Nascida em torno da exploração econômica do deserto do Atacama, a Guerra do Pacífico causou, além de ressentimentos, drásticas mudanças
geográficas e culturais nos países da região
A Guerra do Pacífico foi um dos mais importantes conflitos travados na América do Sul, e ainda hoje é foco de problemas e disputas entre os países envolvidos: Peru, Bolívia e Chile. Ela durou de 1879 a 1883 e aconteceu no deserto do Atacama, um dos lugares mais inóspitos para a vida humana no planeta, na costa do Pacífico.
A origem desse confl ito está no comércio e na exploração do guano, um composto de excrementos de aves marinhas acumulados por milhares de anos na região do deserto. Na segunda metade do século 19, o guano era muito utilizado como adubo natural, sendo de grande interesse para os países europeus – principalmente a Inglaterra, que tinha necessidade de aumentar sua produção agrícola por causa da crescente urbanização pela qual passava.
Para o Peru, a exploração do guano foi fundamental para a sua recuperação econômica – desde a independência, o país vivia uma instabilidade econômica e política. Assim, o guano acabou levando a um desenvolvimento sem precedentes da sociedade peruana, incluindo uma maior urbanização do país e a eleição de um presidente civil, Manuel Pardo, em 1872. Todos os anteriores haviam sido militares.
A prosperidade do guano trazia luxo a uma elite que explorava, no entanto, a maioria da população peruana, composta predominantemente de mestiços e indígenas. É interessante lembrar, também, que para o trabalho na extração do guano foram trazidos da China trabalhadores chamados coolies, submetidos a condições miseráveis.
O crescimento e a riqueza originados pelo guano e pelo salitre – outro produto importante extraído do Atacama – acabaram minando as relações entre a Bolívia, o Chile e o Peru. As fronteiras entre os países não eram bem defi nidas desde o desmembramento do império espanhol, em especial na região do Atacama. A nova riqueza trazida pelo guano gerou atrito entre os
países, o que os levou à guerra. Para entender o confl ito, é preciso lembrar que o controle do comércio e da exploração do guano e do salitre no vizinho território boliviano era feito por companhias chilenas que mantinham acordos com empresas inglesas.
Bastidores ingleses
O estopim do confl ito aconteceu quando o governo boliviano decidiu aumentar as taxas cobradas junto das empresas que exploravam o guano e o salitre no seu território para ter mais controle sobre sua produção. As companhias que operavam na Bolívia não aceitaram a nova situação. Para manter o controle e a produção de salitre e de guano, o Chile invadiu a Bolívia com o apoio de empresas inglesas. Tomou o porto de Antofagasta e cortou, desse modo, o acesso da Bolívia ao mar.
EM DEFESA DOS ÍNDIOS
Alguns pensadores peruanos bateram de frente com o discurso preconceituoso contra a população indígena e miscigenada. Uma das principais figuras desse movimento de defesa foi Manuel González Prada (1844-1918), primeiro escritor peruano e, talvez, sul-americano, a criticar o racismo e a sociedade peruana, mostrando que as causas da fraqueza do país estavam essencialmente
na forma como ele era administrado. No dizer de González Prada, “hoje o Peru é um organismo doente: onde se aplica o dedo, brota pus” e “não somente derramamos o sangue, [mas também] exibimos a lepra”. Ele denunciou o fato de os direitos dos índios serem constantemente violados, de serem marginalizados e esquecidos pelo Estado peruano. Segundo Prada, a fraqueza do país estava no fato de ele estar dividido, mantendo parte de sua população à margem de todos os benefícios do progresso.
Um dos pontos mais interessantes da defesa de González Prada é quando diz que “não formam o verdadeiro Peru as agrupações de criollos e estrangeiros que habitam a faixa de terra situada entre o Pacífico e os Andes; a nação está formada pelos índios disseminados na banda oriental da cordilheira.” Nesse ponto, seu discurso nacionalista ganhou um tom anti-racista, vendo os índios não apenas como parte da nação, mas como sua própria essência, a tradução do que era de fato o Peru.
As polêmicas criadas por González Prada não foram esquecidas após a sua morte. Ao longo da década de 1920 outros autores, como Haya de La Torre e principalmente José Carlos Mariátegui, voltaram a trabalhar com a questão indígena. Assim, apesar de continuar existindo o racismo, a situação do índio ganhou uma nova dinâmica e uma importância muito grande no país.
O Peru se envolveu no confl ito quando tentou mediar uma saída diplomática para o confl ito, já que tinha um tratado com a Bolívia que previa o apoio de um país ao outro em caso de guerra com o Chile – sempre interessado em potencializar sua força na região. Ao falhar a solução diplomática, o Peru não viu alternativa e entrou no confl ito, uma vez que, com a conquista dos territórios bolivianos, o Chile acabou se apossando da maioria das jazidas.
A adesão à guerra foi desastrosa para o Peru. O país testemunhou a fraqueza do seu Exército e da sua Marinha, principalmente com a invasão do seu território e, em particular, da capital, Lima, que fi cou de 1880 a 1883 sob ocupação chilena. O presidente peruano, Mariano Ignacio Prado, temendo pela invasão, fugiu para a Europa, deixando o país à própria sorte. A guerra terminou com o Tratado de Paz de Ancón, no qual o Peru cedeu o território de Tarapacá e a administração das províncias de Tacna e Arica por dez anos, sendo que a última acabou sendo anexada pelo Chile.
O Chile foi, sem dúvida, o grande vencedor do conflito. O país ganhou novos territórios (como o litoral da Bolívia e o sul do Peru), conquistou as jazidas de guano e salitre e impôs o seu poder à região, gerando um grande ressentimento vizinhos.
As riquezas trazidas pela guerra iriam sustentar a economia chilena por quase 40 anos, até ser desenvolvida na Europa uma técnica de produzir salitre artificialmente, o que acabou arruinando a produção desse composto químico em toda a região.
Mais ainda que o Chile, os grandes ganhadores foram as companhias inglesas que apoiaram o Chile, uma vez que conquistaram o direito de explorar o guano e o salitre nas áreas conquistadas. Como diz o historiador Túlio Halperin Donghi, a Guerra do Pacífico foi a primeira na qual os capitalistas estrangeiros tomaram um partido deliberado. A vitória representou um grande ganho financeiro para a elite chilena e serviu explicita mente aos interesses das companhias inglesas.
Bode expiatório
A derrota na guerra foi um desastre sem precedentes tanto para a Bolívia quanto para o Peru. A Bolívia foi possivelmente a mais prejudicada, pois perdeu não apenas sua principal fonte de riquezas, como também parte do território e principalmente a saída para o mar. Essa perda, mais do que tudo, contribuiu para transformar a Bolívia em um dos países mais pobres e politicamente mais instáveis da América do Sul.
Para o Peru, a guerra representou uma crise interna de enormes proporções. A perda da fonte de riquezas, do território, a humilhação pela ocupação da capital e a guerra civil que sucedeu à saída do exército chileno provocaram um enorme impacto psicológico sobre o país. Surgiu um grande debate sobre a dificuldade de o Peru superar o legado colonial, indicando frustrações da elite.
A necessidade de atribuir culpa a alguém terminou por responsabilizar a população indígena e mestiça. Acusava-se osíndios de serem “ingovernáveis” e “enfermos”. Discutia-se a necessidade de uma política imigratória para atrair europeus ao país. Era a aplicação do “racismo científico” na sociedade peruana defendida por muitos políticos e intelectuais – ainda que alguns tenham não só discordado mas também alimentado uma forte discussão nacionalista e anti-racista no país (veja o quadro “Em defesa dos índios”).
Caso mal resolvido
Mais que tudo, a Guerra do Pacífico abriu para o Peru e para a Bolívia uma discussão sobre a sua própria identidade. A Bolívia trilhou um caminho mais complicado que o Peru. O país ficou arrasado com o conflito e posteriormente entrou em disputas territoriais com o Brasil (a questão do Acre) e com o Paraguai (a Guerra do Chaco), perdendo mais porções do seu território.
A Guerra do Pacífico ainda provoca problemas na região. A Bolívia nunca aceitou a perda da sua costa e, por diversas vezes, o país esteve em atritos diplomáticos com o Chile na esperança de conseguir parte de seu território de volta. Ainda hoje esse ponto é uma questão aberta. O Peru, da mesma forma, ainda demonstra ressentimento com a perda territorial e a humilhação ante o Chile. E o Chile se mantém decidido a jamais devolver esses territórios aos seus prejudicados vizinhos.
Revista Desvendando a História
geográficas e culturais nos países da região
A Guerra do Pacífico foi um dos mais importantes conflitos travados na América do Sul, e ainda hoje é foco de problemas e disputas entre os países envolvidos: Peru, Bolívia e Chile. Ela durou de 1879 a 1883 e aconteceu no deserto do Atacama, um dos lugares mais inóspitos para a vida humana no planeta, na costa do Pacífico.
A origem desse confl ito está no comércio e na exploração do guano, um composto de excrementos de aves marinhas acumulados por milhares de anos na região do deserto. Na segunda metade do século 19, o guano era muito utilizado como adubo natural, sendo de grande interesse para os países europeus – principalmente a Inglaterra, que tinha necessidade de aumentar sua produção agrícola por causa da crescente urbanização pela qual passava.
Para o Peru, a exploração do guano foi fundamental para a sua recuperação econômica – desde a independência, o país vivia uma instabilidade econômica e política. Assim, o guano acabou levando a um desenvolvimento sem precedentes da sociedade peruana, incluindo uma maior urbanização do país e a eleição de um presidente civil, Manuel Pardo, em 1872. Todos os anteriores haviam sido militares.
A prosperidade do guano trazia luxo a uma elite que explorava, no entanto, a maioria da população peruana, composta predominantemente de mestiços e indígenas. É interessante lembrar, também, que para o trabalho na extração do guano foram trazidos da China trabalhadores chamados coolies, submetidos a condições miseráveis.
O crescimento e a riqueza originados pelo guano e pelo salitre – outro produto importante extraído do Atacama – acabaram minando as relações entre a Bolívia, o Chile e o Peru. As fronteiras entre os países não eram bem defi nidas desde o desmembramento do império espanhol, em especial na região do Atacama. A nova riqueza trazida pelo guano gerou atrito entre os
países, o que os levou à guerra. Para entender o confl ito, é preciso lembrar que o controle do comércio e da exploração do guano e do salitre no vizinho território boliviano era feito por companhias chilenas que mantinham acordos com empresas inglesas.
Bastidores ingleses
O estopim do confl ito aconteceu quando o governo boliviano decidiu aumentar as taxas cobradas junto das empresas que exploravam o guano e o salitre no seu território para ter mais controle sobre sua produção. As companhias que operavam na Bolívia não aceitaram a nova situação. Para manter o controle e a produção de salitre e de guano, o Chile invadiu a Bolívia com o apoio de empresas inglesas. Tomou o porto de Antofagasta e cortou, desse modo, o acesso da Bolívia ao mar.
EM DEFESA DOS ÍNDIOS
Alguns pensadores peruanos bateram de frente com o discurso preconceituoso contra a população indígena e miscigenada. Uma das principais figuras desse movimento de defesa foi Manuel González Prada (1844-1918), primeiro escritor peruano e, talvez, sul-americano, a criticar o racismo e a sociedade peruana, mostrando que as causas da fraqueza do país estavam essencialmente
na forma como ele era administrado. No dizer de González Prada, “hoje o Peru é um organismo doente: onde se aplica o dedo, brota pus” e “não somente derramamos o sangue, [mas também] exibimos a lepra”. Ele denunciou o fato de os direitos dos índios serem constantemente violados, de serem marginalizados e esquecidos pelo Estado peruano. Segundo Prada, a fraqueza do país estava no fato de ele estar dividido, mantendo parte de sua população à margem de todos os benefícios do progresso.
Um dos pontos mais interessantes da defesa de González Prada é quando diz que “não formam o verdadeiro Peru as agrupações de criollos e estrangeiros que habitam a faixa de terra situada entre o Pacífico e os Andes; a nação está formada pelos índios disseminados na banda oriental da cordilheira.” Nesse ponto, seu discurso nacionalista ganhou um tom anti-racista, vendo os índios não apenas como parte da nação, mas como sua própria essência, a tradução do que era de fato o Peru.
As polêmicas criadas por González Prada não foram esquecidas após a sua morte. Ao longo da década de 1920 outros autores, como Haya de La Torre e principalmente José Carlos Mariátegui, voltaram a trabalhar com a questão indígena. Assim, apesar de continuar existindo o racismo, a situação do índio ganhou uma nova dinâmica e uma importância muito grande no país.
O Peru se envolveu no confl ito quando tentou mediar uma saída diplomática para o confl ito, já que tinha um tratado com a Bolívia que previa o apoio de um país ao outro em caso de guerra com o Chile – sempre interessado em potencializar sua força na região. Ao falhar a solução diplomática, o Peru não viu alternativa e entrou no confl ito, uma vez que, com a conquista dos territórios bolivianos, o Chile acabou se apossando da maioria das jazidas.
A adesão à guerra foi desastrosa para o Peru. O país testemunhou a fraqueza do seu Exército e da sua Marinha, principalmente com a invasão do seu território e, em particular, da capital, Lima, que fi cou de 1880 a 1883 sob ocupação chilena. O presidente peruano, Mariano Ignacio Prado, temendo pela invasão, fugiu para a Europa, deixando o país à própria sorte. A guerra terminou com o Tratado de Paz de Ancón, no qual o Peru cedeu o território de Tarapacá e a administração das províncias de Tacna e Arica por dez anos, sendo que a última acabou sendo anexada pelo Chile.
O Chile foi, sem dúvida, o grande vencedor do conflito. O país ganhou novos territórios (como o litoral da Bolívia e o sul do Peru), conquistou as jazidas de guano e salitre e impôs o seu poder à região, gerando um grande ressentimento vizinhos.
As riquezas trazidas pela guerra iriam sustentar a economia chilena por quase 40 anos, até ser desenvolvida na Europa uma técnica de produzir salitre artificialmente, o que acabou arruinando a produção desse composto químico em toda a região.
Mais ainda que o Chile, os grandes ganhadores foram as companhias inglesas que apoiaram o Chile, uma vez que conquistaram o direito de explorar o guano e o salitre nas áreas conquistadas. Como diz o historiador Túlio Halperin Donghi, a Guerra do Pacífico foi a primeira na qual os capitalistas estrangeiros tomaram um partido deliberado. A vitória representou um grande ganho financeiro para a elite chilena e serviu explicita mente aos interesses das companhias inglesas.
Bode expiatório
A derrota na guerra foi um desastre sem precedentes tanto para a Bolívia quanto para o Peru. A Bolívia foi possivelmente a mais prejudicada, pois perdeu não apenas sua principal fonte de riquezas, como também parte do território e principalmente a saída para o mar. Essa perda, mais do que tudo, contribuiu para transformar a Bolívia em um dos países mais pobres e politicamente mais instáveis da América do Sul.
Para o Peru, a guerra representou uma crise interna de enormes proporções. A perda da fonte de riquezas, do território, a humilhação pela ocupação da capital e a guerra civil que sucedeu à saída do exército chileno provocaram um enorme impacto psicológico sobre o país. Surgiu um grande debate sobre a dificuldade de o Peru superar o legado colonial, indicando frustrações da elite.
A necessidade de atribuir culpa a alguém terminou por responsabilizar a população indígena e mestiça. Acusava-se osíndios de serem “ingovernáveis” e “enfermos”. Discutia-se a necessidade de uma política imigratória para atrair europeus ao país. Era a aplicação do “racismo científico” na sociedade peruana defendida por muitos políticos e intelectuais – ainda que alguns tenham não só discordado mas também alimentado uma forte discussão nacionalista e anti-racista no país (veja o quadro “Em defesa dos índios”).
Caso mal resolvido
Mais que tudo, a Guerra do Pacífico abriu para o Peru e para a Bolívia uma discussão sobre a sua própria identidade. A Bolívia trilhou um caminho mais complicado que o Peru. O país ficou arrasado com o conflito e posteriormente entrou em disputas territoriais com o Brasil (a questão do Acre) e com o Paraguai (a Guerra do Chaco), perdendo mais porções do seu território.
A Guerra do Pacífico ainda provoca problemas na região. A Bolívia nunca aceitou a perda da sua costa e, por diversas vezes, o país esteve em atritos diplomáticos com o Chile na esperança de conseguir parte de seu território de volta. Ainda hoje esse ponto é uma questão aberta. O Peru, da mesma forma, ainda demonstra ressentimento com a perda territorial e a humilhação ante o Chile. E o Chile se mantém decidido a jamais devolver esses territórios aos seus prejudicados vizinhos.
Revista Desvendando a História
Temos convicções que a derrota da Bolivia foi em decorrência dos interesses econômicos dos imperialistas do reino unido, em aliança com os mercenários chilenos.Não é possível ver de outra forma, pois não fosse esse conluio, certamente os chilenos não seriam vitoriosos.
ResponderExcluirtenho a convicção de nós, os sul americanos em geral, temos de culpar o primeiro mundo por nossas falhas de caráter e subdesenvolvimento mental. a guerra do pacífico foi resultante da divisão territorial tosca da região entre 3 ex colonias da Espanha.O salitre vem depois, como motivo. O Chile ganharia fácil, mesmo hoje
ResponderExcluirÉ igual a gerra do Paraguai, eles nos atacaram, eram uma ditadura sanguinária e personalista, mandaram suas crianças para a frente de batalha.E para uns isto foi um genocídio no qual o Brasil tem 100% de culpa, ou foi" em decorrência dos interesses econômicos dos imperialistas do reino unido". Se ignorância histórica matasse, teríamos poucos gênios no Brasil
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