terça-feira, 1 de dezembro de 2009

UMA ENTREVISTA COM JACQUES LE GOFF.


UMA ENTREVISTA COM JACQUES LE GOFF

O medievista Jacques Le Goff é um dos principais expoentes da história das mentalidades. Nascido na França em 1924, formou-se em história e logo se integrou à escola dita das (a palavra é feminina) Annales, revista da qual é atualmente co-diretor.
Presidente, de 1972 a 1977, da VI Seção da École Pratique des Hautes Études, hoje École des Hautes Études en Sciences Sociales, é diretor de pesquisa no grupo de antropologia histórica do Ocidente medieval dessa mesma instituição. Entre outras altas distinções, Le Goff acaba de recebera medalha de ouro do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS),
pela primeira vez atribuída a um historiador.
Boa parte de sua obra está ao alcance do leitor brasileiro, traduzida para o português (ver lista bibliográfica no final da entrevista).
Nesta entrevista, concedida em Paris em janeiro de 1992 a Monique Aufiras, Le Goff sintetiza a sua concepção da história, descreve a sua formação, e dá um vibrante depoimento sobre a constituição da Europa e a tarefa do historiador.
- Ao receber a medalha de ouro do CNRS, o senhor definiu o historiador, em seu discurso, como um “especialista das mudanças das sociedades” e disse que a função da história é “introduzir alguma racionalidade na história vivida e na memória”. Mudanças, muitas vezes, significam crises. Como é possível introduzir alguma racionalidade no seio da tempestade?
- É possível, pela mediação daquilo que hoje tem o nome rebarbativo de problemática. Como sabe, pertenço à tradição das Annales, cujos fundadores, Lucien Febvre e Marc Bloch, definiram um tipo específico de história, a história-problema. Isso é fundamental para nós. Julgamos que o historiador tem o dever de colocar questões como eixo do seu trabalho. Em seguida, ele vê corno respondê-las, apoiando-se naquilo que, é claro, continua sendo o seu material específico, que são os documentos.
Logo, o próprio fato de partir de uma questão problemática já introduz alguma racionalidade. Depois, se o historiador pretende realizar uma obra científica - ainda que a história seja uma ciência muito peculiar, acredito que seja uma ciência - também deve levarem conta o movimento da história, a sua diversidade, sua irracionalidade, sua flexibilidade.
Pessoalmente, tenho grande interesse na história do imaginário e, no imaginário, há muita irracionalidade. Portanto, introduzira racionalidade na história não significa excluir o irracional, o impreciso, o flutuante, muito pelo contrário. Significa que a gente tenta explicar as mudanças históricas a partir da resposta a uma questão que, por sua vez, é racional.
- Não acha que a história, como as demais ciências sociais, tem como um dos seus problemas fundamentais o fato de sempre propor interpretações ex. post facto?
- De pleno acordo, isso é para mim essencial, eu diria até que é uma das bases científicas das ciências sociais e, particularmente, da história. Penso - e olhe que eu não estou sozinho nisso - que o historiador se sente pouco à vontade quando a gente chega ao imediatamente contemporâneo. Um dos motivos pelos quais é muito difícil estudar a história contemporânea é que não sabemos o que vai acontecer mais tarde. É preciso dizer isso claramente. Muitas vezes, os historiadores não querem assumir isso, colocam-se como se fossem os descobridores da evolução histórica. Nada disso! Eles devem partir daquilo que aconteceu para tentar compreender como e por que aconteceu.
Para mim, o fato de partir do ponto de chegada é o que garante a seriedade do trabalho do historiador. Além disso, há outras condições, outras qualidades, é claro, mas partir do ponto de chegada me parece essencial. É por isso que concordo com Marc Bloch, que denunciava “a idolatria das origens”. Muitas vezes, os historiadores das origens fazem o caminho inverso. Partem daquilo que começou, e descem o rio. Ora, penso que se a gente se satisfazem descer o rio, duas coisas podem acontecer: em vez de entender por que o rio corre, a gente acaba sendo levada por ele; ou então, corre o risco de perder o contato com o rio e ir para longe dele. O método, o trabalho do historiador, a meu ver, consistem necessariamente em uma constante ida-e-volta entre passado e presente. Sendo que o presente é obviamente o futuro. O futuro do passado.
Vou citar uma frase conhecida, que foi repetida por vários cientistas e, particularmente, pelo filósofo italiano Benedetto Croce: “Toda história é contemporânea.” O passado continua sendo interpretado, sempre é urna leitura contemporânea que se faz e, na compreensão do passado, temos de integrar essa leitura renovada, sempre recomeçada.
- Não se poderia aproximar essa observação da perspectiva antropológica, quando, ao descrever sociedades outras, estamos retratando também a nossa própria sociedade?
- Concordo inteiramente, mas, você sabe, há um número bastante grande de
historiadores que discordam. Para mim, é o ponto crítico que me permite distinguir os historiadores que pretendem renovara história daqueles que se satisfazem com a história tradicional. Acredito que, tanto na antropologia como na história, há esse movimento de ida-evolta.
É claro que as sociedades de que trata o historiador não são as mesmas sociedades que o antropólogo estuda, e mesmo quando eles acabam pesquisando as mesmas sociedades - o que
acontece cada vez mais - eles têm pontos de vista um tanto diferentes. O que os aproxima é sobretudo o fato de ambos considerarem as sociedades de modo global, sem fragmentá-las conforme os velhos escaninhos da história tradicional.


Clique no endereço para ler a entrevsta completahttp://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/89.pdf


CPDOC - Fundação Getúlio Vargas

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