sábado, 11 de abril de 2009

Primeira Guerra Mundial - Poucos, sem preparo e desarmados

Longe da modernização mundial dos exércitos, o Brasil participou da guerra como pôde. Ou seja: quase nada
Adler Homero de Castro

O Brasil é um país pacífico? Tendo em vista os vários conflitos internos que ocorreram aqui, a resposta seria não. Ao longo dos seus 186 anos de história independente, porém, o país jamais tomou a iniciativa de declarar guerra ofensiva a nenhuma nação, participando de conflitos externos somente depois de ser atacado. O resultado disso é que o Exército nunca esteve pronto para uma grande batalha.

O início do século XX testemunhava grandes modificações na forma de se travar uma guerra. As crescentes transformações tecnológicas decorrentes da Revolução Industrial permitiam que se fardasse, alimentasse e armasse imensas quantidades de soldados. Esse fator levou ao surgimento de exércitos feitos de massas de milhões de homens. Todos os anos eram lançados novos encouraçados – o mais poderoso dos navios da época, cada um custando o equivalente a cerca de um bilhão de dólares de hoje. A isto se somavam enormes gastos com aviões, metralhadoras e muitos outros equipamentos. Todas as potências agiam rapidamente, para não ficarem atrás na corrida armamentista.

A situação se repetia na América do Sul. Movidos pelo espírito do nacionalismo, os países do continente se preparavam para conflitos entre si. A Argentina, tradicional rival militar do Brasil, havia aprovado uma lei de recrutamento militar obrigatório em 1901 e se preparava para a mobilização em caso de guerra. Apesar de ter um exército pequeno, cerca de 20 mil homens, comparados aos 780 mil da França ou os 870 mil da Alemanha, o país encomendou 400 mil fuzis, que se juntaram aos seus 1.522 canhões modernos. Entrou também na disputa naval, concorrendo com o Brasil e o Chile na compra de encouraçados.

Os militares brasileiros tentaram acompanhar as mudanças que ocorriam. O barão do Rio Branco (1845-1912), ministro das Relações Exteriores, foi um dos defensores da política de modernização e reforma militar. Ela se baseava na idéia de que a importância dos países no cenário internacional era medida pela capacidade de defender seus interesses diante de outras potências. Em 1903, navios europeus haviam bloqueado a Venezuela para obrigá-la a pagar dívidas, e forças alemãs chegaram a bombardear uma cidade daquele país. Dois anos depois, um navio de guerra alemão desembarcou soldados em Santa Catarina, numa afronta à soberania nacional. Por essas e outras, considerava-se que somente com Exército e Marinha fortes poderíamos proteger nossos interesses contra as grandes potências e, principalmente, contra a Argentina.

Sob a presidência de Hermes da Fonseca (1910-1914), o país chegou a investir na aquisição de armamentos e equipamentos de guerra mais modernos, obtendo resultados razoáveis. Comprou-se toda uma frota, com dois encouraçados, dois cruzadores leves e dez contratorpedeiros, uma imensa quantidade de fuzis, metralhadoras e 212 canhões. Mas as dificuldades econômicas impediram o governo de dar seguimento ao programa naval lançado em 1910, e o Brasil teve que cancelar a compra de um terceiro encouraçado.

A intenção de criar um Exército de massas, no estilo europeu, esbarrou em outro problema: boa parte dos armamentos encomendados não chegou ao Brasil, pois estava na Europa quando estourou a guerra. E mesmo os canhões adquiridos não podiam ser utilizados – faltavam aparelhos de pontaria nos fortes do Rio de Janeiro, também retidos na Europa. No caso das metralhadoras, mais um golpe de azar: toda uma partida delas teve que ser devolvida para a Dinamarca por defeito de fabricação, e com a guerra, também não foram mandadas de volta para o Brasil. Tudo isso deixou o Exército em situação ruim, incapaz de mobilizar massas de tropas. Havia no país menos de 100 metralhadoras, enquanto na Alemanha, em 1917, eram nada menos do que 15 mil.
Mas a escassez de armas não era tudo. O governo havia incentivado a criação de clubes de tiro, a apresentação de voluntários temporários, e em 1908 chegou a aprovar a obrigatoriedade do treinamento militar para alunos de ensino médio e superior. No mesmo decreto, previa-se a adoção do recrutamento obrigatório. No entanto, a medida, indispensável para a formação de reservas, não seria efetivamente adotada. Faltava força política para implantar um sistema de recrutamento obrigatório.

Com o início da Primeira Guerra Mundial, não só foi interrompida a entrega do material bélico, mas também foi dificultada a compra de peças de reposição, munições, matéria-prima e combustível. O fato de a economia nacional ser centrada em apenas um produto, o café, não ajudava. O produto não era considerado essencial ao esforço de guerra dos países envolvidos no conflito, o que reduzia as rendas do governo brasileiro.

Não era possível suprir as Forças Armadas apenas com material produzido no Brasil. A indústria nacional ainda era muito incipiente e as fábricas estatais eram incapazes de atender até mesmo às demandas militares usuais. O arsenal do Exército tinha máquinas de fazer granadas, mas não tinha matéria-prima: foi preciso recorrer a um estoque de velhas moedas de cobre da Casa da Moeda para fabricá-las. O mesmo tipo de improviso ocorria no arsenal de Marinha: quando foi necessário reparar navios alemães apreendidos que haviam sido sabotados por seus tripulantes, entraram em ação as oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil para substituir as peças destruídas.

Do ponto de vista da organização, muito ainda precisava ser feito. O Exército estava disperso: no Rio Grande do Sul havia batalhões separados por mais de 500 quilômetros. Os próprios oficiais careciam de treinamento. Alguns fizeram estágios na Europa e deveriam repassar aos colegas o que haviam aprendido, mas seu número era muito reduzido. Novidades tecnológicas surgidas no conflito – como a aviação de combate, o uso de telecomunicações e de veículos blindados – eram praticamente desconhecidas aqui.
Em 1917, com o afundamento dos navios brasileiros, o clamor popular exigia a reação contra os agressores. As Forças Armadas precisavam ser mobilizadas, até porque os aliados de fato necessitavam de mais soldados na Europa. Mas numa guerra em que morriam dezenas de milhares de homens em um dia, o pequeno exército nacional não faria muita diferença. Além disso, não era recomendável mover as tropas e deixar o sul do país desguarnecido contra um possível ataque argentino. Diante deste dilema, o que fazer? O governo resolveu apoiar as operações no que era possível. Navios alemães apresados foram repassados à França, um hospital militar, com 92 médicos, foi enviado a Paris e marinheiros foram contratados para trabalhar em navios de guerra e mercantes aliados. Também foram enviados oficiais para estagiar junto às forças combatentes e assim aprender a nova forma de fazer guerra.

O apoio mais importante foi o envio de uma pequena força naval, a Divisão Naval em Operações de Guerra (Dnog), para operar na costa africana. Pode parecer pouco – eram apenas seis navios de combate e dois auxiliares –, mas a frota cobriria um importante setor naval e supriria a falta de navios de escolta das forças aliadas. As frotas brasileira e japonesa seriam de fundamental importância para as estratégias militares, liberando embarcações para operarem em áreas de maior risco.



Pelo menos a guerra serviu para que as resistências internas ao recrutamento obrigatório fossem vencidas, e o sistema foi implantado de forma definitiva em 1916. A medida levou para o Exército membros de toda a sociedade e ajudou a formação de reservas, provocando grandes mudanças na instituição – o serviço militar deixou de ser visto apenas como uma forma de punição para os mais pobres, os únicos obrigados a servir, em condições atrozes, e passou a ser considerado um dever cívico, a que todos tinham que se sujeitar pelo bem público.

O conflito mundial tornou evidente a necessidade de se investir na modernização do Brasil, para mudar aquele quadro de precariedade e fragilidade militar. Era importante aperfeiçoar e adequar as Forças Armadas aos novos equipamentos e, principalmente, criar uma infra-estrutura que permitisse a mobilização rápida e eficiente das tropas. Mas para isso seria preciso mudar a economia do Brasil, diminuindo sua extrema dependência em relação ao exterior. As estruturas políticas arcaicas, como o voto não-secreto, consideradas responsáveis pelo atraso da nação, deviam ser renovadas. Em busca dessas mudanças e com o objetivo de criar um novo país, jovens oficiais de menor patente, os tenentes, se rebelariam e pegariam em armas, desafiando o poder central durante toda a década de 1920.

Sob o impacto da Grande Guerra, o Exército estava decidido a se transformar. E, para isso, pretendia transformar o Brasil.

ADLER HOMERO FONSECA DE CASTRO É HISTORIADOR, CO-AUTOR DOS LIVROS ARMAS, FERRAMENTAS DA PAZ E DA GUERRA E ARQUITETURA MILITAR: UM PANORAMA HISTÓRICO A PARTIR DO PORTO DE SANTOS, E CONSELHEIRO-CURADOR DO MUSEU MILITAR CONDE DE LINHARES.

No ‘front’ da saúde

Dos oito milhões de homens recrutados pelo exército francês, cinco milhões e meio foram mortos ou feridos. Na falta de pessoal e equipamentos para auxiliar os aliados, o Brasil decidiu contribuir para o esforço de guerra com outro tipo de ajuda, também fundamental: a medicina. Em julho de 1918 foi criada uma Missão Médica Militar para instalar um hospital de 500 leitos na França. Embora chefiada por oficiais, a equipe era formada principalmente por civis, inclusive estudantes. Soldados serviram de enfermeiros e guardas.

A Missão chegou no fim de setembro, quando já grassava a epidemia de gripe espanhola: quatro médicos morreram após contágio em Dakar. Seguindo para Paris, lá abriram o Hôpital Brésilien, e alguns foram tratar de civis. Em Nice, Olímpio Chagas trabalhou com feridos por gases, Mário Kroeff foi designado para cuidar de prisioneiros alemães em Tours-sur-Loire e Pedro de Carvalho substituiu o diretor do hospital em Nantes.

Os médicos pouco trabalharam com feridos de guerra. A gripe era o grande problema e concentrou as atividades durante a estada na Europa. Em 1919, o hospital brasileiro foi doado à Faculdade de Medicina de Paris.

Saiba Mais - Bibliografia:

BEATTIE, Peter M. The Tribute of Blood: army, honor, race, and nation in Brazil, 1864-1945. Durban: Duke University press, 2001.
CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik. Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
COELHO, Edmundo Campos. Em busca de identidade: o Exército e a Política na Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1976.
MCCANN, Frank D. Soldados da Pátria. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Saiba Mais - Site:

www.grandesguerras.com.br

Revista de Historia da Biblioteca Nacional

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