Ao chegar ao Brasil, a moda parisiense passa a ditar o vestuário e o comportamento das elites do país
Lená Medeiros de Menezes
Com a assinatura dos tratados de amizade e comércio com a França, em 1816, imigrantes dos mais diferentes pontos do território francês e de segmentos sociais variados começaram a chegar ao Brasil, principalmente ao Rio de Janeiro. Eram costureiras, floristas, fabricantes de chapéus, alfaiates, cabeleireiros, livreiros, professores, parteiras, artistas e muitos outros. Nesse conjunto diversificado, aquelas que produziam ou vendiam moda: as modistas destacaram-se como símbolos da modernidade que chegava em terras brasileiras.
Vestir-se, pentear-se, comportar-se e amar à francesa se transformaram em ações identificadas com a adoção de um viver civilizado que tinha Paris como modelo. Os cuidados com a aparência tiveram, desde muito cedo, um lugar de destaque nas mudanças ocorridas na cidade que se tornou capital. Sua importância cresceu à medida que o mundo da Corte, repleto de cerimoniais, festas e recepções, transformava o ato de vestir-se em símbolo poderoso de distinção e poder. O surgimento de elites enriquecidas com o café daria novo e vigoroso impulso a este processo. As cifras de importação de mercadorias européias mostram que os tecidos – de algodão, lã, linho, seda ou mistos – ocupavam lugar de destaque nas estatísticas, com liderança dos tecidos ingleses, seguidos dos franceses. Esses tecidos e a arte das modistas vestiram as elites brasileiras do século XIX.
Dedicados ao comércio de luxo, franceses e francesas se tornaram verdadeiros embaixadores da moda na cidade do Rio de Janeiro. A primazia francesa na produção e no comércio de artigos de luxo, entretanto, não foi uma invenção do século XIX. Desde o reinado de Luís XIV – o Rei Sol (1643-1715) –, a corte francesa, por seu refinamento nos usos e costumes, ditava padrões de comportamento para toda a Europa. Nem mesmo a revolução de 1789 e o advento da burguesia poriam fim a esta primazia, que se consolidaria, sob novas formas, ao longo do século XIX, transformando a França em expressão maior da civilização: verdadeiro farol a iluminar o mundo.
Estar antenado com a moda de Paris tornou-se verdadeiramente o caminho do sucesso. Para as mulheres, na Europa e no Brasil, seguir a moda implicava usar trajes adequados a cada ocasião, utilizar tecidos bonitos e de alta qualidade, saber escolher enfeites e acessórios e, acima de tudo, seguir um verdadeiro ritual na maneira de portá-los.
Tão logo a família real portuguesa se fixou no Brasil, os serviços de costura, os cuidados com os cabelos, a confecção de chapéus, flores e demais acessórios passaram a ser oferecidos ao público por profissionais estabelecidos em pequenas oficinas ou lojas. A leitura de jornais como a Gazeta do Rio de Janeiro e o Diário do Rio de Janeiro nos permite saber que M. Girard era cabeleireiro de Sua Alteza, D. Carlota Joaquina (1775-1831), princesa do Brasil, e de várias damas da corte, penteando as senhoras na última moda de Paris e de Londres; que M. Durand sempre recebia “sortimentos de objetos de enfeites para senhoras”; que em casa de M. Bellard era possível encontrar tanto a falsa como a verdadeira “bijouteria”, além de chapéus, livros, vestidos e enfeites, cheiros, pêndulos, espingardas, leques e “toda a qualidade de fazendas francesas”; que a perfumaria Desmarais oferecia ao público artigos de toucador – “essências e vidrinhos de cheiro”, cosméticos, óleos, sabonetes, escovas, esponjas, espelhos, pentes e outros artigos destinados “à vaidade de homens e mulheres”.
Desde 1820, a preferência dos comerciantes franceses pela Rua do Ouvidor já era visível, o que acabou por transformá-la na mais francesa das ruas do Rio de Janeiro, comparada à Rue Vivienne de Paris, famosa, na época, por concentrar o comércio da moda. Uma rua estreita e acanhada tornou-se assim a maior expressão da vida civilizada em território brasileiro, símbolo de bom gosto e de refinamento, onde os escravos não circulavam.
As modistas da Rua do Ouvidor ficaram imortalizadas na obra de cronistas e romancistas. Um deles, Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), autor de romances célebres como A Moreninha (1844), chegou a afirmar que, desde 1822, nenhuma senhora fluminense compareceu a bailes, saraus, festas, casamentos, batizados e reuniões sem portar vestido “cortado e feito por modista francesa da Rua do Ouvidor”. Com tesoura, agulha e linha, elas passaram a tecer e moldar novos gostos, usos, costumes e desejos, profissionalizando um ofício tipicamente feminino, anteriormente exercido no Brasil por escravas costureiras e pelas senhoras que talhavam seus próprios vestidos. Estas últimas, inclusive, passaram a copiar os modelos parisienses estampados em periódicos dedicados à moda, como O Sexo Feminino e o Recreio das Moças. Ao copiarem os modelos, muitas costureiras esforçavam-se por fazer cópias fidelíssimas, produzindo vestidos que, se eram belíssimos nas revistas, eram complicados demais para serem usados no dia-a-dia, razão pela qual, na verdade, não saíam das páginas das revistas e por isso jamais eram vistos nas ruas de Paris.
Clémence Saisset foi uma modista que viveu na cidade do Rio de Janeiro entre 1822 e 1831. Seria uma imigrante anônima se um amante especial não a tivesse tornado famosa. Nada mais, nada menos do que D. Pedro I (1798-1834), imperador do Brasil, célebre por seus amores e conquistas. De acordo com Manuel de Macedo em Memórias da Rua do Ouvidor, Mme Saisset era lindíssima, casada com um comerciante de sucesso. Personagem central de histórias maliciosas sobre o imperador, disputou seu afeto com várias outras mulheres, como a marquesa de Santos e outra francesa: Noémi Thierry. Como elas, foi mãe de um dos 16 filhos oficialmente atribuídos a Pedro I: Pedro de Alcântara Brazileiro, nascido em 30 de agosto de 1829.
Muitas modistas tornaram-se célebres, como Mlle Joséphine, a mais antiga e famosa modista da Rua do Ouvidor, costureira da primeira imperatriz do Brasil, D. Leopoldina (1797-1826), ou Mme Hortense Lacarrière, que tinha também casa de modas em Paris. A trajetória de algumas dessas profissionais indica que eram boas as possibilidades oferecidas pelo mercado da moda na cidade. Mme Catharine Dazon é um bom exemplo. Sua primeira loja de modas foi aberta no Rio de Janeiro em 1849, possivelmente o ano de sua chegada ao Brasil. Estabelecida inicialmente na Rua da Quitanda, acabou por seguir o caminho preferido por suas colegas de ofício, mudando-se para a Rua do Ouvidor em 1850. Lá, passou a oferecer ao público “tudo que pudesse compor o toilette de uma senhora”, além de roupas para crianças, bonés, meias, luvas de todas as qualidades e fazendas para luto. Em 1854 associou-se ao filho, e o sucesso por eles obtido permitiu a abertura de lojas em Paris, Londres e Lyon. Em 1862, deixou de estar à frente dos negócios no Brasil, e a responsabilidade da firma passou ao filho e sócio Louis Dazon.
Nem só os vestidos compunham a moda oferecida pelas francesas às suas clientes. Mme Finot, por exemplo, ganhou fama fabricando e vendendo flores artificiais, consideradas verdadeiras obras de arte. As madames Creten e Cassemajou eram camiseiras. A primeira tinha o imperador Pedro II como cliente e orgulhava-se de empregar um “hábil cortador de Paris”. Sua irmã, Eugènie Doll, consertava rendas, e posteriormente passou a confeccionar ceroulas e roupas brancas. Mme Haugonte era fabricante de coletes, fornecendo-os à família imperial, e Mme Forain comercializava luvas. Mme Bonhomme produzia lingerie e Mme Favre, bordados e rendas. A viúva Mme Roche vendia lãs, sedas e algodão, e também miçangas, linhas, colchetes, papéis, vidrilhos, desenhos e todos os aviamentos que eram necessários para bordar. Já Mlle Besse foi a primeira modista francesa na cidade do Rio de Janeiro a anunciar com destaque no Almanaque Laemmert a utilização da máquina de costura, no ano de 1858. Era o início de um processo de mecanização que não deixaria de aperfeiçoar-se.
Lavadeiras e engomadeiras francesas também tinham clientela cativa. Mme Carron e Mme Joséphine eram especializadas na lavagem de roupas finas. Mme Lavoque lavava, tingia e consertava roupas. A reforma e a lavagem de chapéus ficavam a cargo de Mme Picard – uma das únicas a prestar tal serviço na cidade – e os chapéus de palha eram a especialidade da viúva Canard.
A partir de 1850, a urbanização crescente permitiu a abertura de estabelecimentos de grande porte. Entre todos, a “Casa de confecções, modas e novidades a Notre-Dame de Paris”, ou, simplesmente, Notre Dame de Paris, surgida em 1850, ganhou a maior fama. Localizada na Rua do Ouvidor e fornecedora de “Suas Altezas Imperiais”, a loja tinha empregados de escritório, caixeiros, modistas, costureiras e serventes, vendendo tecidos (seda, linho, morim e lã), xales, rendas, capas, mantas, chapéus, grinaldas, fazendas para luto, enxovais para casamento e crianças, toalhas de mesa, lingeries e lenços, encarregando-se de “mandar vir de Paris todas as encomendas que lhes fossem feitas”.
Em uma cidade na qual as elites falavam correntemente o francês, a moda de Paris permitia que uma sofisticada forma de viver fosse reinventada nos trópicos. Independentemente do exercício de profissões mais ou menos valorizadas, franceses e francesas de diferentes procedências fizeram florescer sua cultura em terras brasileiras, impondo uma influência que só teve fim quando o modelo cultural norte-americano tornou-se dominante no Brasil, após o término da Segunda Guerra Mundial (1945). Ainda assim, a moda francesa continuou a ser objeto de desejo e sinônimo de beleza e sofisticação.
Lená Medeiros de Menezes é professora titular de História Contemporânea da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora do artigo “Francesas no Rio de Janeiro: modernização e trabalho segundo o Almanak Laemmert”, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, nº 165.
Revista de Historia da Biblioteca Nacional
A moda francesa, sempre teve seu espaço, em quase todas as nações. Sempre sinônimo de sofisticação.
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