segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Reforma Pereira Passos



AVENIDA Central, c.1910. Coleção Gilberto Ferrez. Foto: Marc Ferrez. In: PARENTE, José Inácio e MONTE-MÓR, Patrícia (Orgs.). Rio de Janeiro: Retratos de Cidade. Rio de Janeiro: Interior Produções, c.1994. 176p.

No alvorecer do século XX, o Rio de Janeiro enfrentava graves problemas sociais, decorrentes, em larga medida, de seu crescimento rápido e desordenado. Com o declínio do trabalho escravo, a cidade passara a receber grandes contingentes de imigrantes europeus e de ex-escravos, atraídos pelas oportunidades que ali se abriam ao trabalho assalariado. Entre 1872 e 1890, sua população duplicou, passando de 274 mil para 522 mil habitantes.

O incremento populacional e, particularmente, o aumento da pobreza agravaram a crise habitacional, traço constante da vida urbana no Rio desde meados do século XIX. O epicentro dessa crise era ainda, e cada vez mais, o miolo do Rio – a Cidade Velha e suas adjacências – , onde se multiplicavam as habitações coletivas e onde eclodiam as violentas epidemias de febre amarela, varíola, cólera-morbo que conferiam à cidade fama internacional de porto sujo.


VENDEDORES ambulantes, c.1895. Coleção Gilberto Ferrez. Foto: Marc Ferrez. In: PARENTE, José Inácio e MONTE-MÓR, Patrícia. Rio de Janeiro: Retratos de Cidade. Rio de Janeiro: Interior Produções, c.1994. 176p.

Não por acaso, os higienistas foram os primeiros a formular um discurso articulado sobre as condições de vida na cidade, propondo intervenções mais ou menos drásticas para restaurar o equilíbrio daquele "organismo" doente. O primeiro plano urbanístico para o Rio de Janeiro foi elaborado entre duas epidemias muito violentas (1873 e 1876), mas uma ação concreta nesse sentido levaria cerca de três décadas para se realizar. Foi a estabilidade político-econômica, a duras penas alcançada no governo Campos Sales (1898-1902), que permitiu ao seu sucessor, Rodrigues Alves, promover, entre 1903 e 1906, o ambicioso programa de renovação urbana da capital.

Tratada como questão nacional, a reforma urbana sustentou-se no tripé saneamento – abertura de ruas – embelezamento, tendo por finalidade última atrair capitais estrangeiros para o país. Era preciso sanear a cidade e, para isso, as ruas deveriam ser necessariamente mais largas, criando condições para arejar, ventilar e iluminar melhor os prédios. Ruas mais largas estimulariam igualmente a adoção de um padrão arquitetônico mais digno de uma cidade-capital.

As obras de maior vulto - a modernização do porto, a abertura das avenidas Central (A. Rio Branco) e do Mangue – e o saneamento foram assumidas pelo governo federal. A demolição do casario do centro antigo, a abertura e o alargamento de diversas ruas e o embelezamento de logradouros públicos foram atribuídos à prefeitura da capital.


LARGO do Depósito. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 1904. In: História dos Bairros: Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Zona Portuária. Rio de Janeiro: Editora Index, João Fortes Engenharia, 1987.

Apoiada nas idéias de civilização, beleza e regeneração física e moral, a reforma promoveu uma intensa valorização do solo urbano da área central, atingindo como um cataclisma a população de baixa renda que ali se concentrava. Cerca de 1.600 velhos prédios residenciais foram demolidos. Parte considerável da imensa massa atingida pela remodelação permaneceria no centro, em suas franjas e fendas deterioradas, pois, apesar do rápido crescimento da zona norte e dos subúrbios, essas áreas não constituíam alternativa de moradia para os que sobreviviam de biscates ou recebiam diárias irrisórias. Serviam apenas aos que possuíam remuneração estável e suficiente para as despesas de transporte, aquisição de terreno, construção ou aluguel de uma casa.

Nesse contexto aflorou na paisagem do Rio, ao lado das tradicionais habitações coletivas que se disseminaram nas áreas adjacentes ao centro (Saúde, Gamboa e Cidade Nova), uma nova modalidade de habitação popular: a favela. Em fins de 1905, uma comissão nomeada pelo governo federal para examinar o problema das habitações populares constatou que as demolições de prédios iam muito além de todas as expectativas, forçando a população a "ter a vida errante dos vagabundos e, o que é pior, a ser tida como tal". O relatório da mesma comissão fazia referência ao Morro da Favela (atual Providência) – "pujante aldeia de casebres e choças, no coração mesmo da capital da República, a dois passos da Grande Avenida" – que emprestaria seu nome ao, até hoje, mais destacado ícone da segregação social no espaço urbano da cidade.


TRANSPORTE de café na Rua do Acre. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1908. In: História dos Bairros: Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Zona Portuária. Rio de Janeiro: Editora Index, João Fortes Engenharia, 1987.

A reforma da capital constituiu, sem dúvida, uma ruptura no processo de urbanização do Rio de Janeiro, um ponto de inflexão no qual a "cidade colonial" cedeu lugar, de forma definitiva à "cidade burguesa", moderna, do século XX, que tinha como parâmetros as metrópoles européias. Em novembro de 1906, quando Rodrigues Alves Passou a faixa presidencial a Afonso Pena, o Rio – remodelado e saneado – já era apresentado como "a cidade mais linda do mundo", a "cidade maravilhosa".

http://www2.prossiga.br/ocruz/riodejaneiro/reforma/reformaurbana.htm

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