domingo, 6 de setembro de 2009

Klu Klux Klan: Cavaleiros das trevas


Klu Klux Klan: Cavaleiros das trevas
Como seis desocupados criaram no século 19 um império do racismo que chegou a se infiltrar na Casa Branca e existe até hoje.
por Texto Marcelo Cabral
Criada para intimidar os negros, a Ku Klux Klan cresceu e ampliou seu alvo: judeus, imigrantes, católicos. Mas como 6 homens vestidos de fantasma puderam espalhar tanto terror? Saiba por que essa encarnação do ódio nunca morre; apenas adormece.

Começou de repente. A calma de Colfax, na Louisiana, foi quebrada pelo som trovejante das armas de fogo. Na manhã de 13 de abril de 1873, uma milícia de 300 homens invadiu a cidadezinha. Todos eram brancos. Muitos estavam vestidos com capuz e túnica igualmente brancos. Logo eles cercaram os defensores da cidade, quase todos negros, dentro do pequeno tribunal local. Alguns dos sitiados tentaram escapar: foram perseguidos e apanhados pelos cães dos invasores. Esses foram os sortudos. Os que finalmente se renderam após a luta foram fuzilados sistematicamente ou jogados vivos aos aligátores dos pântanos da região.

Estima-se que o número de vítimas tenha ficado entre 100 e 300. O Massacre de Colfax oficialmente ocorreu por causa da disputa entre dois candidatos à prefeitura da cidade – um apoiado por brancos e outro por negros. Na verdade, o que transformou uma pequena intriga política em uma tragédia foi o ódio racial. O mesmo ódio responsável pela criação de uma das organizações mais terríveis de todos os tempos: a Ku Klux Klan, culpada pelas mortes em Colfax e por outras centenas de crimes. Ao longo de seus quase 150 anos de existência, a Klan mostrou ser parecida com a ave mitológica fênix, que renascia das próprias cinzas: diversas vezes considerada extinta, ela sempre conseguiu se reerguer com novos nomes, grupos e objetivos. “Esses ciclos sempre começaram em momentos de rápida mudança na sociedade americana”, afirma Michael Newton, autor de The Ku Klux Klan: History, Organization, Language, Influence and Activities of America’s Most Notorious Secret Society (“A Ku Klux Klan: História, Organização, Linguagem, Influência e Atividades da Sociedade Secreta Mais Notória da América”), inédito no Brasil. Segundo ele, as tensões provocadas por mudanças sociais levam à busca de um bode expiatório. “A Klan sempre se aproveitou desse sentimento”, diz. “É fácil culpar os negros ou outras minorias quando se perde o emprego ou sua loja vai à falência. Os nazistas fizeram o mesmo com os judeus, mas a Klan foi criada mais de 50 anos antes.”

Tudo começou com um grupo de amigos entediados. Na véspera do Natal de 1865, 6 colegas resolveram criar um clubinho secreto na cidade de Pulaski, no Tennessee. A idéia era fazer brincadeiras, dar alguns sustos e se divertir com rituais de iniciação – como os trotes aplicados nas universidades. Eles resolveram batizar sua sociedade secreta com a palavra grega kuklos, que significa círculo – no caso, um pequeno círculo de amigos. Como todos tinham ascendência escocesa, também foi acrescentada ao nome a palavra klan, uma referência aos antigos clãs (famílias) da Escócia. Como resultado, a pequena confraria passou a ser designada como Ku Klux Klan. Ela também seria conhecida como KKK, ou simplesmente Klan. Uma das diversões dos rapazes era sair cavalgando à noite, cobertos por lençóis, para assustar os negros da região. Em poucas semanas, a Klan já impedia que os negros se encontrassem nas igrejas e invadia as casas de famílias negras para roubar suas armas. Mais alguns meses e as brincadeiras se transformaram em assassinatos, linchamentos, enforcamentos, estupros, castrações e incêndios criminosos. Nessa altura, a Klan já tinha centenas de membros e se espalhava cada vez mais rápido por todo o sul dos EUA.

Essa explosão de ódio contra os negros se explicava pela situação da região. Os EUA tinham acabado de sair da sangrenta Guerra de Secessão, em que a questão racial foi um dos fatores centrais. Os estados americanos do norte tentaram abolir a escravidão nos estados do sul, cuja economia era basicamente agrícola e dependente da mão-de-obra negra e escrava. Contrariados, os sulistas resolveram se separar do resto do país e formaram a Confederação Americana. O Norte não aceitou a decisão e foi à luta para garantir a unidade do país. A guerra durou de 1861 a 1865 e terminou com a derrota do Sul, que teve sua economia arrasada pelas batalhas e pelo fim da escravidão.

Para muita gente, fazia sentido culpar os negros pela ruína do Sul. “Quando os soldados do exército confederado derrotado voltaram para casa, encontraram a antiga sociedade sulista de pernas para o ar”, diz o historiador Allen W. Trelease, da Universidade da Carolina do Norte. “Muitas das famílias tradicionais estavam arruinadas e seus antigos escravos eram agora seus iguais. A região virou um poço de descontentamento. Os próprios fundadores da Klan eram todos ex-soldados confederados.” Essas condições fizeram com que também surgissem na região outros grupos semelhantes, como os Cavaleiros da Camélia Branca, a Irmandade Branca e a Liga Branca. O que os unia era o fato de seus integrantes serem brancos, sulistas e descontentes.Financiada por fazendeiros e pequenos comerciantes, a Klan começou a crescer.

Estima-se que a organização tenha chegado a reunir cerca de meio milhão de membros, chamados de klansmen, por volta de 1867. Foi aberta uma sede em Nashville e eleito seu primeiro líder oficial, que tinha o título de “grande mago”. O escolhido foi Nathan Bedford Forrest, um famoso ex-general do exército confederado. Mas, na prática, ele tinha pouco controle sobre a organização: a Klan era um amontoado de grupos de radicais espalhados pelos estados do sul. Todos eram clandestinos; não tinham filiação oficial, taxas, jornais ou oradores. No entanto, o grande mago teve um papel fundamental para a Klan – ele definiu um rumo político para a organização.

Após a guerra civil, o Congresso americano criou a chamada Reconstrução, um programa de políticas destinadas a integrar os negros recém-libertos à sociedade sulista. Entre outras medidas, a Reconstrução dava aos negros o direito de votar, freqüentar escolas e portar armas. O objetivo número 1 da Klan era lutar contra a Reconstrução. E também contra seus simpatizantes: o principal era o Partido Republicano (o mesmo do atual presidente americano George W. Bush). Em 1868, a Klan assassinou o congressista republicano James Hinds. Isso teve uma repercussão enorme, e colocou o governo dos EUA contra a Klan.

Em 1869, um júri federal classificou o grupo como “organização terrorista”, e centenas de klansmen foram processados. Foi aprovada uma lei, conhecida como Civil Rights Act (“Ato dos Direitos Civis”) ou Ku Klux Klan Act, para defender os negros.E os crimes raciais passaram a ser julgados em tribunais federais, onde já havia vários juízes negros. Essas medidas resultaram na decadência da Klan a partir de 1872. Mesmo enfraquecido, o grupo ainda era capaz de atrocidades como o Massacre de Colfax – citado no começo desta reportagem. Ainda que a Klan já não fosse capaz de agir em grande escala, ações localizadas como essa eram suficientes para intimidar a população negra. O pavor que o grupo espalhara fez com que muitos negros não aparecessem para votar, permitindo aos democratas manter o controle dos estados do sul. Isso fez com que, em 1876, fossem aprovadas as “leis Jim Crow”: um conjunto de medidas que impunha a segregação racial em ambientes públicos, como escolas, trens e ônibus. Um enorme retrocesso para os direitos humanos. E uma grande vitória para os racistas.

Bombando no cinema

Durante quase meio século, a Ku Klux Klan só existiu como uma lembrança assustadora. Com a maioria dos membros da organização mortos ou muito velhos, parecia que o terror branco não voltaria a assombrar os EUA. Mas dois fatos ocorridos em 1915 fizeram o grupo voltar com tudo. O primeiro foi o lançamento do filme O Nascimento de uma Nação, de D.W. Griffith. Baseado no livro The Clansman, de Thomas Dixon Jr., o filme mostra os membros da Klan como heróis – são nobres cavaleiros que lutam contra bandidos negros. O filme inventou vários mitos em torno do grupo, como o ritual de queima das cruzes (que nunca havia sido realizado pela Klan). Mesmo para os padrões da época, o filme foi considerado extremamente racista. O único problema, por assim dizer, é que ele fez o maior sucesso. O Nascimento de uma Nação foi a produção mais lucrativa de todos os tempos até então. Para divulgar o filme em algumas cidades, atores se vestiam como os membros da Klan e cavalgavam em frente aos cinemas antes da estréia. O filme também foi o primeiro a ser exibido na Casa Branca, onde recebeu elogios do presidente, o democrata Woodrow Wilson.

Aproveitando a “klanmania” gerada pelo filme, o representante comercial William Simmons resolveu recriar a organização. Ele era um espertalhão, que via a chance de obter altos lucros com a possível volta da Klan. E outro fato deu mais força à empreitada: em 1915, o judeu Leo Frank foi condenado pelo estupro e assassinato de uma garota chamada Mary Phagan. Muita gente via semelhanças entre a menina e uma personagem do filme, Flora, que se joga em um abismo para evitar ser estuprada por um negro. Inflamado pelos jornais sensacionalistas, o caso suscitou uma onda de anti-semitismo. Foi criado um grupo chamado Cavaleiros de Mary Phagan, que seqüestrou Frank da cadeia e o linchou. O oportunista Simmons recrutou os Cavaleiros de Mary Phagan para formar a espinha dorsal da nova Klan. Batizado agora de Cavaleiros da Ku Klux Klan, o grupo incorporou todos os rituais mostrados no filme de Griffith, especialmente a queima das cruzes. De início, a KKK não chegou a ser um sucesso estrondoso, se limitando basicamente ao estado da Geórgia e apostando na empolgação com o filme de Griffith. Novamente, foi preciso uma onda de mudanças sociais para que o grupo realmente engrenasse: a 1ª Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, deu o empurrãozinho que faltava.

A guerra deslocou um fluxo enorme de imigrantes europeus para os EUA. Fugindo dos combates e da crise econômica, esses imigrantes tiveram um grande impacto religioso (muitos eram judeus ou católicos), cultural e econômico na sociedade americana. Quando os soldados americanos voltaram, encontraram um país em ebulição, e muitos viram a Klan como uma defesa dos interesses dos “verdadeiros americanos”. A xenofobia do pós-guerra transformou a década de 1920 na era dourada da Ku Klux Klan. E a nova Klan tinha 3 diferenças básicas em relação à antiga: em primeiro lugar, tinha vários inimigos. Além dos negros, era contra os imigrantes, os judeus, os comunistas e outros novos personagens da sociedade americana. Em segundo lugar, ela não era limitada ao sul, mas se espalhava por todo o país. E essa nova versão da Klan era mais presente nas grandes do que nas pequenas cidades, que tinham menor concentração de negros e estrangeiros. O novo grupo também era muito bem organizado. Com quartel-general em Atlanta (conhecida como a “cidade imperial”), era uma entidade registrada legalmente, que pagava impostos e tinha reconhecimento jurídico. Só os métodos continuavam iguais: intimidação, assassinato, tortura e linchamento.

O grupo cresceu rapidamente até se tornar a maior organização do país, com mais membros do que o Exército e o governo federal. Em seu auge, por volta de 1924, os Cavaleiros da Ku Klux Klan reuniam mais de 5 milhões de membros, equivalente a cerca de 10% de toda a população urbana americana da época. Em alguns estados, o percentual de membros atingia 40% da população total. O sucesso do grupo foi tanto que chegou até mesmo a ultrapassar as fronteiras americanas, com a criação de uma “filial” no Canadá. Em comum, essa vasta gama de membros compartilhava o fato de que sua esmagadora maioria pertencia ao segmento social conhecido como wasp, sigla em inglês das iniciais de branco, anglo-saxão e protestante. “O conceito wasp está intimamente ligado à segunda encarnação da Klan”, afirma o escritor Michael Newton. “O grupo levava esse conceito de modo radical: era branco, contra os negros; anglo-saxão, contra os imigrantes; e protestante, contra os católicos e os judeus”, completa. Além de conduzir perseguições raciais, a Klan também tentava impor regras morais. Tornaram-se comuns as batidas do grupo em bordéis, atrás de “mulheres imorais” e de homossexuais. O grupo também divulgava listas em que constavam os nomes de jovens que eram pegos fazendo sexo dentro de carros. E no Alabama uma mulher divorciada foi seqüestrada, despida, amarrada em uma árvore e chicoteada.

Apesar de se considerar um movimento não político, a Klan logo passou a ter uma forte influência nos governos de diversos estados, como Alabama, Texas, Oklahoma, Indiana, Oregon e Maine, além de representantes dentro do Congresso. O escritor Wyn Craig Wade, autor de The Fiery Cross (“A Cruz Ardente”, inédito no Brasil), afirma que a Klan teria tido entre seus membros 11 governadores e 16 senadores nos anos 20. Até mesmo alguns presidentes americanos chegaram a flertar com a organização (veja quadro na página ao lado). Em seu auge, o grupo atingiu tamanha força política que tentou indicar seu próprio representante para concorrer à Casa Branca nas eleições presidenciais de 1924. Na convenção do Partido Democrata, em Nova York, a Klan apoiava o candidato William McAdoo contra Al Smith, que era católico. Os klansmen tentaram de tudo para fazer prevalecer sua indicação: marcharam, queimaram cruzes, fizeram o diabo a quatro. O impasse só foi resolvido quando ambos os candidatos retiraram suas indicações e escolheram o moderado John Davis como nome de consenso. O episódio, que se tornou conhecido como Klanbake, teve péssima repercussão para os democratas. Davis acabou derrotado pelo republicano Calvin Coolidge.

Superman versus KKK

A era dourada da Klan começou a esmaecer no final dos anos 20. O desgaste na imagem veio tanto das seguidas ações violentas do grupo quanto da desmoralização de seus líderes. O caso mais notório foi protagonizado por David Stephenson, chefe da Klan em Indiana, preso por estuprar e assassinar uma professora. Durante o julgamento, surgiram detalhes sórdidos. Stephenson feriu sua vítima de tal modo que ela “parecia ter sido atacada por lobos”, segundo os legistas. Também ficou evidente a ligação de Stephenson e de parte da cúpula da Klan com um grande esquema de corrupção que envolvia o governador de Indiana e o prefeito de Indianápolis, ambos apoiadores do grupo. Com vasta cobertura dos jornais, o caso gerou uma péssima publicidade para a Klan e fez cair de modo drástico o número de sócios. Os 5 milhões de membros de 1924 acabaram se reduzindo para cerca de 30 mil por volta de 1930. Com a chegada da 2ª Guerra, o prestígio do grupo caiu ainda mais. Embora a cúpula da Klan apoiasse oficialmente a guerra contra o “invasor amarelo” japonês, eram evidentes as ligações entre as doutrinas do grupo e do nazismo. Mas o golpe final contra a segunda encarnação da Ku Klux Klan viria de dentro. Os responsáveis seriam Stetson Kennedy, escritor e ativista dos direitos humanos, e... o Superman. Isso mesmo, o herói do planeta Krypton teve participação fundamental na queda do grupo. A história começou assim: Stetson Kennedy tinha uma profunda aversão pela Klan desde que sua ama-de-leite negra, Flo, havia sido assassinada pelo grupo por dirigir a palavra a um condutor de bonde que lhe dera o troco errado. Em 1944, ele decidiu se infiltrar na Klan. Procurou uma taverna na qual os membros da organização se reuniam, ganhou a confiança deles e em pouco tempo já era aceito como sócio. Rapidamente, Kennedy aprendeu todos os códigos, palavras secretas e rituais da Klan. Ele começou a vazar essas informações para os produtores do programa de rádio do Superman. O resultado foi uma série de 4 episódios onde o personagem enfrenta e vence os mascarados da Klan. A desmoralização foi total. Ao ter seus segredos revelados e ainda ser derrotada pelo Superman, a organização perdeu muito de sua aura de terror: durante algum tempo, passou a ser objeto de toda sorte de ridicularização. Com a evasão de associados, a Klan não conseguiu dinheiro para pagar seus impostos. Isso foi fatal. A falta de pagamento deu finalmente ao governo uma chance, e ele aproveitou: os Cavaleiros da Ku Klux Klan tiveram decretada sua falência e foram obrigados a fechar as portas no final de 1944.

Em 1981, um grupo que se intitulava Cavaleiros Brancos da Ku Klux Klan planejou uma operação incrivelmente ousada: eles queriam invadir a Dominica, uma pequena nação situada numa ilhota do Caribe. Os líderes do grupo se uniram ao antigo primeiro-ministro local Patrick John. A idéia era levar um barco cheio de armas e munição até a costa da ilha e entregar a carga a um grupo de rebeldes sob o comando de John. Em troca da ajuda, a ilha seria transformada em uma nação branca nacionalista, na linha do apartheid na África do Sul. A pequena força policial da ilha fazia com que o plano, aparentemente maluco, tivesse chances reais de sucesso. O FBI, que vinha monitorando a operação, resolveu intervir: em abril de 1981, prendeu no porto de Nova Orleans os membros do grupo, que já estavam carregando o navio com as armas.

Recentemente, um relatório divulgado pela Liga Antidifamação, organização que monitora grupos radicais em território americano, praticamente decretou o fim da Klan. “Aquela que já foi a organização terrorista mais importante do país é hoje uma coleção amorfa e fragmentada de grupos e indivíduos.” De fato, existem nos EUA entre 100 e 150 grupos que se denominam herdeiros da Klan. Nenhum deles tem ligação direta com a organização original ou com o poderoso grupo dos anos 1920: como o termo Ku Klux Klan é de domínio público, qualquer grupo pode usá-lo. Hoje as principais atividades são a distribuição de panfletos, marchas de protesto e alguns encontros anuais. O dinheiro é pouco, e até os líderes máximos dos grupos precisam ter empregos normais para conseguir sustento. E a famosa influência política virou pó: o único congressista americano com ligações conhecidas com a Klan é o senador Robert Byrd, que foi membro do grupo há quase 50 anos. Ele diz que “se arrepende profundamente”. Alguns dos principais grupos hoje são o Klans Imperiais da América, o Cavaleiros Americanos da Ku Klux Klan e o Cavaleiros da Camélia Branca da KKK. Eles têm forte inclinação cristã fundamentalista e acreditam em uma conspiração judaica para dominar o mundo. Outras facções tentam tornar sua imagem mais aceitável ao criar eufemismos para suas crenças. Falam mais da “glória de sua herança branca” do que no ódio por outras raças. O mais famoso deles é o Partido dos Cavaleiros, que se define como “racialista”.

A diferença é sutil, mas importante. Enquanto o racismo prega a superioridade de uma raça sobre outra, o racialismo diz que elas são iguais, mas devem viver separadas.O conceito de racialismo, aliás, é responsável por um dos fatos mais bizarros dessa história toda: os supremacistas negros que apóiam grupos inspirados na Ku Klux Klan. Segundo a lógica deles, apoiar a Klan é dar força ao movimento racialista – e com isso fortalecer a idéia de separação entre as raças. Marcos Garvey, um dos primeiros líderes do movimento negro do mundo, convidou membros da Klan para falarem em manifestações.

Robert L. Brock, um líder negro anti-semita, doa dinheiro ao Partido dos Cavaleiros e já chegou até a vestir a roupa branca da Klan. “O fato de esse tipo de tese ter seguidores é sinal de que as tensões raciais e sociais continuam fortes na sociedade americana”, diz o historiador Allen Trelease. “Assim, nunca se pode descartar completamente o risco do ressurgimento de um grupo como a Klan”, completa. O escritor Michael Newton tem uma opinião parecida. “Há temas, como a imigração mexicana, com potencial para despertar problemas similares aos que fizeram a Klan renascer na década de 1920”. Quando se fala na Ku Klux Klan, nunca se pode dizer que a ameaça chegou ao fim.

Ódio racial no Brasil

Além dos EUA, a KKK fincou raízes em alguns outros países, como Inglaterra, Alemanha, Canadá e África do Sul. Já no Brasil, o grupo nunca foi muito bem-sucedido. O que existe no país é um grupo (estima-se que sejam menos de 10 pessoas) chamado Klans Imperiais do Brasil, ramificação da organização americana Klans Imperiais da América. Ele foi praticamente desmantelado em 2003, quando a Polícia Federal prendeu o líder da organização (ao contrário dos EUA, no Brasil é crime divulgar conteúdo racista) e tirou o site da organização do ar. No entanto, a operação brasileira da Klan sempre foi pequena quando comparada aos demais grupos de ultradireita que existem hoje no país. Os mais próximos das motivações da Klan são os diversos grupos skinheads (cabeças raspadas) espalhados pelo Brasil. A maior parte deles é composta de neonazistas que abraçam o conceito do white power (“poder branco”), ou seja, a superioridade dos brancos sobre as demais raças. São totalmente contra negros, nordestinos e homossexuais.

Racistas na Casa Branca
Embora o grupo não tenha conseguido eleger abertamente um membro, pode ter exercido forte influência sobre pelo menos 3 presidentes dos EUA
1. Warren Harding (Republicano, 1921 a 1923)

Foi acusado pelo ativista político Stetson Kennedy, que se infiltrou na Klan, de ter se filiado à organização em 1923, em cerimônia realizada na própria Casa Branca.

2. Woodrow Wilson (Democrata, 1913 a 1921)

Retomou a segregação racial no governo federal, que havia sido abolida em 1865. E escreveu um livro em que chama a Klan de “venerável império do sul”.

3. Harry Truman (Democrata, 1945 a 1953)

Em 1924, foi aconselhado a entrar para a Klan (então uma poderosa aliada dos democratas). Chegou a pagar a inscrição, mas ninguém sabe se realmente se filiou.


A nova Klan
É o pesadelo de muita gente, mas já existe até um programa de governo. Um dos grupos atuais que se inspiram na Klan, o Partido dos Cavaleiros, se define como um movimento político e elaborou uma lista de medidas a ser implantadas caso o grupo chegue ao poder. Confira as principais propostas:

• Incentivo financeiro para a repatriação de estrangeiros ao pais natal.

• Internação obrigatória em hospitais de todos os infectados pelo vírus HIV.

• Criação de uma lei proibindo a prática do homossexualismo.

• Aprovação de medidas que incentivem a posse de pelo menos uma arma por cidadão.

• Proibição da entrada de mulheres na Polícia e nas Forças Armadas.

• Fim do ensino da Teoria da Evolução nas escolas.

• Uso de tropas do exército para impedir a entrada de imigrantes no país.

• Proibição da compra de empresas e propriedades americanas por estrangeiros.

• Abolição do aborto.

• Fim de todas as cotas para negros em universidades e para mulheres em cargos públicos.

• Fechamento das agências que monitoram o abuso de crianças pelos pais.

• Término de todos os programas americanos de ajuda humanitária ao exterior.

• Retirada dos EUA das Nações Unidas.


Para saber mais
The Ku Klux Klan: History, Organization, Language, Influence and Activities of America’s Most Notorious Secret Society

Michael Newton, McFarlan & Company, 2006.

The Fiery Cross: The Ku Klux Klan in America

Wyn Craig Wade, Oxford University Press, EUA, 1998.

Behind the Mask of Chivalry: The Making of the Second Ku Klux Klan

Nancy K. MacLean, Oxford University Press, EUA, 1995.

Revista Superinteressante

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