Como pode ser o Brasil amanhã
Não custa sonhar com um país onde haja justiça social, redistribuição de renda e boa política habitacional e educacional
LEANDRO KONDER
Antonio Gramsci observou, com argúcia, que a previsão é sempre determinada pela posição do sujeito diante do presente: o que a gente prevê tem a ver com o que a gente quer que aconteça a partir de agora, em função do que nos inspira medo ou suscita desejo na hora em que formulamos a previsão.
Minha previsão para os próximos 500 anos, então, é - assumidamente - uma reação em face da situação criada no Brasil pelos que fizeram a história nos cinco últimos séculos.
Prevejo que vai ser realizada uma reforma agrária, graças à persistência e à combatividade do Movimento dos Sem Terra. Em decorrência da vitória do MST, grandes órgãos da imprensa conservadora farão pungentes autocríticas. Uma revista intitulada Olhe publicará na capa uma imagem de Cristo e a súplica: "Perdoai-nos, Pai, por não termos enxergado (nem combatido) a injustiça".
Os gramáticos denunciarão o uso faccioso de palavras que ajudavam a reprimir movimentos de trabalhadores em geral. Lembrarão que, na antiga Roma, os pobres podiam suplicar migalhas aos ricos (em latim: rogare). Porém não podiam reivindicar (em latim: arrogare), porque quem reivindicava era considerado arrogante.
Após a realização da reforma agrária, Sua Excelência o ministro da Agricultura, João Pedro Stédile, homenageará os sociólogos que contribuíram para esclarecer a opinião pública. E dará uma medalha ao cientista Fernando Henrique Cardoso, que nos anos 60 escreveu que a burguesia industrial brasileira , "não assumindo as responsabilidades políticas de classe dominante", tornou-se em parte "instrumento de dominação política dos grupos tradicionais".
O mesmo Cardoso sustentou também, na mesma época, que as reações dos proprietários às reivindicações da reforma agrária assumiam "um caráter explosivo que não parecem possuir por si mesmas". Por que isso acontecia? O sociólogo explicava que as reivindicações de reforma agrária equivaliam "a desnudar as contradições do sistema político-social vigente". A medalha não poderá ser entregue ao homenageado porque ele estará internado numa clínica, totalmente desmemoriado.
Outra reforma que surpreenderá os brasileiros será a reforma fiscal. As cadeias ficarão cheias de milionários que sonegavam o pagamento do imposto de renda. Todas as imagens de propaganda dos bancos serão obrigatoriamente acompanhadas dos dizeres: "O Ministério da Saúde adverte: o banco pode ser muito prejudicial à saúde do seu patrimônio".
Uma política habitacional enérgica e resoluta multiplicará o número de habitações populares dignas e acabará com as favelas. No Congresso, haverá um terço de legisladores negros e mais da metade da Câmara dos Deputados estará ocupada por mulheres.
A polícia brasileira ganhará um prêmio internacional por sua civilidade e boa educação no trato com a população humilde. O Ministro da Justiça, Luiz Eduardo Soares, mandará fazerem uma grande festa comemorativa, que será filmada pelo cineasta João Moreira Salles.
O Ministério da Educação anunciará que nenhuma criança está excluída do sistema de creches e de escolas públicas, todas absolutamente gratuitas e de excelente qualidade. Para poderem subsistir, as escolas particulares proporcionarão programas inovadores e cursos direcionados para setores especiais da sociedade. Serão aumentadas as verbas para a pesquisa nas boas universidades.
Uma eficiente rede de distribuição em escala nacional permitirá um aumento considerável na produção editorial e os brasileiros, já então grandes usuários de computadores e assíduos freqüentadores de teatro e cinema, tornar-se-ão também grandes leitores de livros. Em comemoração pelo êxito da sua política, a ministra da Cultura, Maria da Conceição Tavares, desfilará no carnaval, mostrando que é boa de samba no pé.
Por fim, uma das novidades do início da nova fase da nossa história, será proporcionada pela expansão do humor. Multidões sequiosas disputarão as criações cômicas dos humoristas profissionais, voluntários, como o grupo Casseta & Planeta, mas também vão se divertir muito com a comicidade amadorística, involuntária, dos próceres políticos conservadores. O grande sucesso do próximo século - prevejo - vai ser o hilariante desempenho do ministro Weffort como juiz num campeonato de cuspe à distância.
Leandro Konder é professor de Filosofia da Puc-Rio
JB 500 anos
me gusto mucho el texto de tu post...no escribo tu Idioma
ResponderExcluirabrazos
Marina buen domingo