sexta-feira, 19 de junho de 2009

AS RELAÇÕES LUXEMBURGO-BRASILEIRAS


Galba Di Mambro 1
RESUMO: O texto aborda a imigração luxemburguêsa no Brasil e as relações diplomáticas e econômicas entre os dois países até a criação da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, em 1921.

PALAVRAS-CHAVE: Relações internacionais: Luxemburgo e Brasil; Luxemburgo: relações com o Brasil.

ABSTRACT: This article approaches Luxembourg immigration to Brazil and the diplomatic and economic relations between the two countries until the foundation of Companhia Siderurgica Belgo-Mineira in 1920.


INTRODUÇÃO

Luxemburgo é um pequeno país, em população e extensão territorial, mas, de destaque econômico e financeiro, internacionalmente. Tem fronteiras com a Bélgica, França e Alemanha, países com os quais teve vínculos históricos estreitos, desde seu surgimento em 963, quando Sigefroid, conde das Ardenas transferiu sua residência para um castelo situado onde atualmente está a cidade de Luxemburgo. Mas, somente em 1839, pelo Tratado de Londres, o Grão-Ducado de Luxemburgo obteve sua plena automia como país. Em 1921, Bélgica e Luxemburgo assinaram um tratado que instituía uma união econômica ampla. Em 1944, ambos associaram-se à Holanda criando uma comunidade denominada BENELUX, que evoluiu para a atual Comunidade Européia.
As relações do Grão-Ducado de Luxemburgo com o Brasil, anteriormente à criação da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira e da União Econômica Belgo-Luxemburguêsa, nos inícios da década de 1920, foram muito restritas, quase insignificantes. No entanto, justifica-se estudá-las, por ter sido o capital luxembuguês, na verdade, o principal componente do grupo estrangeiro que criou a Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, em 1922, a maior siderúrgica brasileira, até a criação da Companhia Siderúrgica Nacional. A Belgo-Mineira poderia ser chamada, de fato, Luxemburgo-Mineira, pois era controlada pela ARBED (Aciéries de Burbach-Eich-Dudelange) uma importante siderúrgica luxemburguêsa. Apesar da presença de imigrantes luxemburguêses no Brasil ser numericamente pequena, tornou-se economicamente importante após a criação da Belgo Mineira.
Sendo assim, estas notas de pesquisa são parte de uma pesquisa maior sobre as origens da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira. Seu propósito principal é de situar as origens desta empresa, muito mais do que aprofundar o estudo sobre as relações entre Luxemburgo e Brasil. Apesar disto, as fontes sobre as relações entre os dois países são escassas, não tendo sido encontrado nenhum trabalho histórico específico sobre este tema, o que não permite seu tratamento de forma mais detalhada..

IMIGRAÇÃO LUXEMBURGUÊSA NO BRASIL

O primeiro luxemburguês a vir ao Brasil foi o jesuita Philippe Bettendorf, em 1659. Aquí viveu até sua morte, em 1697, tendo escrito um catecismo em português. Até 1828, outros luxemburguêses não vieram ao Brasil. A política imperial brasileira encontrou muitos luxemburguêses de estímulo à imigração, divulgada no Grão Ducado de Luxemburgo dispostos a se aventurarem no empreendimento. Eram estimulados pelas promessas do governo imperial e, especialmente, pela propaganda dos recrutadores europeus, continuada mesmo após as autoridades brasileiras terem encerrado a admissão de candidatos à imigração. Os obstáculos e tentativas de esclarecimentos sobre os riscos da emigração para o Brasil, por parte das autoridades luxemburguêsas, não demoveram um grande número de interessados em emigrar para o Brasil. As condições de vida em Luxemburgo eram adversas às pessoas pobres, vivendo em terrível miséria, e até mesmo aos pequenos proprietários.
A população luxemburguêsa foi dominada por uma febre de emigração nos anos de 1827 e 1828. Neste ano, 2.500 luxemburguêses partiram para o Brasil, em uma experiência fracassada pelo desamparo por parte do governo brasileiro e pela falta de recursos próprios por parte dos emigrantes. Os que puderam retornaram ao seu país.

ASPECTOS DIPLOMÁTICOS

A representação diplomática de Luxemburgo, no século XIX e início do século XX, foi restrita e subordinada à Holanda, devido à união pessoal das duas coroas até 1890. À partir de então, a corte Grão-Ducal passou a residir em Luxemburgo, permanentemente, onde, então, os governos estrangeiros passaram, também, a creditar seus ministros plenipotenciários, embora nem todos residissem na cidade de Luxemburgo. Nos países onde o Grão-Ducado não tinha representação diplomática própria, esta ficava ao encargo do Ministro holandês.
Durante o regime monárquico e o início da República, o governo brasileiro não manteve relações diplomáticas com o Grão-Ducado de Luxemburgo. A representação se fazia junto à corte dos Países Baixos que, por sua vez, tinha representação oficial no Rio de Janeiro.
Em 1899, Palm, Cônsul Geral dos Países Baixos no Rio de Janeiro, sugeriu ao governo brasileiro a criação de um consulado brasileiro em Luxemburgo. Esta era uma idéia pessoal do Cônsul. O governo Grão-Ducal não o havia encorajado. O chefe do governo luxemburguês, Paul Eyschen, opôs-se à sugestão. Considerava-a inoportuna do ponto de vista dos interesses comerciais e econômicos do Grão Ducado.
O governo republicano brasileiro considerava, naquela ocasião, que a representação dos interesses luxemburguêses no Brasil não poderiam ficar a cargo do cônsul holandês. A posição brasileira fundamentava-se em duas razões. O Grão-Duque de Luxemburgo não havia comunicado sua ascensão ao trono ao governo brasileiro. O governo luxemburguês não havia reconhecido a República brasileira. Toda esta situação veio à luz a partir da sugestão apresentada pelo Cônsul Geral da Holanda de criar um consulado brasileiro em Luxemburgo.
O governo holandês tinha uma visão diferente da situação. O reconhecimento da República brasileira por parte do governo da Holanda era válido também para o governo luxemburguês. O Grão-Duque havia comunicado ao Imperador D. Pedro II sua ascensão ao trono como uma cortesia pessoal. Nenhum país fora do continente europeu havia recebido tal comunicação, exetuando os Estados Unidos e o Estado Livre de Orange, na África do Sul. Portanto, não havia, na abstenção de Luxemburgo, uma intenção contrária ao governo republicano do Brasil.
As relações diretas entre os governos de Luxemburgo e Brasil tiveram que esperar até o ano de 1911. O governo brasileiro, neste ano, desejando estabelecer relações oficiais com o Grão-Ducado, acreditou Eduardo Lisboa, Ministro do Brasil em Haia, como Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto a Luxemburgo, com esta finalidade. As intenções brasileiras foram aprovadas por parte de Luxemburgo e a partir de então iniciaram-se as gestões oficiais para o estabelecimento das relações diplomáticas diretas entre os dois países.


ASPECTOS ECONÔMICOS

O capital luxemburguês, insuficiente para atender às necessidades de investimento na siderurgia nacional, teve que associar-se ao capital estrangeiro, especialmente alemão, francês e belga. Não dispunha de força própria para uma expansão autônoma no exterior, que fosse realmente significativa, sem associar-se ao capital externo.
No final do século XIX e início do século XX, um luxemburguês de nome Charles Bettendorf, interessou-se pelo Brasil. Adquiriu propriedades em Ouro Preto e direitos de mineração que cedeu à Sociedade Anônima de Minas de Manganês de Ouro Preto, constituída em 30 de março de 1899, com sede em Antuérpia. A sociedade foi constituída para explorar o patrimônio cedido por Bettendorf. O luxemburguês recebeu 4 mil das 6 mil ações da nova companhia e teve assento no Conselho de Administração. Mas a sociedade foi administrada por representantes do capital belga, associado ao empreendimento. A companhia de Ouro Preto resultou em fracasso. Muitos anos depois, no início dos anos 20, veio a participar da criação da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira.
Os industriais alemães, associados aos luxemburguêses, estiveram interessados nos recursos naturais brasileiro, no início do século. Pouco antes da criação da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, o que se deu em 1921, a Deutsche Luxemburgische Bergwerke adquiriu minas de ferro em uma localidade denominada “Córrego do Rio”.
A criação da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira foi liderada pelo capital luxemburguês, representado pela ARBED (Aciéries de Burbach-Eich-Dudelange). Na realidade, a Belgo-Mineira era muito mais luxemburguêsa que belga. A rigor deveria ser chamada de Luxemburgo-Mineira. Entretanto, o nome "belga" foi usado como um artifício, pois as relações diplomáticas entre Belgica e Brasil eram excelentes e a imagem da Bélgica tinha muito boa aceitação no Brasil.

CONCLUSÃO

A expansão luxemburguêsa no Brasil pode tomar impulso apenas com a criação da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, em 1921. A partir de então, um grande número de engenheiros e técnicos luxemburguêses vieram para o Brasil. A maior parte desse pessoal foi trabalhar na Belgo-Mineira. Com esta companhia, as relações econômicas entre Luxemburgo e Brasil se estreitaram.
Atualmente, através da Belgo-Mineira, o capital luxemburguês ampliou sua atuação no Brasil, embora o número de imigrantes ainda seja pequeno em relação a outros povos.

1 Mestre em História pela UFF; Professor do Departamento de História da UFJF; Diretor do Arquivo Histórico da UFJF.
2 Sobre a história de Luxemburgo, ver: WEBER, P. Histoire du Grand-Duché de Luxembourg 4. ed. Bruxelles, 1949. ALS, G. Luxembourg, historic, geographic and economic profile. Luxembourg, 1978. CALMÈS, A. Histoire Contemporaine du Grand-Duché de Luxembourg. Luxembourg, 1971.
3 Infelizmente não foi possível descobrir os locais para onde emigraram.
4 SPRUNCK, A. L`émigration des luxengurgeois en Amérique Méridionale dans la première moitié du 19e. siècle. Amis de l`Histoire. Luxembourg, v. 2, n. 5, pag. 13 e passim. CALMÈS, A. Naissance et débuts du Grand_Duché, 1814-1830. In: ---. Histoire Contemporaine ..., op. cit., v. 1, p. 273-276.
5 WHERER, A. L`évolution constitutionelle et administrative. In: LUXEMBOURG. Commissariat Général du Gouvernement Grand-Ducal à l`Exposition Universelle e Internationale de Bruxeles. Le Grand-Duché de Luxembourg... Luxembourg, 1935, p. 20.
6 O nome completo do Cônsul não consta da fonte indicada na nota 7, a seguir.
7 Archives de l`Etat de Grand-Duché de Luxembourg, AGD, "dossier" 415, EYSCHEN, Paul. Ministro de Estado e Presidente do Governo de Luxemburgo ao Grão-Duque. Luxembourg, 11/09/1899.
8 AGD. LISBOA, E. ao Ministro do Exterior da Grão-Ducado de Luxemburgo. La Haye, 29/031911. 3106.
9 Récueil des Actes des Sociétés. Bruxelles, 1899, 2. trim., p. 417-419 e 425. Récueil Financier. Bruxelles, 1900/1901, p. 577. FALLON, Albéric, Encarregado de Negócios da Bélgica no Brasil a Favereau, Ministro do Exterior da Bélgica. Rio de Janeiro, 30/09/1899 e 25111901. Archives du Ministère des Affaires Étrangères de Belgique. (AMAEB), "dossier" 2806-V. CHOMÉ, F. Arbed un demi-siècle d`histoire industriellle, 1911-1964. Luxembourg, 1972, p. 82.
10 Bulletin de Documentation Economique. Bruxelles, n. 136, p. 1313, 6 oct. 1920
11 A fundação da Belgo-Mineira será objeto de outro trabalho, para não alongar demasiado estas notas de pesquisa. Sobre a Companhia Siderúrgica Mineira, que antecedeu a Belgo-Mineira, comprada por um grupo lideradopelo capital luxemburguês, ver: DI MAMBRO, Galba Ribeiro. Companhia Siderúrgica Mineira (1917-1921). Locus, v. 5, n. 1, p. 85-111, 1999.
12 HESS, J. L` émigration Luxembourgeoise. In: Le Luxembourg; livre du centenaire. 2. ed., 1949, p. 637. SPRUNCK, A., op. cit., p. 5 e 38.

Revista de História do Brasil - UFJF

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