sexta-feira, 17 de julho de 2009

Impressão digital: assinatura do crime


Impressão digital: assinatura do crime
Sua descoberta revolucionou os métodos de investigação policial no século 19. Culpado ou inocente? A partir de então, a resposta estava na ponta dos dedos
Alessandro Greco
Em junho de 2001, Timothy James McVeigh foi executado em Indiana, nos Estados Unidos, com uma injeção na perna. Uma mistura de tiopentato de sódio, bromo e cloreto de potássio matou o jovem de 33 anos. Esse foi o desfecho de uma das investigações criminais mais famosas daquele país nos últimos anos. McVeigh e seu amigo Terry Nichols foram condenados (Nichols pegou prisão perpétua) pela explosão de uma bomba num prédio do governo em Oklahoma City, em 1995. O atentado matou 168 pessoas.

Durante o julgamento de McVeigh, em 1997, além dos depoimentos de pessoas que diziam tê-lo visto planejando o crime, ou que testemunharam seu ódio contra as instituições americanas, apenas duas evidências físicas foram apresentadas. Duas impressões digitais. Uma num recipiente contendo nitrato de amônia – a mesma substância utilizada na fabricação da bomba – encontrado em sua casa e outra deixada na caminhoneta que explodiu na frente do prédio em Oklahoma.

Hoje, essas simples marcas dos dedos, capazes de condenar um homem à morte, parecem comum, banais até – não há uma criança no mundo que não reconheça a imagem de uma impressão digital. Mas num tempo em que microscópios eram raros, as fotografias estavam dando seus primeiros passos e os exames de sangue ainda eram pouco confiáveis, identificar uma pessoa, ou seja diferenciar um indivíduo de todos os demais podia ser um desafio enorme. “Até o século 19, provar que uma pessoa não era outra era um processo complexo, demorado e que, muitas vezes, apresentava resultados equivocados”, diz Simon Cole, autor de Suspect Identities (Identidades Suspeitas, inédito em português). Naturalmente, se o caso fosse diferenciar um sujeito honesto de um criminoso, tudo era ainda mais complicado.

Na verdade, identificar um sujeito, diferenciá-lo de todos os demais é um desafio até certo ponto moderno. Da Antigüidade até a Idade Média, definir quem era quem não era tão importante. Os papéis sociais eram bem definidos e praticamente imutáveis desde o nascimento. Fulano era nobre, ou filho de nobre. Sicrano era escravo, ou filho de escravo. E quem saía da linha? Quem cometia delitos? Era bandido, ou filho de bandido. “Na Idade Média, por exemplo, os condenados eram marcados com ferro e carregavam essa cicatriz, literalmente, para sempre”, afirma Cole.

Do ponto de vista filosófico foi primeiro o Renascimento, no século 16, e depois o Iluminismo, no 18, que despertaram no homem a idéia de que ele era único, exclusivo. E, por fim, foi a ciência e as teorias naturalistas do século 19, como a genética e a teoria da evolução das espécies e a eugenia, que se dispuseram a dar conta do desafio de dizer, afinal, o que há num homem que só ele tem.

O primeiro desses métodos naturais de identificação a ser utilizado em investigações criminais foi a antropometria. Um nome complicado para um método muito mais complicado ainda. O método criado pelo antropólogo francês Alphonse Bertillon funcionava assim. Dos criminosos fichados eram tiradas diversas medidas. Por exemplo, media-se da ponta do polegar à ponta do dedo mínimo, a distância entre os olhos, o comprimento dos braços e pernas. Esse conjunto de medidas era somado, dividido, multiplicado, numa equação cujo resultado era um número. E esse seria o número do indivíduo, por meio do qual ele seria reconhecível mesmo que deixasse a barba crescer, ou tingisse o cabelo. Suas medidas não mudariam, portanto seu número de identificação também não. “O método não era preciso. Os erros ocorriam na medição ou no cálculo”, afirma Cole.

Desafio moderno

A partir da metade do século 19, técnicas alternativas de identificação pessoal foram ganhando espaço entre os investigadores criminais. Entre elas, uma ficaria para a história: a impressão digital. A marca das mãos e dos dedos já eram utilizadas como uma espécie de assinatura principalmente nas colônias do então vasto Império britânico. Em 1858, o administrador inglês William Herschel fazia com que seus empregados locais “assinassem” contratos com a marca de suas mãos molhadas em tinta. Em 1877, o microscopista americano Thomas Taylor, que trabalhava no departamento de agricultura dos Estados Unidos, sugeriu, pela primeira vez, que os traços das mãos fossem utilizados para identificar criminosos. Sua idéia foi publicada no American Journal of Microscopy and Popular Science, mas não obteve grande repercussão. Foi apenas em 1880 que o médico britânico Henry Faulds apresentou oficialmente um método de identificar as pessoas por meio das marcas existentes nos dedos. Publicada na revista científica inglesa Nature, o estudo de Faulds é considerado o marco inicial da técnica de datiloscopia.

Radicado no Japão, Faulds começou a se interessar pelas impressões digitais por acaso. Observando cerâmicas antigas em um museu de Tóquio, ele percebeu marcas de dedos que ficaram impressas na superfície do pote durante milhares de anos. Comparando com as marcas deixadas pelos seus próprios dedos, Faulds percebeu que elas eram diferentes. Parecidas no conjunto, mas muito particulares nos detalhes. Enviou então suas conclusões ao famoso biólogo britânico Charles Darwin. Já velhinho e doente, o pai da teoria da evolução das espécies enviou a pesquisa de Faulds para seu primo, o também cientista Francis Galton. “Foi ele quem tornou a análise das impressões uma ciência, desde que percebeu que o padrão das digitais de uma pessoa se mantinha inalterado durante toda a vida. Além disso, Galton classificou as linhas das pontas dos dedos em três tipos básicos: arcos, laços e espirais, num sistema cujos princípios perduram até hoje”, afirma Cole. Mas o mais importante das pesquisas de Galton foi a conclusão de que os traços das impressões digitais possuíam características únicas em cada indivíduo, as chamadas minúcias, que jamais se repetiam em outra pessoa.

Faltava só definir quantas dessas minúcias seriam suficientes para identificar uma digital. Em 1911, o advogado criminalista francês Edmond Locard propôs que 12 minúcias coincidentes bastavam. Hoje, cada país adota um número diferente de pontos para a identificação positiva.

Elementar, meu caro Watson

Mas a maior contribuição das impressões digitais para as investigações criminais é que, como no exemplo de McVeigh lá no início do texto, as marcas dos dedos são deixadas pelos criminosos descuidados no local do crime. Ou seja, passou a ser possível identificar o criminoso mesmo antes de ele ser preso: a impressão digital é a assinatura do criminoso. “Afinal, a antropometria, mesmo com suas limitações até era capaz de garantir que João era João e José era José. Mas era uma ferramenta inútil para dizer se João ou José eram criminosos”, diz Cole.

Essa realmente era uma novidade, tanto que, em 1901, o pesquisador inglês Edward Henry criou o departamento de identificação por impressão digital da Scotland Yard, a polícia inglesa que ficou famosa, entre outras coisas, por contar com os préstimos do fictício Sherlock Holmes, personagem de Arthur Conan Doyle que, não por acaso, andava para cima e para baixo com uma lente de aumento. Foi a primeira iniciativa de se fazer um banco de dados com as impressões digitais de criminosos para serem comparadas com as marcas deixadas nos locais de crimes. Os investigadores da Scotland Yard (incluindo Sherlock) perceberam que era inevitável que os criminosos deixassem suas marcas. A gordura natural da pele humana faz com que o mais breve contato com uma superfície lisa deixe sua marca. “A partir daí, todo criminoso que se preze passou a usar luvas”, afirma Cole.

Em mais de um século de uso, o método obteve sucessos históricos, mas também cometeu erros grotescos (veja quadro na página 44). Desde a descoberta, evoluiu muito e, hoje, diversas polícias no mundo usam um Sistema Automatizado Integrado de Identificação de Impressão Digital (IAFIS, sigla em inglês). Nos Estados Unidos, o FBI – uma espécie de polícia federal dos americanos – tem um banco digital com mais de 46 milhões de impressões digitais de pessoas que cometeram crimes. Em agosto do ano passado, o governo brasileiro pôs em funcionamento a versão nacional do IAFIS. Nele estão sendo cadastrados as impressões digitais de pessoas com ficha criminal e o sistema está interligando as superintendências da Polícia Federal em todos os Estados, criando um banco de dados único, que torna possível a busca online de suspeitos. A cada dia, fica mais perigoso botar a mão onde não se deve.

Atualmente, a estrela no mundo da identificação de criminosos é o teste de DNA. Mas, embora pouca gente saiba disso, o método não é infalível. Em junho de 2004, Tyrone Cooper foi preso por um estupro ocorrido na cidade de Grands Rapids, nos Estados Unidos. Testes compararam seu DNA com o do sêmen encontrado na vítima. Bingo! Era ele. Tyrone jurou inocência, mas foi em cana. Meses depois, outro homem foi preso na região e seus exames de DNA também o apontaram como o estuprador no caso de Tyrone. Embora ele se apresentasse com outro nome, o homem era Jerome Cooper, irmão gêmeo de Tyrone. Como irmãos gêmeos têm o mesmo código de DNA, a única solução seria a velha impressão digital que, mesmo nos gêmeos, é diferente. Os investigadores americanos voltaram a campo, tentando encontrar uma impressão no local do crime. E o caso continua sem solução até agora.



Dedurados
A identificação de criminosos pela impressão digital ajuda a chegar aos culpados, mas não é infalível
A malvada

Nome: Francisca Rojas

Acusação: Homicídio

Sexo: Feminino

Data: 29/jun/1892

A primeira identificação criminal pela impressão digital aconteceu na Argentina. Corria, então, o ano de 1892. Na pequena cidade costeira de Necochea, província de Buenos Aires, um homicídio brutal alvoroçou os moradores. Duas crianças haviam sido assassinadas. Entre os principais suspeitos, estavam a mãe das vítimas, Francisca Rojas, e seu amante, um sujeito conhecido como Velazquez. Para resolver o caso, o chefe de polícia Juan Vucetich comparou uma impressão digital encontrada no local do crime com as impressões digitais dos possíveis assassinos. Surpresa: Francisca tinha matado seus filhos. Como o uso da impressão digital em investigações ainda era uma novidade, Vucetich resolveu não levar a prova para o tribunal. Poderia não ser levado a sério. Mas ele foi astuto. Usou a carta na manga para pressionar Francisca a confessar o crime. Deu certo.

Quem matou JFK?

Nome: Lee Harvey Oswald

Acusação: Homicídio

Sexo: Masculino

Data: 22/nov/1963

Há controvérsias. Nem a impressão digital do principal acusado no rifle que matou John Fitzgerald Kennedy resolveu o caso – ou satisfez a opinião pública. Até hoje pairam dúvidas sobre quem seria o autor do crime ocorrido na manhã de 22 de novembro de 1963 na cidade de Dallas, nos Estados Unidos. O suspeito número 1, Lee Harvey Oswald, foi preso no mesmo dia do assassinato e morto dois dias depois pelo dono do clube de strip-tease Carrousell Club, Jack Ruby, um homem ligado à máfia. As teorias conspiratórias, então, explodiram. Como Oswald morreu, nunca será possível confirmar quem realmente matou o presidente americano. Em 1994, o jornalista americano Gerald Posner lançou o livro "Case Closed" (Caso Concluído, inédito no Brasil), que aponta Oswald como o único responsável pela morte do presidente.

Confusão dos diabos

Nome: Shirley Mckie

Acusação: Perjúrio

Sexo: Feminino

Data: 22/fev/1997

Em fevereiro de 1997, a policial escocesa Constable Shirley McKie passou de investigadora a investigada. Como? É uma longa história. No julgamento de David Asbury, acusado de matar Marion Ross na cidade de Kilmarnock, ela disse que a impressão digital encontrada na cena do crime não era dela, apesar de seus colegas afirmarem o contrário. Alguns meses depois, Mckie acabou presa por perjúrio. Uma análise do Escritório de Dados Criminais Escocês (SCRO, sigla em inglês) concluiu que ela estava mentindo. Em junho de 2000, o caso virou. O Ministro da Justiça Jim Wallace pediu desculpas públicas à investigadora, dizendo que a tal impressão digital, de fato, não era dela. Em maio de 2002, mais uma prova a favor da policial: 171 especialistas de 18 países declararam em conjunto que a SCRO errou na identificação da impressão digital de McKie. Dispensada da corporação em 1999, ela luta na justiça para ser indenizada.

Falha nossa

Nome: Brandon Mayfield

Acusação: Terrorismo

Sexo: Masculino

Data: 06/mai/2004

Em março de 2004, Madri viveu dias de terror. Atentados à bomba mataram 191 pessoas e feriram mais de mil. A polícia espanhola encontrou impressões digitais nas sacolas plásticas usadas para transportar os detonadores e enviou o material para o FBI analisar. Em uma busca no seu banco de dados, a polícia americana concluiu: o advogado Brandon Mayfield era o autor da barbárie. O advogado ficou 14 dias presos e foi libertado por falta de provas. Convertido ao islamismo, Mayfield criticou duramente as autoridades ao ser solto, afirmando ter sido preso por causa de sua opção religiosa. O FBI admitiu que a impressão digital não era mesmo de Mayfield, culpando os computadores da instituição pelo erro. Em um gesto raro, pediu desculpas públicas a Mayfield e prometeu rever as práticas de identificação por impressão digital.


Os traços da identidade
Na complexa trama de linhas, os detalhes formam a impressão digital
A impressão digital é fruto do nosso código genético e se forma no útero materno com a movimentação do feto. Composta por uma série de traços na superfície dos dedos, mantém-se inalterada por toda a vida. Apesar da infinita variação dos traços, pode ser classificada em três tipos: arcos, laços e espirais. E, em cada pessoa, mesmo nos gêmeos, tem características únicas e intransferíveis, as chamadas minúcias. Quando um certo número dessas minúcias é encontrado na comparação entre duas impressões digitais, os especialistas dizem que houve identificação positiva. Não há, no entanto, um número mínimo de minúcias aceito mundialmente para a identificação positiva. Um número bastante usado é o de 12 minúcias coincidentes. Só que diferentes países adotam diferentes normas.

1 - Terminação

Traço que termina abruptamente

2 - Bifurcação

Traço que se divide em dois outros traços

3 - Lago

Divide-se em dois e depois une-se novamente

4 - Ponte

Traço que sai de um traço e termina em outro

5 - Ponto

Traço com a mesma largura e comprimento

6 - Ramificação

Um traço curto que sai de um mais longo

7 - Traço curto

Percorre um pequeno caminho e termina


Saiba mais
Livros

Suspect Identities, Simon Cole, Harvard University Press, 2002 - O livro aborda a história das impressões digitais e os erros contidos no seu uso para identificação de criminosos

Fingerprints: The Origins of Crime Dectection and the Murder Case That Launched Forensic Science, Colin Beavan, Hyperion, 2002 - Traz a história dos pioneiros no uso das digitais como meio de identificação de criminosos

Sites

www.onin/fp - Site com as novidades da área. Tem também erros históricos na identificação por impressão digital

www.seafo.org/home.html - Site da associação de peritos do sul da Califórnia com as perguntas mais freqüentes sobre impressões digitais


DNA no crime
Em 1983, em Narborough, na Inglaterra, Lynda Mann foi estuprada e morta perto de sua casa. Uma amostra de sêmen mostrou que o "monstro" tinha uma enzima presente em 10% dos homens. Sem mais pistas, arquivou-se o caso. Em 1987, Dawn Ashcroft foi morta da mesma maneira. A polícia prendeu Richard Buckland e pediu ao médico Alec Jefreys, da Universidade de Leicester, que usasse a comparação de DNA, recém-desenvolvida por ele, para confirmar a suspeita. Inocente, Buckland tornou-se o primeiro libertado pelo DNA. As autoridades decidiram, então, coletar sangue de todos os homens de Narborough. Foram 5 mil amostras, mas o assassino não estava entre os submetidos ao teste. Em 1988, uma mulher ouviu Ian Kelly dizer que deu seu sangue no lugar do padeiro Colin Pitchfork. Mais um teste e Pitchfork tornou-se o primeiro condenado pelo DNA. Já no caso O.J. Simpson, o exame de DNA não foi aceito como prova do assassinato de sua mulher, Nicole Brown Simpson, e seu amante, Ronald Goldman. Segundo a defesa, as amostras de sangue da cena do crime tinham sido alteradas pela manipulação. Após 133 dias de julgamento, os jurados deram o veredito: inocente. Mesmo depois deste caso, que desqualificou o teste, o FBI mantém um banco de dados com o perfil de DNA de mais de 2 milhões de criminosos nos Estados Unidos.


Revista Aventuras na Historia

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