domingo, 15 de novembro de 2009

Hobsbawm: revolução à vista


Hobsbawm: revolução à vista
A partir de uma esquina da História, as revoluções Industrial e Francesa, o escritor Eric Hobsbawn traça o perfil de um mundo totalmente novo.
por Fábio Metzer
De onde surgiu a idéia de Estado-nação? E a Democracia Moderna? Noções como Liberdade, Igualdade, Pátria? Assim mesmo, tudo com letra maiúscula. Como nasceram as indústrias e de que forma elas se expandiram? Eric Hobsbawm, em A Era das Revoluções, identifica o momento-chave na história em que uma "dupla revolução" abalou as estruturas das sociedades, iniciando uma nova era, a partir dos anos 1780. Para ele, a Revolução Industrial Inglesa e a Revolução Francesa criaram um sistema de poder sem precedentes. De um lado, a Inglaterra, potência naval, expandindo seus lucros e garantindo mercado para suas indústrias lucrativas. De outro, a França, potência terrestre, com ideais revolucionários exportados para o resto do mundo. Essas revoluções não foram antagônicas, mas complementares. É verdade que os interesses franceses e ingleses, em determinado momento, degladiaram-se em guerras, mas, finalmente, entraram num acordo. Celebrado no Congresso de Viena, esse casamento inaugurou um novo mundo.

Cabeça pensante

A um observador do século 18, a Inglaterra não pareceria o lugar apropriado para abrigar uma revolução tecnológica. Franceses e alemães estavam à frente nessa ceara. Só que os britânicos, um século antes, derrubaram seu rei e criaram as condições políticas para a burguesia expandir os negócios. O campesinato inglês foi substituído pela estrutura de grandes propriedades, que firmaram a agricultura como atividade empresarial. As leis que delimitavam as propriedades agrícolas (os Enclousure Acts) permitiram grandes fazendas que funcionavam com uma dura lógica capitalista, desempregando camponeses. Ao mesmo tempo, uma nova atividade industrial tinha impacto no país: máquinas de tear surgiam nas fábricas, absorvendo a mão-de-obra vinda do campo. E, em meados do século 19, apareceram outras indústrias, como ferro, aço e carvão, além de bens de Capital que ampliavam a escala na construção de máquinas e novos meios de transportes.

Se na Inglaterra, a revolução limitou-se ao modo de produção, na França ocorreram transformações políticas profundas. A nobreza dependia de privilégios garantidos por lei, que a Monarquia não podia mais sustentar. E, nas classes baixas, a situação também era insustentável: camponeses endividados perdiam suas terras e burgueses empobrecidos reagiam à crise, clamando por reformas. Sem alternativas, o Rei Luís XVI convocou os Estados Gerais para resolver a crise. Dois Estados, a nobreza e o clero, e um terceiro Estado, representando os comuns, entraram em confronto. Ciente da força da maioria, o Terceiro Estado reivindicou a votação por cabeça, e não mais por Estado.

A partir daí, uma grande rebelião subjugou Paris. A tomada da Bastilha, uma prisão estatal, em 14 de julho de 1789, impulsionou a revolta para além da capital francesa. A Monarquia Absoluta caiu, e em seu lugar, surgiu um novo regime, que tirou poderes do monarca. Não foi um processo indolor. Até a ascensão de Napoleão Bonaparte, revolucionários das classes médias radicais e da burguesia moderada disputaram o poder até perderam o controle. De um lado, os jacobinos, que desejavam levar adiante o processo revovolucionário. De outro, os girondinos, que tentaram deter a Revolução para dar continuidade à defesa dos interesses burgueses. No primeiro governo revolucionário, os jacobinos tomaram o poder. Brigas internas e divisões deram espaço para um governo tirano. Enfraquecidos, foram derrubados pelos girondinos, que restabeleceram os poderes da burguesia. Isto até o golpe de Napoleão, jacobino de origem e, depois, defensor da burguesia.

O fato é de que não se tratou de uma revolução democrática. E, sim, anti-feudal, sem partidos políticos ou movimentos sociais, mas com inspiradores, como o intelectual Jean-Jacques Rousseau ou o ativista político Tom Paine. Significou a adoção de um projeto de racionalização dos Estados, com a criação de leis pela igualdade dos cidadãos, renovação dos códigos juríricos, padronização de medidas de peso e extensão, ensino laico e gratuito para todos, separação do Clero e do Estado, formação das Assembléias Nacionais, etc. Enfim a revolução que gerou maior impacto político e cultural do século 19.

Napoleão e a paz em Viena

Em meio ao caos instaurado pela ala radical da Revolução, apareceu o general Napoleão Bonaparte. Em pouco tempo, ele conseguiu reunificar a França, formando um Império que expandiu os ideais revolucionários. Napoleão promoveu conquistas militares de regiões ricas, de onde o exército retirava recursos. Mas, sua guerra, de fato, era travada contra a Inglaterra. Enquanto a França se fortalecia como potência territorial, expandindo sua ideologia, a Inglaterra mantinha-se como potência naval, preservando o comércio. O choque de interesses tornou-se inevitável. Como Inglaterra era imbatível no mar, a França não tinha como avançar, a não ser dentro do continente. Foi o que fez os franceses decretarem, em vão, um bloqueio continental aos ingleses. No fim da briga, Napoleão acabou derrotado.

O conflito deixou um duro fardo para os dois países. A economia francesa quebrou, e a Inglaterra, ao se defender do avanço francês e apoiar seus aliados contra Napoleão, teve gastos quatro vezes maiores do que os de sua rival. Restava fazer um acordo de paz. Foi o que aconteceu no Congresso de Viena, que restabeleceu as fronteiras da Europa Continental pré-revolucionária, e afirmou o status da Inglaterra de grande potência do século 19. Para a França, restou a posição de uma potência menor. A partir desse momento, a dupla revolução anglo-francesa, no entanto, já tinha se consolidado, tornando fundamental para os novos regimes estabelecidos – e também os velhos – se proteger do furor revolucionário da época. Pode-se dizer que ondas rebeldes protagonizaram as décadas seguintes.

Em 1820, ocorreu a primeira onda revolucionária, com a libertação de países latino-americanos do jugo espanhol, e revoltas na Itália, na Espanha e na Grécia. Em 1830, a segunda, ameaçando Estados liberais moderados, com guerras civis e revoltas populares. Essa seqüência de acontecimentos eliminou os últimos vestígios de feudalismo na Europa. E, em 1848, a terceira onda de revoluções tomou o continente como um todo, derrubando governos. Só que nenhum do governos rebeldes que assumiram o poder sobreviveria por muito tempo. No fim das contas, triunfou a organizada articulação dos liberais. É bom lembrar que uma nova tendência somou-se aos democratas radicais da época: os movimentos socialistas. Mas não havia nenhum projeto de consenso que pudesse dar consistência à luta de ambas as correntes. O socialismo ainda era algo a ser construído e a idéia de democracia radical esbarrava nos interesses e no poder das classes dominantes.

O legado

O período chamado por Hobsbawm de Era das Revoluções deixou uma grande herança para o século 20. No âmbito da política, as mudanças foram contundentes: predominou o ideário nacionalista; a separação entre Clero e Estado ganhou força; aumentou a demanda pela criação de regimes democráticos e, por fim, começou a ser delineado um projeto para contrapor o liberalismo e o capitalismo. Nas ciências, a racionalização impulsionou descobertas que propiciaram as revoluções industriais, selando o destino das sociedades agrárias da Europa. Na seara cultural, literatura, música clássica e pintura viveram um verdadeiro boom. Embora prevalecesse o Romantismo nas classes dominantes, tal movimento artístico não tinha vez nas classes médias e baixas. Havia, sim, uma tendência não-romântica, de contestação ao sistema, que combinava doutrinas jacobinas, folclore popular e religioso reformista, adaptadas aos novos tempos. Foi, enfim, um momento único, em que revoluções de fundo político, cultural e industrial se combinaram e se sobrepuseram, de forma que nunca mais a Europa e, conseqüentemente, o resto do planeta, seriam os mesmos.

Revista Aventuras na Historia

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