terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Rússia, condenada ao autoritarismo?

edição 53 - Março 2008

O governo centralizador do presidente Vladimir Putin reacendeu o debate sobre o espaço da democracia diante de uma tradição de regimes de força que marca a história política do país
por Angelo Segrillo


Putin discursa em Moscou, em 2003: para alguns, o ex-agente da KGB pode se tornar o czar do século XXI

A chegada ao poder de Putin com um modelo centralizador e autoritário de governo trouxe de novo à baila o tema do autoritarismo na Rússia. Estaria esse país condenado a não conseguir uma democracia plena e seguir sempre regimes de força?

Os defensores de tal visão apontam para a experiência histórica do país. O czarismo, até o início do século XX, era uma autocracia absoluta. Partidos políticos, uma Constituição e um parlamento (Duma) só foram legalizados, a contragosto, durante a chamada Revolução de 1905. Desde então, até 1917, a Rússia teoricamente passara a ser uma monarquia constitucional. Mas, na prática, o regime era autoritário, pois o czar podia dissolver a Duma a qualquer momento, havia censura à imprensa etc. Após 1917, o comunismo soviético também foi um regime autoritário (totalitário, segundo alguns). Assim, antes da abertura de Gorbachev o único período em sua história em que a Rússia foi um país democrático foi entre as revoluções de fevereiro (democrático-burguesa) e de outubro (socialista) de 1917. Neste período o czarismo caíra, todos os partidos tinham liberdade de ação e a imprensa era livre. Mas os críticos afirmam que esta foi a liberdade provinda da anarquia, já que o período foi caótico, com governos provisórios e duplo poder. Os anos 90, sob Yeltsin, deram esperança de que a Rússia pudesse seguir o caminho de uma verdadeira democracia pluralista. Apesar da crise econômica e o seriíssimo episódio autoritário do canhoneio do parlamento em 1993, de maneira geral a imprensa era livre e os partidos atuavam livremente.

A chegada de Putin ao poder, com seu regime centralizador e algo autoritário, fez os críticos retomarem o velho tema: “Viu? a democracia não consegue fincar raízes sólidas na Rússia”.

Como avaliar esse legado? Haverá mesmo esse determinismo pairando sobre o povo de Dostoievski?

Sem negar o peso dos legados culturais, é importante notar que a história demonstra não haver fardos tradicionais que a modernidade (ou pós-modernidade) não consiga, para o bem ou para o mal, romper. Povos que se diziam condenados havia séculos ao imobilismo “de repente” mostram um dinamismo impressionante (veja-se o caso da China atual). A Rússia já demonstrou seu potencial para transformações radicais, com rupturas profundas com o passado, como no caso da revolução soviética em 1917. A própria perestroika de Gorbachev rompeu o estereótipo do totalitarismo soviético como um regime fechado e impermeável a mudanças de dentro. Assim, os russos saberão encontrar seu próprio caminho. Não será por um aprisionamento do passado que a democracia não será possível no pais. Se há algo que a historia ensina é que o passado não aprisiona o futuro.

Angelo Segrillo é professor de história contemporânea da Ásia na USP. Especialista em Rússia e Eurásia, é autor de O declínio da URSS: um estudo das causas (Record, 2000) e de O fim da URSS e a nova Rússia (Vozes, 2000), entre outros livros.

Revista História Viva

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