terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A paz, o poder e a bomba

edição 45 - Julho 2007

A história da conferência que armou o cenário para a Guerra Fria
por Igor Fuser

Biblioteca Presidencial Truman

Churchill (à esq.), Truman (centro) e Stálin (à dir.) durante a Conferência de Postdam

A paisagem devastada de Berlim após a derrota nazista foi o cenário da Conferência de Potsdam, histórico encontro que reuniu os chefes das três potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial – o presidente americano Harry Truman, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e o líder soviético Josef Stálin. Paz em Berlim, de Charles L. Mee, Jr., relata as duas semanas em que os três se dedicaram a uma sucessão de blefes e bravatas para, ao final, se limitarem a ratificar a divisão da Europa em dois campos de influência, o americano e o soviético. Sacramentaram, assim, as linhas de demarcação da Guerra Fria.

O lance mais importante em Postdam, no entanto, não ocorreu na mesa de negociações, e sim em um dos muitos momentos de descontração entre os três dirigentes. Às 19h30 do dia 24 de julho, ao final de uma sessão plenária sem novidades, Truman se dirigiu a Stálin, como quem não quer nada, travando com ele um rápido diálogo. O assunto: a bomba atômica que os Estados Unidos haviam explodido oito dias antes, em segredo, em um deserto do Novo México.

A conversa nada tinha de casual – vinha sendo cuidadosamente preparada por Truman. O presidente discutira com Churchill um meio de informar o ditador soviético sobre a existência da bomba de tal modo que Stálin não percebesse as implicações da nova arma para o panorama estratégico e, ao mesmo tempo, não pudesse mais tarde acusar os americanos de terem sido desleais com seus aliados. Nem Truman nem Churchill sabiam, na ocasião, que Stálin já tinha conhecimento do Projeto Manhattan, por intermédio de seu espião Klaus Fuchs, presente à explosão inaugural em Alamogordo.
Na avaliação de Charles Mee, o breve diálogo em Potsdam assinala o momento exato em que começou a corrida armamentista nuclear. A liderança norte-americana tinha plena consciência de que, àquela altura da guerra no Pacífico, a derrota japonesa já estava consumada. O autor do livro endossa a tese de que a intenção de Truman de jogar a bomba foi, mesmo, intimidar os soviéticos. Em nome desse objetivo, o presidente ignorou as ponderações do seu secretário da Guerra, Henry Stimson, que tentou inutilmente convencê-lo a facilitar a rendição japonesa. A insistência de Truman em exigir do Japão a rendição incondicional em termos humilhantes, visava prolongar os combates até que houvesse condições técnicas de lançar a bomba.


Paz em Berlim é um retrato da frieza e cinismo que constituem a essência da Realpolitik. Lendo o livro é impossível não compartilhar o desconforto que o médico pessoal de Churchill, lorde Charles Moran, manifestou após ser informado sobre a existência da bomba atômica. “Certa vez” escreveu no seu diário, ao sair de uma conversa com o primeiro-ministro em Potsdam, “dormi numa casa em que houvera um assassinato. Sinto-me assim, aqui”.

Igor Fuser É jornalista

Revista Historia Viva

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