quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Fascismo, Razão e Consciência, entre o Desejo e a Vontade

por Márcio Casimiro Lopes


Fonte: The Institute for
Counter-Terrorism (http://www.ict.org.il/)


Dentre os grandes estudiosos do Fascismo e suas implicações podemos elencar os membros do Instituto de Pesquisa Social (IPS), criado durante a década de 1920, em meio a um cenário internacional conflituoso. Os estudos sobre o totalitarismo, os Estados totalitários e o Fascismo como ideologia, bem como suas origens psíquicas, econômicas e culturais estão entre os principais temas com os quais dialoga a Teoria Crítica. Entre seus representantes estão nomes como Horkheimer, Adorno, Fromm, Benjamin e Pollock. É nos estudos sobre autoridade e família, ancorados, sobretudo, nas teorias de Karl Marx e Sigmund Freud, organizados por Erich Fromm e Max Horkheimer, que estes últimos irão buscar, nas estruturas de personalidade da classe operária européia, submetida ao capitalismo, as razões pelas quais ela perdeu o papel de potencial agente revolucionário da história que lhe fora historicamente atribuído (FREITAG, 1988). Junto a isso, os membros do IPS, especialmente no interior de uma determinada corrente teórica marxista, como Horkheimer e Adorno, buscarão analisar os componentes psicológicos da ascensão dos fascistas ao poder (BERTONHA, 1995).

A partir de seus estudos sobre História e Psicologia, Horkheimer demonstra sua preocupação em integrar macro e microteoria, sabidamente: a produção capitalista com o indivíduo sexualmente reprimido, mediatizado pela estrutura familiar autoritária (FREITAG, 1988). Nesse contexto, Horkheimer afirmou que não deve falar sobre o Fascismo quem se recusa a falar sobre Capitalismo.

Se a situação de crise do Capitalismo conduz, necessariamente, ao Fascismo, isso significa dizer, então, que o Fascismo é inevitável ante uma situação de crise econômica. Assim, remete-se a uma leitura meramente economicista do Fascismo, desconsiderando-se os seus aspectos sociais e psicológicos. Contrariamente a esse automatismo, o Fascismo apareceria como uma escolha política, sendo ele fruto da vontade, que utiliza um cenário de crise econômica no convencimento das massas sobre a necessidade de se implantar medidas autoritárias. Mas não só como fruto da vontade dos governantes, mas de cada sujeito da “massa”, que aceita tais medidas não como mera imposição, mas como solução e resposta cabível. Ou seja, o Fascismo atua sobre um cenário favorável às suas investidas, mas tendo também a seu favor a disposição das “massas”.

Em resposta à indagação sobre a inevitabilidade da vitória do Fascismo, Dimitrov (1972) fará referência ao Nazismo, dizendo que este poderia ter sido evitado pela classe operária alemã caso esta conseguisse realizar a frente única proletária antifascista. Esta deveria ter obrigado os líderes social-democratas a tomar medidas contrárias ao Fascismo, proibindo sua imprensa, confiscando recursos materiais que o financiavam, detendo seus chefes, apreendendo armas e, dessa maneira, desarticulando o movimento. O Fascismo vencera porque soube seduzir as massas campesinas, penetrar nas fileiras da juventude, atrair intelectuais e a pequena burguesia para seu lado (DIMITROV, 1972; 1978). Assim, podemos interpretar o Fascismo como fruto de uma escolha, tanto da classe proletária que não se impusera, quanto dos social-democratas que não resistiram. No entanto, questionamos a idéia de “sedução das massas” como um reducionismo omisso às vontades dos agentes políticos, ilustrando-os passivamente.

No entanto, segundo essa mesma visão que atribui tão rígidos papéis dentro da estrutural social, Dimitrov coloca o Capital e o Fascismo como inimigos da prática revolucionária quando afirma:

“a vitória do Fascismo depende antes de tudo da actividade combativa da própria classe operária, da união das suas forças num exército combativo único lutando contra a ofensiva do Capital e do Fascismo”. (DIMITROV, 1972. p. 25)

No mesmo sentido, ao falar sobre o caráter de classe do Fascismo, Dimitrov dirá:

“o Fascismo no poder é, como o caracterizou acertadamente a XII assembléia plenária do Comitê Executivo da Internacional Comunista, a aberta ditadura terrorista dos elementos mais reaccionários, mais chauvinistas, mais imperialistas do capital financeiro” [1] (Idem. p. 9)

Então, Dimitrov reconhece, na ação revolucionária do proletariado, o principal modo através do qual se poderia evitar o Fascismo e, assim, essencializa o papel do proletariado e apresenta o Fascismo como mera manifestação dos interesses imperialistas do capital financeiro.

Boris Fausto sintetizará, por sua vez, sua visão sobre a III Internacional dizendo estar ela majoritariamente concentrada:

“na análise econômica e na luta de classes. A partir da concepção leninista do imperialismo, afirmava que, em face do colapso iminente e inelutável do capitalismo, os elementos mais reacionários e mais poderosos do capital financeiro tinham desviado os movimentos de massa nascidos no após-guerra, a fim de manipulá-los a serviço de seus interesses. Em última análise, os dirigentes fascistas e nazistas não passariam de lacaios do grande capital financeiro, um instrumento eficaz da repressão à classe operária organizada e da garantia da manutenção de seus lucros”. (1998. p. 142)

E ainda, Renzo De Felice (1988), em entrevista concedida a Michael Ledeen, quando este pergunta se o Fascismo é ou não uma expressão das classes médias dos países industrializados, responde dizendo ser necessário circunscrever o Fascismo cronologicamente, geograficamente e socialmente. Portanto, o Fascismo diria respeito a um fenômeno do período entre guerras europeu, e cuja base de geração e de afirmação seriam as classes médias.

Segundo De Felice, o Fascismo italiano e o Nazismo alemão são os únicos Fascismos que se pode qualificar como tais, uma vez que considera difícil falar de movimentos que não se realizaram como poder de governo. Fascismo e Nazismo teriam sido os únicos a chegar ao poder em circunstâncias que se poderia definir como de ‘normalidade’, por ‘mérito’ e força própria (DE FELICE, 1988).

Assim, movimentos como o Integralismo brasileiro estariam excluídos do rol de Fascismos. Tanto o Integralismo, como as correntes fascistas portuguesas, espanholas ou austríacas resguardam, cada qual, suas particularidades. E o apoio financeiro da Itália fascista à Ação Integralista Brasileira, por um longo período, parece corroborar com a interpretação do Integralismo como uma expressão do Fascismo, tendo sido este apoio suspenso apenas por razões políticas, uma vez que Getúlio Vargas, à época do Estado Novo, tinha mais prestígio nos círculos fascistas do que Plínio Salgado, representante do movimento integralista. Essa ajuda financeira tivera seu retorno cogitado posteriormente, graças ao embaixador Lojacono[2]. Porém, a crença por parte do governo italiano no fracasso do Integralismo Brasileiro, mesmo como movimento político, levara ao cancelamento definitivo dos apoios em 1938 (BERTONHA, 2001).

Paulo Vizentini (MILMAN & VIZENTINI, 2000), em NeoNazismo, Negacionismo e Extremismo Político, também traçará vínculos entre Capitalismo e Fascismo, quando analisa que o esgotamento crescente da prosperidade dos ‘anos dourados’ do pós-guerra, após a crise do petróleo, sacudiu o mundo inteiro com diversas revoluções ultranacionalistas ou socialistas, que atingiram o Terceiro Mundo, da Nicarágua a Angola, do Irã ao Vietnã.

O Autor citará dois motivos centrais para justificar o emergir fascista. O primeiro, que dirá ser a catapulta, o que efetivamente erigiu os movimentos fascistas foram dois acontecimentos históricos comumente denominados pela historiografia como a “Crise de 1929” e a “Grande Depressão”, ainda que à época destes acontecimentos, o Fascismo italiano já tivesse conquistado o poder, em 1922 (MILMAN & VIZENTINI, 2000).

O segundo motivo, vincular-se-ia mais com uma justificativa ao chauvinismo e ao racismo, este último, sobretudo, na Alemanha. Assim, menciona “a estagnação e a regressão demográfica dos países do Hemisfério Norte” (MILMAN & VIZENTINI, 2000. p. 26), ou seja, a inversão dos fluxos migratórios na década de 70, que passara a ser do sul para o norte, respondendo à busca do Primeiro Mundo por força de trabalho mais barata.

Dessa forma, a situação de crise do capitalismo é posta como momento político mais propício à conquista do poder, quando as “massas” estariam então mais suscetíveis a aceitar e apoiar os movimentos fascistas. Ou, ainda, como para Vizentini (MILMAN & VIZENTINI, 2000), uma condição histórica necessária ao surgimento do Fascismo. Porém, a derivação lógica dessa afirmação mecanicista nem sempre se efetivou, ou seja, nem sempre ou em todos os lugares a crise do capitalismo levou inevitavelmente ao Fascismo, tratando-se de um momento de luta política, de conquista do poder e de realização de projetos políticos.

Segundo Edward Luttwak (1994), o problema central contemporâneo sobre o Fascismo constituir-se ou não como destino comum ao mundo globalizado é “a insegurança econômica pessoal completamente inédita da massa trabalhadora, dos trabalhadores industriais e burocráticos de colarinho branco até os executivos médios” (p. 151). Essa insegurança apresentaria um problema político que nem a direita média nem a esquerda média estariam conseguindo lidar, abrindo um espaço passível de ser ocupado por uma espécie de Fascismo melhorado (LUTTWAK apud. BERTONHA, 1995). Porém, ao atribuir à “insegurança econômica pessoal” um emergir fascista, não estaria o autor reduzindo mais uma vez ao campo econômico as supostas causas do Fascismo? Recaímos, assim, no mesmo problema posto para Vizentini (MILMAN & VIZENTINI, 2000): uma derivação lógica que não seria condizente com o argumento, ou seja, nem sempre e nem em todos os lugares a “insegurança econômica pessoal” foi pretexto para o Fascismo.

Se as interpretações sociológicas apresentadas nos dizem muito quando tentamos compreender as origens do Fascismo, não parecem capazes de dar conta de toda a complexidade desse fenômeno. João Fábio Bertonha (1995), em resposta a Luttwak, afirmou sobre uma abordagem psicológica:

“Ela nos permite ter uma visão de Fascismo que extrapola as visões mecânicas e centradas no econômico, as quais só conseguem ver no Fascismo as contradições do desenvolvimento capitalista ou os equilíbrios da luta de classes dentro da sociedade” (p. 116).

O problema presente nas distintas interpretações parece ser a subsunção do sujeito, tratando-o como massa à disposição de algo superior que a conduz, negando-lhe a participação histórica que lhe é devida, em favor dos grandes acontecimentos econômicos.

As interpretações psicológicas e antropológicas podem contribuir para explicar as origens e o desenvolvimento do Fascismo, porém, da mesma forma, quando a Psicologia se isola nessa tentativa, recai sobre argumentações como as de Wilhelm Reich, na Psicologia de Massa do Fascismo, ao generalizar a repressão sexual vivenciada pelas massas como causa do autoritarismo. Mais uma vez nós nos remetemos à indagação: Por que, então, não se tornaram fascistas todas as pessoas reprimidas sexualmente em outros lugares do mundo? Assim, o potencial crítico da Psicologia parece não resistir sem que ela problematize o indivíduo na sua relação com a totalidade. Da mesma forma, parece estar o potencial crítico das Ciências Sociais atrelado à compreensão do indivíduo, fazendo de ambas: Psicologia e Ciências Sociais, instrumentos que não se superpõem, mas se complementam na compreensão desse fenômeno.

Sob esse prisma, como é possível então interpretar ou explicar o ressurgimento dos movimentos ditos neofascistas ou neonazistas?

Bertonha (1995) colocará o Capitalismo repressor como origem das emoções ditas inconscientes, sejam elas o desejo de fusão no todo, de sublimação da individualidade ou de expressar a violência e a agressividade, mas não se deve excluir a possibilidade de se buscar noutras bases científicas ou noutras épocas, a origem desses sentimentos (BERTONHA, 1995).

Os skinheads, para Bertonha (1995), apresentam-se como jovens perplexos com a falta de perspectivas para o futuro, revoltados com seus pais e desejosos de serem ouvidos, não se constituindo as identidades com as representações do Nazismo senão como fruto daquelas carências, possuindo as convicções ideológicas apenas um grau de importância secundário, servindo apenas como uma capa para encobrir vontades e desejos diversos (BERTONHA, 1995). Não será também um reducionismo psicologizante interpretar esse movimento como derivado das carências humanas? E no mesmo sentido, se fica a revolta dos jovens restrita ao seio familiar, qual seria o papel da sociedade nessa revolta? Talvez esta visão possa estar negligenciando a importância desse papel.

Algumas discussões da sociologia contemporânea trazem em seu bojo noções como as de reconhecimento[3] (cultural, identitário) e redistribuição[4] (material), que parecem bastante apropriadas para lidar com esta discussão. A luta por reconhecimento, a partir da problemática do desejo (KOJÈVE, 1983) pode ser um caminho muito fértil para compreender o ressurgimento desse movimento. A predileção dos neonazistas pelo Nazismo alemão representa a preferência pelo Fascismo que não por acaso mais soube lidar com as paixões e desejos das “massas”, atraindo os neonazistas ao misticismo e à militância fascista (BERTONHA, 1995).

De todo modo, a racionalidade da ciência não consegue dar conta de um lado irracional e místico do Fascismo, explicá-lo racionalmente pode estar além da compreensão formal das formas de vida social e de suas interpretações; mas não é, de modo algum, externo a estas formas, nem externo à historicidade dos processos históricos. O Fascismo não é doença da psique humana e, portanto, não necessita a busca de remédios, mas, certamente guarda nos processos psíquicos inter-relacionados com os processos históricos, econômicos, sociais e culturais grande parte de suas motivações. Não é, também, uma derivação automática das condições sócio-econômicas, mas não encontraria espaço para efetivar-se como regime político sem que estas lhe fossem favoráveis. Não é de todo racional, buscando fôlego no misticismo, no simbolismo e no imaginário social, constituindo-se como projeto de poder e escolha política de apoiados e de seus apoiadores. O Fascismo é consciente e inconsciente; é desejo, mas também é vontade.

Agradecimentos

Pela atenção e tempo dedicado a muitíssimo fértil discussão sobre este trabalho, agradeço enormemente aos amigos Glaydson José da Silva e a Jair Batista da Silva.

Bibliografia

BERTONHA, João Fábio. Entre Mussolini e Plínio Salgado: o Fascismo italiano, o Integralismo e o problema dos descendentes de italianos no Brasil. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 40, p. 85-105, 2001.

_____. Seria o inconsciente humano fascista? Um comentário ao texto de Edward Luttwak. Idéias & Fatos, Cultura Vozes, nº 5, Setembro-Outubro/1995.

BLINKHORN, Martin. Mussolini e a Itália Fascista. Lisboa : Gradiva, 1984.

DE FELICE, Renzo. El Fascismo: Sus Interpretaciones. Buenos Aires : Editorial Paidos, 1976.

______. Entrevista sobre o Fascismo. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1988.

DIMITROV, G. A III Internacional e o Fascismo. Lisboa : Assírio & Alvim, 1972.

_____. A Unidade Operária contra o Fascismo. Belo Horizonte : Aldeia Global, 1978.

FAUSTO, Boris. A interpretação do Nazismo na visão de Norbert Elias. MANA 4(1): 141-152, 1998.

FREITAG, Barbara. A teoria crítica: ontem e hoje. 2a ed. São Paulo : Brasiliense, 1988.

KOJÈVE, Alexandre. “À guisa de introdução” In: BENJAMIN, Walter. et all. Textos escolhidos. São Paulo : Abril Cultural, 1983.

LUTTWAK, Edward. Porque o Fascismo é a onda do futuro. Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, nº 40, p. 145-151, Novembro/1994.

MARX, Karl. O 18 Brumário e Cartas a Kugelman. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1969.

MILMAN, Luis; VIZENTINI, Paulo Fagundes (ORGs). NeoNazismo, negacionismo e extremismo político. Porto Alegre : Editora da Universidade (UFRGS): CORAG, 2000.

PAYNE, Stanley G. ”¿Qué significa el término Fascismo?” In: El Fascismo. Madrid : Alianza Editorial Madrid, 1982.

SHIRER, William L. Diário de Berlim. vol. 1. Rio de Janeiro / São Paulo : Record.


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* Márcio Casimiro Lopes: Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas.

[1] Grifo do próprio autor.

[2] Embaixador da Itália no Brasil à época.

[3] Sobre o conceito de Reconhecimento, interpretado de Hegel, ver HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Tradução de Luiz Repa. São Paulo : Editora 34, 2003.

[4] Sobre o conceito de Redistribuição e o diálogo com Honneth, ver FRASER, Nancy & HONNETH, Axel. Redistribution or Recognition? A Political Philosophical Exchange. Londres : Verso, 2003.

Revista Historia e-Historia

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