quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Futebol integra a nação


Leonardo Affonso de Miranda Pereira

Paris, 1938. Depois de três partidas, uma seleção brasileira chegava pela primeira vez às quartas-de-final de uma Copa do Mundo. Representado por um time que misturava refinados jogadores brancos com atletas negros de família pobre como Leônidas da Silva e Domingos da Guia, o Brasil parecia ter finalmente em campo uma equipe que espelhava a verdadeira face da nação. À força e à disciplina que caracterizavam a prática do jogo na Europa juntava-se a ginga e a malandragem vistas por muitos como características naturais dos afro-descendentes. Para o jornalista Mário Filho, que poucos anos depois escreveria a principal obra sobre a história do futebol no país, resultava de tal mistura o nascimento de um jeito brasileiro de jogar. De jogo inglês, do qual os brasileiros apareciam como meros aprendizes, o futebol transformava-se em esporte nacional, no qual seriam os mestres supremos. Desde o final da década de 1910, quando um time composto por cariocas e paulistas conquistou pela primeira vez um t­tulo sul-americano, as disputas futebolísticas internacionais já eram capazes de juntar, em uma mesma torcida, os mais diversos grupos.

Tal identidade mostrava, porém, ser insufuciente para dissipar as tensões e desigualdades obscurecidas pela torcida. Enquanto vibravam com as primeiras seleções nacionais, formadas exclusivamente por jogadores brancos e ricos, torcedores de outras origens sociais lutavam pela sua inclusão na imagem da nação definida através do jogo. Em 1921, no governo de Epitácio Pessoa, era proibido a presença negra nos selecionados nacionais. Luiz Antonio - irmão de Domingos da Guia jamais pôde representar o Brasil nos campos, apesar de suas qualidades técnicas.

Por mais que Mário Filho tentasse em 1938 fazer do selecionado nacional a imagem acabada de uma nação harmônica e integrada, na esteira das teorias raciais desenvolvidas no período por Gilberto Freyre o amplo sentimento cristalizado naquele momento marcava apenas mais uma etapa de um longo processo. Ao conquistar um lugar negado anos antes ao seu irmão, Domingos testemunhava um movimento que ia fazendo do futebol um dos espaços privilegiados de efetivação de disputas entre diferentes parcelas da sociedade.

Leonardo Affonso de Miranda Pereira é pesquisador do Centro de Pesquisa em História Social da Cultura-UNICAMP e autor de Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938), Nova Fronteira.

JB 500 anos

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