segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

As cartas da guerra


Rússia, 14 de Novembro de 1915


Querida Manuela,
Se estás a ler esta carta significa que ainda estou vivo, que não tive a mesma sorte que alguns companheiros meus. Só consigo sobreviver porque estou confiante em te ver outra vez.
Desde a ceia até à pernoita com honrados companheiros a serem devorados por ratazanas, que têm melhor aspecto que aquilo que nos dão como comida.
Onde estou localizado nem posso considerar o meu bem-estar pois o meu colchão é de lama misturado com cadáveres, e os meus lençóis são os seus uniformes.
Neste confronto não vejo vitória para nenhuma das vertentes, existem baixas materiais e humanas irremediáveis pelo que as duas frentes disparam com tudo o que têm até acabar as munições, após isto, segue-se a estupidez do rescaldo em que uma vertente dirige os seus soldados para contagem de baixas de outra vertente e neste momento começa o banho de sangue, e tudo o que podemos fazer é combater. Enquanto os ditos senhores da guerra, verdadeira alma do combate, se encontram noutra batalha importantíssima em que as suas armas, faca e garfo de prata, assassinam pedaços de carne assada e o sangue dessa batalha é derramado pelas uvas pisadas para formar um óptimo vinho.
Esta batalha não tem fim, espero voltar a ver-te em breve...
Beijos saudosos,

Guilherme Sá





França, 20 de Abril de 1917


Querida mãe,

Espero que estejam todos bem.
Eu estou deserto que esta guerra acabe ou que me mandem para casa são e salvo.
Todos os dias morrem companheiros meus, todos os dias são retirados das trincheiras feridos em muito mau estado. Tanta gente a sofrer por terem morto o herdeiro ao trono Austro-Húngaro.
Aqui falta tudo. A alimentação é horrível, só comemos sopas de legumes, ainda por cima sem gosto. Os legumes são tão rijos que parecem arame farpado.
Sem falar na higiene. Há quem tenha piolhos. Quem tenha sido mordido por carraças, ficando depois doente. As enfermeiras ficam com medo de cuidarem de nós por causa dos piolhos.
Mas tenho a certeza que tudo irá acabar bem para mim e que voltarei brevemente para o pé de si. Tenho muitas saudades suas.
Reze por mim, assim como eu rezo por si.
Beijos do seu filho que a adora.

António Silva

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