terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Durante 40 anos, Alemanha fez parte de bloco liderado pela ex-URSS

IAGO BOLÍVAR

Durante as quatro décadas em que ficou separada da Alemanha Ocidental, a República Popular da Alemanha foi integrada a um bloco econômico, militar e ideológico comandado pela ex-União Soviética, como parte do núcleo que ficou conhecido como "segundo mundo", representado pelas nações comunistas desenvolvidas.

As fronteiras do bloco foram oficializadas durante as conferências organizadas pelos aliados --entre elas as de Ialta e Teerã e Potsdam-- nos anos finais da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e logo depois do conflito, mas a definição delas só foi feita de fato no campo de batalha.

Yevgeny Khaldei - 1945/AP/ITAR-TASS

Soldado ergue bandeira soviética em Berlim após a derrota nazista

A extensão do domínio comunista no Leste Europeu correspondeu ao avanço do Exército Vermelho contra os nazistas, que os levou a capturar Berlim em 1944, marcando o fim de seis anos de conflito na Europa.

Entre os países que ficaram sob a "esfera soviética", na linguagem diplomática, estavam a Tchecoslováquia --que havia sido invadida pela Alemanha nazista-- aliados de Hitler (Hungria, Romênia e Bulgária) e a Polônia, cuja parte oriental a própria ex-União Soviética havia invadido no final dos anos 30, de acordo com um pacto de partilha assinado com Hitler. O acordo foi quebrado em 1941, quando a Alemanha lançou a Operação Barbarossa, de invasão dos domínios e do território soviético.

Sobre as repúblicas bálticas (Estônia, Letônia e Lituânia), vistas como historicamente pertencentes à Rússia, o domínio soviético acabou sendo total --foram absorvidas na URSS. Nos demais países, a estratégia foi transformá-los em Estados-satélites.

O processo seguiu linhas gerais semelhantes. Primeiramente, formou-se uma aliança de partidos socialistas, comunistas e "antifascistas" para teoricamente disputar eleições livres. Depois, com diferença de ordem de país para país, foram dados os passos seguintes: as forças vistas como burguesas foram perseguidas; as eleições moldadas no estilo soviético de votação; o próprio partido comunista sofreu expurgos para alijar possíveis lideranças nacionais ou muito independentes e os governos eleitos colocaram em prática o modelo soviético de estatização dos meios de produção.


Arte/Folha Online


Colaboração

O resultado foi que, quatro anos após o fim da Segunda Guerra, havia um cinturão de "repúblicas populares" obedientes a Moscou entre a União Soviética e a Europa ocidental. Tentativas de caminho independente foram suprimidas.

A Tchecoslováquia, que manteve parte da estrutura anterior do Estado, com um Parlamento, cogitou receber ajuda americana do Plano Marshall [plano econômico de recuperação da Europa], mas foi dissuadida por forte pressão soviética. O mesmo acabou acontecendo com a Polônia, a quem foi fornecido um empréstimo de Moscou.

Formalmente independentes, os países continuavam com tropas do Exército Vermelho em seus territórios e foram enquadrados em organizações que eram espelhos das novas instituições do oeste do continente. À Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) opunha-se o Pacto de Varsóvia; à Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), correspondia o Conselho para Assistência Econômica Mútua, (Comecon), que a partir do final dos anos 50 passou a ser visto como a alternativa à Comunidade Econômica Europeia, antecessora da União Europeia.

Fora do financiamento americano para a recuperação econômica do pós-guerra, os países desenvolveram estratégias de colaboração técnica e trocas comerciais entre eles, dificultadas pela falta de uma moeda conversível como a adotada no oeste.

Apesar da supremacia soviética, as tentativas de fazer com que a planificação das economias nacionais passasse a ser coordenada acabaram sendo em grande parte infrutíferas, assim como os ensaios de divisão de tarefas econômicas --a Romênia, por exemplo, se opôs a ser relegada apenas ao papel de fornecedor de produtos agrícolas, sem industrialização.

Um dos elementos-chave para o desenvolvimento do bloco nos anos iniciais foi a virtual quebra de patentes da desenvolvida economia alemã, o que permitiu um avanço significativo nas indústrias da região. O preço a pagar foi o desestímulo à inovação tecnológica, o engessamento em uma economia de escala reprodutora que, mesmo com mudanças legais nos anos 70, acabaram levando a um fosso tecnológico nos bens de consumo TVs, carros, eletrodomésticos-- em relação ao ocidente.

Tecnologia

Na outro extremo, a ex-União Soviética conseguiu manter uma tecnologia avançada em setores de ponta, como armas nucleares, mísseis balísticos e na área aeroespacial, da qual os maiores símbolos foram o lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputnik em 1957, e a primeira viagem do homem ao espaço, Yuri Gagarin, em 1961, eventos que desencadearam a reação americana de levar o homem à Lua, em 1969.


Libor Hajsky -21.ago.1968/AP-CTK

Manifestantes atacam tanque durante invasão de Praga para reprimir reformas

Mas, no solo, o descontentamento crescia com a supressão das liberdades "burguesas" de livre expressão, religião e livre empresa, apesar de uma elevação geral do nível de vida quando comparada ao período das guerras mundiais e mesmo ao anterior, embora os governos ocidentais também fizessem grandes avanços na área social, classificados pelos soviéticos de concessões pífias e tentativas vãs de conter a luta de classes.

O levante popular na Hungria em 1956 contra o governo stalinista do país foi contido por tanques soviéticos, e em 1968 uma força conjunta de cinco países do Pacto de Varsóvia invadiu a Tchecoslováquia para encerrar com a política de liberalização do líder tcheco Alexander Dubcek.

A falta de colaboração ativa dos EUA e da Europa ocidental em apoio às tentativas de abertura mostraram claramente que, na Europa, os limites da Cortina de Ferro seriam respeitados e que cabia à ex-União Soviética decidir o futuro de cada um dos países da região.

Resistência

Apesar da posição ocidental, a leste da fronteira entre as duas Europas nem todos os países comunistas se submeteram ao domínio soviético. A primeira resistência importante e com consequências duradouras foi a atitude de independência do general Josip Broz Tito em relação ao ditador soviético Joseph Stálin, que levou à expulsão da Iugoslávia do Cominform, a aliança de partidos comunistas.

Tito havia liderado a resistência aos nazistas nos Bálcãs e não se via como um devedor em relação à ex-União soviética, mas como um líder em igualdade de condições com Stálin, uma situação única no bloco.


Koca Sulejmanovic - 26.dez.2006/Efe

Visitante observa os retratos de Tito (à esq.) e Stálin, expostos em Belgrado em 2006; os dois líderes comunistas romperam em 1948


No outro extremo ideológico, --dentro da limitada gama da época e região-- a Albânia, pequeno país agrícola cuja integração com a Bulgária foi inutilmente defendida por Tito, em desafio à União Soviética, acabou se isolando cada vez mais com o passar dos anos pelo inflexível stalinismo de seu ditador, Even Hoxa. Após a morte de Stálin, em 1953, ele se opôs às críticas feitas ao ex-ditador soviético pelo novo líder da URSS, Nikita Kruschev, que empreendeu uma campanha de denúncias dos massacres e expurgos ordenados pelo antecessor.

Hoxa voltou-se então para Mao Tse Tung. A China comunista se tornou o principal parceiro comercial e fonte de financiamento e ajuda técnica da Albânia, mas a aproximação chinesa com os EUA no governo do presidente americano Richard Nixon deterioraram os laços, e Hoxa rompeu definitivamente as relações com a China em 1978, denunciando o "revisionismo chinês" e proclamando a Albânia o único Estado comunista do mundo. O gesto garantiu a simpatia de militantes comunistas em vários países, mas aprofundou o isolamento da Albânia.

Decadência

A crescente falta de dinamismo econômico do bloco soviético nos anos 60 foi em parte compensada por um boom no início da década seguinte, devido ao fornecimento de petróleo e gás russos de jazidas cuja exploração foi em grande parte financiada pelos estados-satélites. O crescimento foi ainda mais significativo porque coincidiu com estímulos dados pelo próprio ocidente na política de "détente", uma tentativa de diminuir as tensões com o bloco comunista por meio de concessão de crédito e de licenças tecnológicas.

Em contraste, a década de 70 foi marcada pela crise do petróleo, que minou as economias ocidentais, o que, em comparação aumentou a visibilidade do sucesso econômico do leste. O fim da détente, em meio ao crescimento das tensões, problemas de pagamento dos créditos e uma crescente ineficiência da máquina burocrática planificada fizeram com que o bloco entrasse em um processo de crescente estagnação, que perdurou do fim da década de 70 até a implosão do sistema comunista de molde soviético na região após as políticas de abertura de Gorbatchov, nos anos 80.


Marek Zarzecki/REUTERS/Kfp

Sindicalista polonês Lech Walesa é levado por grevistas em 1980; em meio a crise econômica, ele fundou sindicato não comunista

A segunda metade da década de 80 foi cheia de presságios do fim do "segundo mundo". O crescimento do sindicato Solidariedade, na Polônia, o visível enfraquecimento soviético durante a invasão do Afeganistão e o sucesso em imagem, mas fracasso em resultados econômicos, das políticas de abertura de Gorbatchov encorajaram manifestações de descontentamento interno e impulsionaram o apoio cada vez mais ativo do Ocidente a grupos locais descontentes.

Colapso

Em 25 de Outubro de 1989, o porta-voz da Chancelaria russa forneceu a senha para o colapso do bloco. Em entrevista ao programa da TV americana "Good Morning America", Gennadi Gerasimov tentou resumir um discurso do ministro das Relações Exteriores soviético, Eduard Shevardnadze, que falara que os soviéticos reconheciam a liberdade de escolha de todos os países, incluindo os membros do Pacto de Varsóvia.

"Nós temos agora a doutrina de Frank Sinatra. Ele tem uma música, "I Did It My Way" [Eu fiz do meu jeito, trecho da música "My Way"]. Assim, cada país decide sobre o seu próprio caminho a tomar". Questionado sobre se isso incluía a possibilidade do fim do domínio dos partidos comunistas nas "repúblicas populares", ele disse: "Com certeza [...] estruturas políticas devem ser decidido pelo povo que vive lá".

O fim da ameaça explícita de uma retaliação do Exército Vermelho encorajou os insatisfeitos e aqueles que já estavam em ação contra os regimes locais.

A Hungria, que passara por uma reforma liberalizante, já havia aberto a fronteira com a Áustria nos meses anteriores, permitindo a fuga de milhares de seus cidadãos e de alemães. Quinze dias depois da declaração do porta-voz soviético, simbolicamente usando uma canção americana em uma TV americana, os alemães escolheram o próprio jeito de reabrir o caminho fechado por um muro desde 1961 entre Berlim ocidental e Berlim oriental.

A partir de então, as repúblicas populares enfrentaram revoluções em grande parte pacíficas, e o segundo mundo deixou de existir, com seus países tentando integrar-se ao sistema econômico e político dos vizinhos vistos como inimigos durante meio século.

Folha de São Paulo

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