segunda-feira, 23 de março de 2009

Império Otomano - Intrigas e complôs no harém real


Longe de ser mera curiosidade, o serralho constituiu um dos principais fatores da decadência do Império Otomano. A conspiração era prato diário, mobilizando esposas, favoritas, concubinas e eunucos.
por Yves Bomati
Em 1922, destituído do título de sultão, Mehmet VI exilou-se na Grã-Bretanha - fora banido por Mustafá Kemal, o Atatürk, futuro presidente da nascente República turca. O Império Otomano assistia a seus últimos dias. Abolido o sultanato, o velho mundo desabava. O impressionante harém da residência real de Dolmabahçe - herdeira de Topkapi - não tinha mais razão de ser.

As mulheres reclusas o abandonaram. As portas pesadas por instantes abertas para os jardins luxuriantes e as fontes cristalinas, os pórticos elegantes onde ainda se agitavam musselinas e brocados fecharam-se para sempre, engolindo em seus labirintos inúmeras fantasias ocidentais. O Oriente perdia seu tempero. A esfuziante Istambul, de quem Ancara tinha acabado de arrebatar o título de capital, passou a existir apenas na memória. O harém tornou-se museu, despojado de seus ornamentos vivos: as mulheres. Um modo de vida desaparecia, e, com ele, uma instituição freqüentemente incompreendida no Ocidente: o harém.

O harém otomano era um lugar à parte, proibido e discreto - a palavra árabe haram significa "o que é resguardado, sagrado" -, destinado a canalizar os desejos do sultão por meio do fornecimento incessante de virgens estrangeiras. Como o império era regido segundo o princípio da primogenitura masculina, o futuro dinástico estava assegurado. Além disso, o concubinato do sultão com suas escravas extinguia a ambição das grandes famílias turcas, desejosas de alcançar o poder supremo, ao mesmo tempo que garantia ao Império um continuador do sexo masculino retirado de um "viveiro" de herdeiros potenciais.

Na noite de 28 de maio de 1453, ao se apoderar de Bizâncio, o sultão Mehmed II, que havia subido ao trono havia dois anos (governou de 1444 a 1446 e de 1451 a 1481), fez triunfar a civilização muçulmana. Uma de suas primeiras providências foi transformar em mesquita a catedral de Santa Sofia, símbolo do cristianismo ortodoxo. Seu segundo gesto consistiu em estabelecer, no centro de Istambul, sua residência real, Esky Saray, o Velho Palácio, e o harém real. Em seguida, lançou-se à construção do Yény Saray, o Novo Palácio, no sítio da antiga acrópole de Bizâncio, o futuro Topkapi.

Mehmed II instalou-se ali, mas manteve seu harém no Velho Palácio, reduzindo sua influência. No entanto, depois de um incêndio parcial, Solimão, o Magnífico (1520-1566), cedendo às pressões de sua esposa preferida, Hurrem, decidiu transferi-lo para o Novo Palácio, perto de seus apartamentos. Lançado ao coração dos assuntos do Estado, o harém contribuiu para a guinada política de um dos impérios dominantes do mundo.

O poder do harém era resultado de sua organização rigorosa. Sob o exterior voluptuoso, vivia segundo uma disciplina muito severa, essencial por sua função e pelo número de residentes: 373 mulheres em 1600, 642 em 1622 e 967 em 1652. A título de comparação, o harém real do vizinho e inimigo persa contou, no decorrer do século XVII, com até 500 mulheres, enquanto o harém indiano do grande Mogul Akbar (1556-1605) reunia mais de 5 mil mulheres. Aliás, esse número tão alto sempre despertou as fantasias dos viajantes ocidentais, excitados pelas perspectivas de tal reserva para um único homem. Eles não levavam em conta o fato de o Corão prever a poligamia. Um verso famoso diz: "Desposai as mulheres agradáveis a vossos olhos, duas, três ou quatro, [mas] se temerdes não poder ser eqüitativo para com elas, [tomai], então, uma só, ou concubinas!" (IV, 3).

É verdade que as mulheres do harém eram especialmente sedutoras. Em princípio, eram recrutadas entre as populações submetidas ao império. Eram conquistadas nas pilhagens de guerra, como a famosa Nurbanu, "Princesa Luz", a esposa preferida de Selim I e mãe de Murat III. Ao ingressar no harém, as mulheres mudavam de nome. A famosa Roxelane, "a Russa", ucraniana adotou o nome de Hurrem, "Aquela que ri". Essa nova identidade, marcava sua condição servil.

Todas viviam sob a autoridade da primeira-dama do harém, a mãe do sultão, a sultana Validé. Essa antiga escrava, ao garantir o primeiro descendente do sexo masculino ao sultão precedente, tornava-se também a primeira-dama do Império, segundo o princípio de que, se o senhor podia ter diversas mulheres, tinha uma única mãe. Símbolo de um matriarcado de fato, garantia da segurança e do prestígio do país, a sultana Validé receberia, no século XVIII, a pensão mais elevada do império.

A magnificência de suas funções assinalava sua alta posição. Uma ou duas semanas depois da subida do filho ao trono, ela era conduzida do Velho Palácio, chamado de Palácio das Lágrimas, onde ficara afastada, para o Novo Palácio, em meio a uma multidão de cortesãos. Ela então entrava em uma carruagem de cerimônia, seguida por uma carruagem menor, de onde servidores lançavam moedas ao povo. Quando chegava ao palácio, o filho a saudava. As relações de todos com a sultana Validé - exceto seu filho - obedeciam a uma etiqueta estrita: ninguém podia ser recebido se não tivesse solicitado audiência. A "Rainha Mãe" era o centro do sistema "harêmico".

Sua autoridade dava origem a todas as decisões referentes às solicitações das mulheres do harém, e também lhe cabia decidir as funções hierárquicas de cada uma.

As integrantes do harém sonhavam ser a sucessora da sultana Validé. Algumas, ignoradas pelo sultão, podiam casar-se fora do harém imperial depois de nove anos de serviço, quando eram valorizadas pela qualidade de sua educação. Outras, as mais belas, as odaliscas que passavam algumas noites com o senhor e, por esse privilégio, estavam condenadas à "reclusão perpétua", podiam aspirar ao título de esposas legítimas, kadins, se tivessem um filho do sexo masculino, e ao de primeira esposa, caso dessem à luz ao herdeiro do trono, único caminho para o status de Validé.

A corrida ao título supremo era longa e semeada de armadilhas. Em caso de fracasso, elas eram relegadas, após o falecimento do monarca, ao Palácio das Lágrimas, onde ficavam até morrer. Poucas teriam a sorte da famosa Kössem, esposa de Ahmed I, que ingressou ali com a morte do sultão, em 1617, e tornou-se sultana Validé em 1623, quando da ascensão ao trono de seu filho Murad IV.

A castração masculina
Para assegurar a ligação entre o harém principesco e o mundo exterior, foi necessária uma função de mediação, assumida pelos eunucos. A prática da castração masculina, embora proibida pelo Corão, remete à Antigüidade oriental e a Bizâncio. Os brancos eram guardiões da porta exterior do harém. Os negros, originários do Sudão, guardavam a porta interior. Vendidos como escravos no bazar vizinho, como as mulheres do harém, recebiam novos nomes ao assumirem suas funções: "Tulipa", "Peixe Vermelho", "Jasmim", "Açafrão" etc. Os eunucos otomanos apresentavam outra particularidade: à diferença dos homólogos persas, "totalmente cortados", a castração removia-lhes apenas os testículos, e não o pênis. Isso explicaria por que tantas intrigas amorosas se tornaram conhecidas no harém da Sublime Porta, e por que os eunucos otomanos desempenharam papel tão importante na política turca.

A situação particular dos eunucos otomanos lhes assegurou, entre 1574 e 1908, posição invejável na organização do império e na repartição dos poderes. Seu papel era múltiplo: mensageiros entre as mulheres que viviam fora do harém e as que ali residiam, também faziam a ligação entre o sultão - quando este decidia não deixar o harém - e seus vizires. O chefe dos eunucos negros ocupava um lugar privilegiado entre eles: autorizado a aproximar-se do sultão a qualquer momento e influenciando-o com as informações que detinha, dispunha do poder de apressar ou retardar uma entrevista com um dignitário ou embaixador. Além disso, era extremamente rico, pois administrava as finanças do harém, bem como as das mesquitas imperiais.
Exercia assim o cargo de chefe de uma força clandestina considerável, cujo apoio era muito procurado. Por fim, estava incumbido de guardar os príncipes, enclausurados em pequenos apartamentos pelo resto de seus dias, salvo em caso de necessidade. Solimão II, por exemplo, passou 40 anos num deles antes de subir ao trono em 1687. Tratava-se de tarefa importante, de grande dimensão política, pois esses herdeiros potenciais representavam constante perigo para o sultão no poder.

O poder da mãe do sultão
O harém era um paraíso? Ao contrário do que sugere a literatura sobre o tema, a realidade ali era pouco encantadora. Em Topkapi, a vida das mulheres se organizava em torno de três pátios. O primeiro e mais central era reservado à mãe do sultão. Junto a ele ficavam os apartamentos da Validé, os mais luxuosos do harém, com salão, quarto, aposento para orações, móveis para repouso, toalete e banho turco.

Os dois outros pátios - a oeste, o das kadins e, a leste, o das concubinas - também eram ladeados por apartamentos, na verdade uma profusão de pequenos quartos, tetos ornados de arabescos dourados e paredes recobertas por cerâmicas esmaltadas de Iznik. Alguns dispunham até de torneiras.

O harém era uma prisão de luxo para as mulheres do sultão. Nem sempre aquelas "deixadas à própria sorte" estavam numa situação pior. As kalfas, escolhidas pela sultana Validé, eram as administradoras de alto nível do harém. Reconhecíveis pelo vestido de cauda forrado, eram dignitárias cujo bastão cerimonial simbolizava o poder. Sob suas ordens, um exército de servidoras remuneradas, as djariyes, consumia-se em trabalhos de intendência: limpeza, lavanderia, aquecimento e abastecimento.

As outras mulheres - sem dúvida as mais invejadas - passavam os dias em uma ociosidade ritmada pelo ritual do banho turco, cujos prazeres foram descritos em 1717-1718 por lady Mary Wortley Montague, esposa do embaixador britânico: "Os primeiros sofás eram cobertos por almofadas e ricos tapetes nos quais estavam sentadas as damas. (...) Tantas belas mulheres nuas em diferentes atitudes, umas conversando, outras com trabalhos de costura, outras bebendo café ou sorvetes à base de suco de fruta". Mais tarde, elas podiam ser encontradas nos jardins. Thomas Dallam, inglês fabricante de órgãos, conseguiu vê-las em 1599, graças à indiscrição de um janízaro, e escreveu: "Elas não traziam nada sobre a cabeça senão um pequeno boné dourado, que cobria apenas o topo; nem faixas de tecido em torno do pescoço nem nada, mas belos colares de pérolas, uma jóia pendente sobre o busto e nas orelhas. As túnicas [...] eram de cetim, vermelhas, azuis ou de outras cores, tendo, na cintura, um cordão de cor contrastante. Essas jovens vestiam calças de algodão branco como a neve e tão fino quanto uma gaze, pois pude discernir a pele de suas coxas através dele". Era ali também que elas dançavam, fumavam o narguilé, jogavam xadrez e se enchiam de doces, uma vez que os sultões gostavam de mulheres de contornos generosos. Por vezes bordavam, pois, como recorda o viajante italiano Pietro della Valle (1586-1652), elas não tinham rivais na arte de "bem trabalhar o linho e em outras obras que faziam também com seda de diversas cores, (...) nas quais aparecia o mesmo motivo nos dois lados, tecidos com ouro e prata em telas brancas muito finas e transparentes, e em alguns tecidos".

No entanto, todos esses lazeres não ocultavam sua ocupação principal: a espera do sultão. Seriam escolhidas? Ou deveriam antes embelezar a nova escrava observada pelo mestre? Porque a sultana Validé era a grande fornecedora de jovens beldades. Quando seu filho a visitava, ela pedia sempre às jovens escravas que servissem o café. Se o sultão prestasse atenção em alguma, dizia-se que ela estava gödze, "no olho". Escoltada pelo chefe dos eunucos, a "feliz eleita" era perfumada, enfeitada suntuosamente e vestida pelas mulheres do harém, antes de ser conduzida até os aposentos do sultão.

Se a noite "corresse bem", ou seja, se o sultão lhe tivesse "prestado justiça", ela tornava-se ikbal, favorita. Compreende-se que tais práticas - num mundo fechado - tenham gerado rivalidades agudas. Assim, quando Solimão começou a notar Hurrem, a circassiana Mahidevran, mãe de Mustafá - o filho mais velho do sultão - e, por esse título, futura Validé, considerando que todas as mulheres do harém desde já lhe deviam submissão, arranhou o rosto da rival chamando-a de "carne podre". Informado dessa história, Solimão exilou a primeira kadin em Bursa, onde ela morreu, esquecida por todos, em 1581. O abandono pelo sultão era dramático. Aquelas que haviam desagradado ao mestre ou a quem ele não mais prestava justiça iam engrossar as fileiras das esquecidas no Palácio das Lágrimas.

A mulher velha e os eunucos
A vida no harém era complexa. Sob a tranqüilidade luxuosa escondia-se o sexo prisioneiro e mudo em que todo mundo pensava. Um sexo canalizado por uma mulher velha, Validé, e vigiado por seres híbridos, os eunucos.

O harém era um lugar de poder, ao mesmo tempo fechado e "público", como observou Jean Chardin, viajante francês do século XVII. Contrariando a opinião do filósofo árabe Averróis (1126-1198), de que, "nesses Estados, as mulheres não são consideradas capazes de nenhuma virtude humana", é preciso reconhecer que, além de saber tecer bordados e poesias, ao contrário das hóspedes do harém persa, as otomanas dominavam a arte de tecer intrigas, designando e derrubando vizires.

Sua fonte de informação era direta, como evidencia um orifício circular aberto em uma parede acima da sala do Conselho, o Divã, desde o século XVI, um ouvido do harém que recolhia em primeira mão os projetos e decisões políticas. Tarkhan Khadidje, sultana Validé no reinado de Mehmet IV, foi mais longe: escondida atrás de uma cortina, participava das reuniões do Divã, onde fazia sentir sua influência. Os sultões estavam a tal ponto sob a ascendência do harém que o embaixador de Veneza escreveu a respeito de Murad III: "As mulheres e os eunucos estão sempre ao redor dele e em geral podem ter a última palavra".

Se o poder dos eunucos era grande, o das Validés era imenso, reconhecido tanto por aliados quanto por adversários políticos, dentro e fora do império. Caso o sultão fosse menor de idade ou um degenerado - o que acontecia com freqüência - ou demasiado ocupado por jogos eróticos, era a sultana Validé quem assegurava o essencial do poder. A população de Istambul não se enganava a esse respeito, e costumava dizer: "Todo bem e todo mal vem da Rainha Mãe".

Nurbanu, mãe de Murad III, embora vivesse em um palácio fora dos muros da cidade, controlava tudo. Contribuindo para manter a paz entre a Sereníssima e a Sublime Porta, ela solicitou sedas e brocados diretamente ao representante de Veneza por sua diplomacia. "Sultana Rainha Mãe do Grande Senhor", ela se correspondia também com a "Rainha Mãe do Rei", Catarina de Médici, na França, e opinou sobre os tratados estabelecidos entre os dois países. Como aconteceu com Hurrem, ela deixaria de si mesma uma imagem fecunda, fazendo construir com seus próprios recursos, em Uskudar, subúrbio asiático de Istambul, uma mesquita celebrando a glória de Alá, um hospital, um hammam (estabelecimento de banhos) e três escolas corânicas, além de oferecer uma sopa popular para os pobres e miseráveis.

Mulheres excepcionais, as Validés detinham o poder. Para conquistar a posição e nela permanecer, sabiam como tirar partido dos ambiciosos, estimulando a corrupção, um mal que devoraria o Império Otomano até sua queda. Reinando em seu jardim do Éden sobre um mundo bem real, elas regeram durante quatro séculos a sorte dos otomanos, deixando ao mesmo tempo às imaginações fecundas do Ocidente o perfume proibido que fez a sedução e o mistério do harém.

Yves Bomati é doutor em letras e ciências humanas e historiador das religiões. Publicou, com Houchang Nahavandi, Shah Abbas, empereur de Perse, 1589-1629 (Xá Abbas, imperador da Pérsia), Éditions Perrin, 1998

Revista Historia Viva

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