terça-feira, 26 de maio de 2009

Os ‘best-sellers’ do século XIX

No fim do século, era grande a quantidade de obras populares que recebiam um tratamento editorial destinado a dinamizar seu consumo
Alessandra El Far

Os editores brasileiros de fins do século XIX podiam dizer de boca cheia: “Não vale hoje a desculpa de que não se pode ler porque o livro é caro!” (Gazeta da Tarde, 22/6/1896). O uso de novas tecnologias de impressão desenvolvidas no continente europeu permitiu que nossos livreiros se tornassem editores. Deixaram de revender exemplares vindos da França e de Portugal para confeccionar, eles próprios, uma variedade de títulos e gêneros literários. E o exemplar barato − de capa brochada e feito com papel de baixa qualidade − recebeu especial atenção. Era preciso conquistar essa vasta e heterogênea população assalariada e alfabetizada, em especial no Rio de Janeiro, que, com o fim da escravidão e com a chegada da mão-de-obra imigrante, crescia a olhos vistos.

Na esperança de conquistar consumidores, não faltavam nos grandes jornais frases de impacto e reclames que anunciavam uma imensa variedade de romances, poesias, enredos infantis, manuais e almanaques capazes de agradar a todos gostos e bolsos. O proprietário da Livraria do Povo, ao divulgar uma nova obra, recomendava sua história “a todas as classes sociais, desde a mais alta até a mais baixa, que gostarem de ler, que apreciarem um bom romance”. Tratava-se, na sua opinião, de “um romance popular, escrito para o povo, sem distinção”. O objetivo do livreiro era extrapolar as fronteiras econômicas e sociais − que antes limitavam a compra de livros a grupos específicos da sociedade − e expandir seu comércio. Para além de um público definido, as obras populares eram aquelas que recebiam um tratamento editorial interessado em baixar seu custo de produção para dinamizar seu consumo.

Na busca por leitores, os editores faziam de tudo para tornar o livro atraente e prazeroso: convidavam artistas renomados da grande imprensa para ilustrar a narrativa, encomendavam capas coloridas, lançavam mão de recursos gráficos com a intenção de facilitar o exercício da leitura e − como não poderia deixar de ser − escolhiam a dedo o texto a ser publicado. Como diria o escritor Adolfo Caminha em seu livro Cartas literárias (1895), os editores daquele tempo preferiam “ao estilo, à arte, um bom enredo, uma história de sangue cheia de mistérios, comovente, arrebatadora!”. Afinal, era disso que o povo gostava.

Foi essa nova dinâmica do mercado livreiro carioca que trouxe à tona um gênero literário de grande sucesso: as “narrativas de sensação”. Como o próprio nome anuncia, eram histórias singulares, que despertavam no leitor emoções pouco experimentadas na previsível rotina do cotidiano. Logo nas primeiras páginas, as personagens se viam obrigadas a mergulhar numa sucessão de acontecimentos dramáticos, inesperados e, muitas vezes, bastante sanguinolentos. Por meio de uma escrita direta e vertiginosa, os leitores se prendiam facilmente a esse estilo narrativo repleto de lágrimas, intrigas, assassinatos, reviravoltas e declarações de amor. Numa época que os editores costumavam publicar somente 1000 exemplares de uma obra, temendo que seus exemplares encalhassem nas estantes das livrarias, Elzira, a morta viva − como várias outras narrativas de sensação dessa época, tais como Maria, a desgraçada, Mãe e mártir, Fruto de um crime, Casamento e mortalha − conseguiu, sem sombra de dúvida, um destino bem mais promissor: virou um best-seller. Provavelmente, o sucesso dessas “narrativas de sensação” decorria da habilidade do escritor em conduzir a imaginação do leitor por emoções intrinsecamente relacionadas aos seus anseios e dilemas cotidianos, ora rompendo, ora reforçando os firmes laços e costumes sociais da época.


Mesmo distante do nosso acervo literário atual, podemos reconhecer certa continuidade desse tipo de narrativa, tão corriqueira no século XIX, naquilo que assistimos atualmente nos noticiários diários ou nas telenovelas. Essas histórias “sensacionalistas”, como dizemos atualmente, narram os efeitos contrários e inesperados do que até então parecia previsto, regrado ou calculado, possuindo, desta maneira, o poder de nos fascinar pela exibição de um ilimitado campo de acontecimentos extraordinários e surpreendentes.

Outro gênero literário de grande sucesso naquele período era formado pelos chamados “romances para homens”, com seus relacionamentos proibidos, corpos desejosos e prazeres consumados. Os enredos que recebiam tal subtítulo deveriam ser proibidos às mulheres, pois as leitoras corriam o risco de abandonar as convenções sociais para sair em busca de emoções e afetividades afastadas de sua realidade. Já os homens, por serem capazes de discernir o mundo da ficção do cotidiano das regras e dos bons costumes − na opinião dos médicos e juristas da época −, podiam ter acesso irrestrito a essas leituras. Não foram poucos os alertas aos pais e maridos sobre os perigos das leituras pornográficas para a imaginação feminina. O que não fariam “as mulheres de cérebro fraco entregando-se desordenadamente à leitura de romances de um erotismo perfumado e traiçoeiro?”, perguntava um advogado da época em uma de suas principais obras.

Os enredos dos “romances para homens” exploravam diferentes temas e gostos. Não foram poucos os governadores, reis e representantes da vida pública que serviram de inspiração aos autores desses livros. Com uma boa dose de bom humor e bastante malícia, eles escreveram, escondidos sob pseudônimos, obras como Cartas pornográficas de D. Pedro I, Carta de Napoleão à sua querida e Os amores secretos de Pio IX ou os escândalos praticados atrás dos reposteiros do Vaticano. Era comum padres e freiras aparecerem como exímios sedutores e donos de uma sexualidade insaciável. Dois dos títulos de maior repercussão daquele período − Serões do convento e Memórias de frei Saturnino − deleitaram os leitores narrando as fantasias e orgias de religiosos no interior de claustros e conventos. Mas era a temática da mulher − fosse ela adúltera, virgem, devassa ou pertencente às elegantes rodas da prostituição − que compunha a grande maioria desses exemplares à venda. Os inúmeros títulos existentes indicam a predileção dos leitores por essas histórias: Clarita, Beatriz, Alva, Branca, Miss Mary, Eva, Os prazeres de Rosália, As sete noites de Lucrécia, Suzana e as suas proezas!, Gabriela ou uma cortesã dos tempos coloniais, Celestina ou a adúltera na noite do casamento e Júlia de Milo, perfil de uma mulher desonesta.

A princípio, eram livros trazidos de Portugal. Por isso, muitos apresentavam em seus enredos temas clássicos do Iluminismo europeu, como a crítica a instituições políticas, religiosas e sociais e as inúmeras aventuras de mulheres livre-pensadoras, que ignoravam os laços familiares para viver com grande intensidade emocional suas fantasias e seus desejos sexuais. Somente quando a produção editorial brasileira ganhou maior independência é que os chamados “romances para homens” começaram a receber cores e cenários mais ajustados aos anseios e expectativas locais. Neste sentido, a larga produção de romances naturalistas teve um papel importante. Os escritores dessa escola literária, preocupados em revelar tipos psicológicos autênticos, fatos escandalosos e comportamentos considerados desviantes pela medicina da época, deram especial atenção aos encontros eróticos, às descrições detalhadas do corpo feminino e às cópulas que problematizavam as “fraquezas e as tentações da carne”. A crítica nem sempre aceitou de bom grado os “abusos literários” cometidos, e em nome das “belas-letras”, relegou muitas dessas obras ao rol de livros pornográficos. Já os leitores, atentos às polêmicas de última hora, consumiam de modo frenético os títulos escandalosos anunciados na imprensa diária, quase sempre seguidos de frases de efeito, como: “leitura escaldante!”, “romance de fogo”, “à maneira de Zola”, o fundador da escola naturalista francesa.


Entre os grandes sucessos estavam A Carne (1888), do famoso filólogo Júlio Ribeiro, e O aborto (1893), do ainda jovem escritor Figueiredo Pimentel. Ambos venderam milhares de exemplares em poucas semanas − fato surpreendente até mesmo para os dias de hoje, em que poucas vezes se consegue esgotar uma edição de três mil exemplares. Nos jornais daquele tempo, o editor de O aborto gabava-se de “no curto prazo de quinze dias”, “caso nunca visto !!!”, ter vendido cinco mil exemplares. Cifras que nas semanas seguintes subiram ainda mais.

Neste início do século XXI, esses títulos e gêneros literários podem nos parecer estranhos ou até mesmo divertidos, mas foram eles os principais responsáveis pela expansão e dinamização do mercado editorial brasileiro, tornando o livro um objeto cultural acessível e cotidiano. Graças a esses enredos, as últimas décadas do século XIX mudaram a concepção do que seria um bom livro. Saía de cena o livro de escrita sofisticada e encadernação luxuosa. O que os editores buscavam era o livro que agradasse ao grande público e alcançasse sucessivas edições em poucas semanas. Em outras palavras, o melhor livro era aquele que mais vendia.

ALESSANDRA EL FAR É DOUTORA EM ANTROPOLOGIA SOCIAL PELA USP E AUTORA DE PÁGINAS DE SENSAÇÃO. LITERATURA POPULAR E PORNOGRÁFICA NO RIO DE JANEIRO (1870-1924). SÃO PAULO: COMPANHIA DAS LETRAS, 2004.

Revista de Historia da Biblioteca Nacional

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