por aqueles mais interessados em manter os mitos vivos"8. Em contraste, a evidência oral coletada por Williams evocava uma "comunidade" judaica com rígidas distinções internas e interconexões complexas com a sociedade mancuniana9 mais ampla, e demonstrava, por exemplo, que as escolhas ocupacionais dos migrantes judeus mais provavelmente se deviam a redes residenciais do que a estereótipos históricos sobre o caráter e o "espírito empresarial" dos judeus.

Sem querer desviar do assunto, pode ser sugestivo o fato de alguns estudos que enfatizam a importância das evidências da história oral para o estudo da migração no século XX10 fazerem pouco uso de outras formas de testemunho pessoal. As histórias de migrações anteriores — como o assentamento de europeus na Austrália no século XIX — fazem uso extensivo de cartas, diários e memórias de migrantes11. Para alguns casos da migração no século XX tais fontes podem estar indisponíveis; por exemplo, Carolyn Adams explica que isso aconteceu em praticamente toda parte no que se refere aos marinheiros de Silhet que se estabeleceram no distrito oriental de Londres12. Mas fico me perguntando se a oportunidade prontamente apresentada pela história oral para registrar as histórias aparentemente ocultas dos migrantes não substituiu os esforços dos historiadores para descobrir outras formas de testemunho pessoal. É revelador que um subproduto significativo e inicialmente inesperado do projeto de história oral da Comissão de Assuntos Étnicos de New South Wales tenha sido os arquivos pessoais e familiares compostos de cartas, diários, memórias e, acima de tudo, fotografias. É também digno de nota que, nas últimas décadas, escritos comunitários e projetos publicados, como Centerprise e Eastside Writers em Londres ou Gatehouse e Commonword em Manchester, tenham produzido muitos volumes de autobiografias e escritos pessoais e ofereçam um recurso rico e complementar para a história vivida da migração e das comunidades étnicas13. Muitos dos argumentos usados neste artigo sobre história oral poderiam ser aplicados ao uso de outras formas de testemunho pessoal — visual, escrito e oral — como fontes para a história da migração.

Matéria completa com o título - Histórias (co) movedoras: História Oral e estudos de migração
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882002000200005&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

Revista Brasileira de História

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