terça-feira, 12 de junho de 2012

OS 80 ANOS DA REVOLUÇÃO PAULISTA


Ricardo Barros Sayeg

Em 23 de maio de 1932, estudantes reuniram-se na região central de São Paulo com o objetivo de se manifestarem contra o governo de Getúlio Vargas. Naquela data, quatro deles foram mortos pelas forças leais ao presidente da República. Isso causou enorme comoção popular. Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, os MMDC, tornaram-se símbolos da Revolução que eclodiria em seguida, a Revolução Constitucionalista de 1932.

Todos os anos, aqueles que ainda estão vivos e participam desse glorioso acontecimento da história paulista e do Brasil, marcham em frente ao Obelisco do parque do Ibirapuera, em São Paulo, rememorando os acontecimentos. No Obelisco, encontram-se os restos mortais dos militares e civis que participaram da Revolução. É um monumento àqueles que tombaram naquele interessante episódio da história nacional.

Em 9 de julho de 1932, inicia-se a rebelião armada contra o governo de Getúlio Vargas, que havia se instalado em 1930, prometendo eleições diretas para o cargo de presidente da República, mas até 1932 não havia convocado o pleito. A população paulista se mobiliza. Milhares de pessoas de todas as classes sociais se unem para ajudar financeiramente a Revolução doando ouro e joias para o movimento. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) organiza as empresas paulistas a fim de fabricar armamento militar. Organizações da sociedade civil também participam da Revolução, fornecendo alimentos e fardas para os contingentes militares.

Um grande número de civis ingressa espontaneamente no movimento e o corpo de infantaria é transferido para três grandes frentes de batalha, no limite de São Paulo com os estados do Paraná, Minas Gerais e também no Vale do Paraíba, próximo à fronteira com o Rio de Janeiro.

Isidoro Dias Lopes, Bertoldo Klinger e Euclydes Figueiredo, principais líderes do movimento, sabiam da superioridade das tropas ligadas a Vargas. Minas Gerais e Rio Grande do Sul prometeram ajuda, mas o apoio não chegou a tempo. Exauridas e cercadas por todos os lados, as tropas paulistas anunciaram sua rendição em 3 de outubro de 1932.

A Revolução Paulista de 1932 tem, pelo menos, duas interpretações: era uma revolta legítima pela convocação de uma constituição para o Brasil ou era a tentativa dos paulistas retornarem ao poder do qual haviam sido tirados pelo próprio Getúlio Vargas com a Revolução de 1930. Entretanto, isso não tira o mérito da Revolução, nem sua importância histórica.

Seja como for, os paulistas que, no século XVII, foram responsáveis pela expansão do Brasil graças ao movimento bandeirante, provavam mais uma vez sua coragem e determinação no sentido de enfrentar um governo que só aprovaria uma constituição para o país em 1934 e, três anos depois, instalaria, como previam os paulistas, uma ditadura no Brasil.

Ricardo Barros Sayeg. Mestre em Educação (USP). Formado em História e Pedagogia pela mesma universidade. É diretor de escola da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.  Professor de História do Colégio Paulista. 

domingo, 10 de junho de 2012

Rapidinhas ... Cesaropapismo



Submetida ao imperador bizantino, a igreja de Constantinopla se mantinha autônoma em relação ao patriarca de Roma (o Papa). O mesmo ocorreu em outras sedes da igreja oriental, incluindo partes da Europa do leste, onde os patriarcas eram autônomos e só formalmente subordinadas ao patriarca de Roma. Nos territórios de Bizâncio, a maior autoridade da igreja era o imperador. Portanto, desde o início da Idade Média, ou mesmo antes, as igrejas do Ocidente e do Oriente eram separadas. No entanto, a ruptura total somente se consumaria com o Grande Cisma do Oriente, no século XI, com a fundação da igreja ortodoxa ou igreja grega, que conheceu diversas ramificações.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Música - Sociedade e cultura


O Brasil de JK
A renovação da música popular brasileira se estabeleceu em torno do ano de 1958 e ficou conhecida com o nome de "bossa nova". Segundo o poeta e crítico Augusto de Campos, a canção "Hino ao Sol" (1955), com música de Antônio Carlos Jobim, foi a primeira composição a se integrar, mesmo por antecipação, na nova concepção musical que iria se firmar três anos depois. Já então era intensa a movimentação musical na cidade do Rio de Janeiro, e despontavam alguns dos nomes que viriam a se consagrar nas décadas seguintes.
Incorporando à canção brasileira algumas manifestações da música popular estrangeira - sobretudo ritmos norte-americanos como o do jazz e de algumas de suas modalidades como obe-bop -, a bossa nova trazia consigo não só uma nova forma de interpretação em tom intimista, mas também um novo ritmo e uma estreita integração entre a letra e a música das canções. Além disso, havia uma intenção de revitalizar a música brasileira retomando canções populares nacionais.
A indústria do disco em franca expansão logo divulgaria a produção musical dos maiores nomes desse movimento: o compositor Antônio Carlos Jobim - que musicou versos do poeta Vinicius de Moraes - e o cantor João Gilberto, que se tornava o intérprete mais importante da bossa nova. Nascido no Rio de Janeiro, o movimento de início se expandiu em apresentações em casas noturnas de Copacabana, na Zona Sul da cidade, até chegar, no fim da década, ao circuito universitário.
O disco Canção do amor demais (1958), da cantora Elisete Cardoso, é considerado o momento inaugural da bossa nova por ser todo ele composto por canções da dupla Tom Jobim e Vinícius de Morais, e sobretudo pelo fato de em algumas faixas João Gilberto acompanhar Elisete ao violão com uma nova "batida". A canção "Desafinado" (1958), de Tom Jobim e Newton Mendonça, introdutora da dissonância na música popular brasileira, é também uma das canções inaugurais do movimento. Faz parte do primeiro disco de João Gilberto, Chega de saudade, um sucesso de vendas.
A consonância da bossa nova com o espírito moderno que o governo Juscelino Kubitschekpretendia imprimir ao país levou o presidente a convidar Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Morais a compor Brasília, sinfonia da Alvorada, para que fosse executada na inauguração da nova capital, o que acabou, contudo, não ocorrendo.
Na conjuntura do fim da década de 1950, a expressão "bossa nova" tornou-se sinônimo de qualquer atitude ou manifestação identificada com o novo e o moderno. O próprio Juscelino Kubitschek, o homem que queria modernizar o Brasil, foi chamado de "presidente bossa nova".
Mônica Almeida Kornis
FGV - CPDOC

Rádio - Sociedade e cultura


O Brasil de JK
Às 20 horas da noite de 8 de janeiro de 1951 entrava no ar, pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o primeiro capítulo de O direito de nascer, do cubano Félix Caignet. A mais famosa novela da história do rádio brasileiro ficou em cartaz até setembro de 1952, perfazendo um total de 260 capítulos. No ano seguinte, a Nacional inaugurava um novo estúdio de radioteatro, com recursos tais que foi considerado na época o melhor do mundo. Sob o patrocínio de Melhoral e do Leite de Magnésia de Philips, também em 1953 estreou a série Jerônimo, o herói do sertão, de Moysés Weltman, que ficaria no ar até 1967.
Juscelino Kubitschek recebe artistas e diretores da Rádio Nacional: Marlene, Ivon Cúri, Wilson Grey. Rio de Janeiro,  5 set. 1956Durante toda a década de 1950 as dramatizações eram componentes-chaves da programação das principais emissoras do país. Do cast da Rádio Nacional faziam parte os artistas mais famosos, campeoníssimos dos concursos de "Melhores do Rádio", realizados periodicamente pelas revistas especializadas, como a Revista do Rádio e a Radiolândia. A Rádio Mayrink Veiga contava com um elenco de radioteatro de 26 pessoas, além de quatro estúdios, um auditório, uma orquestra com 41 músicos e um conjunto regional.
Outro elemento central do padrão de entretenimento radiofônico que a Nacional consagrou e, em grande medida, impôs às concorrentes era o programa de auditório. Forçada por um incêndio, a Rádio Tupi, ainda na avenida Venezuela, remodelou inteiramente seu auditório, aumentando sua capacidade para 1.600 pessoas, o que lhe valeu o apelido de "o Maracanã dos auditórios". Além dele, a emissora de Assis Chateaubriand contava com três estúdios, três orquestras, dois conjuntos regionais e um enorme quadro de artistas e locutores.
O uso político das ondas sonoras não foi menos significativo. Ocupando, no início da década, o quarto lugar na disputa pela audiência no Rio de Janeiro, a Rádio Globo inovava com programas como a Tribuna política, com depoimentos das principais lideranças parlamentares. Outro destaque de sua programação era o Conversa em família, onde, à maneira de uma conversa familiar à mesa do jantar, eram debatidos os principais assuntos políticos.
Juscelino Kubitschek recebe os melhores do Rádio de 1955. Entre eles, Angela Maria, César de Alencar e Luís Jatobá. Rio de Janeiro, 5 jul. 1956O radiojornalismo não se limitava, porém, às campanhas políticas nacionais. Na segunda metade da década, a mesma Farroupilha destacou-se na cobertura internacional de crises como a do canal de Suez, durante o conflito entre Egito e Israel, com transmissões ao vivo e troca de mensagens entre os pracinhas do contingente de paz brasileiro e seus familiares no Brasil.
Outra emissora a investir e a inovar nesse setor foi a Jornal do Brasil, com a inauguração, em 1959, de um serviço de utilidade pública que trazia informações aos ouvintes, como endereços de serviços públicos, e ajudava na aquisição de remédios etc. A estratégia da JB completava-se com uma programação musical baseada em discos. A rádio, além disso, foi uma das primeiras a apoiar o movimento da bossa nova e a divulgar a nova música popular brasileira, instituindo um prêmio ao compositor revelação do ano.
Também a Rádio Tamoio fazia sucesso à época com uma programação dedicada à música, com o uso de discos. Já a Rádio Ministério da Educação teve várias orquestras, como a sinfônica, de câmara, de sopros e a afro-brasileira, além de um quarteto vocal e outro de cordas, um conjunto de música antiga, um coral, um trio, vários duos e um quadro de solistas. Além disso, a emissora estatal gravava discos para irradiação em emissoras estrangeiras e investia em programas educativos, como o Colégio do Ar, que, em convênio com a Divisão de Ensino Secundário do MEC, conferia anualmente centenas de diplomas a jovens e adultos.
As mudanças enfrentadas pelo meio, principalmente em função da concorrência crescente da televisão, conduziram a uma série de novas experiências de gestão e programação. A Rádio Globo, por exemplo, criou um dos formatos mais bem-sucedidos, centrado na figura do comunicador: um verdadeiro mestre-de-cerimônias, com liberdade e capacidade de improvisação, além de forte empatia com os ouvintes.
Estas e outras inovações foram decisivas para que o rádio se preparasse para enfrentar os difíceis novos tempos que, na passagem dos anos 50 para os anos 60, trouxeram o declínio do modelo de programação centrado em música ao vivo e novelas, que havia sido a base do sucesso da Rádio Nacional.
Fernando Lattman-Weltman
FGV - CPDOC

DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda



Getúlio Vargas, o amigo das crianças, publicado pelo DIP em novembro de 1940.* Com o objetivo de aperfeiçoar e ampliar as atividades do Departamento Nacional de Propaganda, Vargas criou, em dezembro de 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda, extinguindo, através do mesmo decreto, o DNP. A direção geral do novo departamento permaneceu nas mãos de Lourival Fontes, diretor do antigo órgão.
A partir da criação do DIP, todos os serviços de propaganda e publicidade dos ministérios, departamentos e estabelecimentos da administração pública federal e entidades autárquicas passaram a ser executados com exclusividade pelo órgão, que também organizava e dirigia as homenagens a Vargas, constituindo o grande instrumento de promoção pessoal do chefe do governo, de sua família e das autoridades em geral. O DIP tornou-se o órgão coercitivo máximo da liberdade de pensamento e expressão durante o Estado Novo e o porta-voz autorizado do regime.

Comemorações do Estado Nacional, 1937 - 1942, na voz das classes e na palavra do chefe, publicado pelo DIP em 1943.
De acordo com o decreto que lhe deu origem, tinha como principais objetivos centralizar e coordenar a propaganda nacional, interna e externa, e servir como elemento auxiliar de informação dos ministérios e entidades públicas e privadas; organizar os serviços de turismo, interno e externo; fazer a censura do teatro, do cinema, das funções recreativas e esportivas, da radiodifusão, da literatura social e política e da imprensa; estimular a produção de filmes educativos nacionais e classificá-los para a concessão de prêmios e favores; colaborar com a imprensa estrangeira para evitar a divulgação de informações nocivas ao país; promover, organizar e patrocinar manifestações cívicas e festas populares com intuito patriótico, educativo ou de propaganda turística, assim como exposições demonstrativas das atividades do governo, e organizar e dirigir o programa de radiodifusão oficial do governo.
Para a execução dessa grande e complexa tarefa, as atividades do DIP distribuíam-se entre cinco divisões. A divisão de divulgação tinha sob sua competência as atividades de elucidação da opinião nacional sobre as diretrizes doutrinárias do regime e o combate, por todos os meios, à penetração e disseminação de qualquer idéia perturbadora da unidade nacional.

Uma grande data, publicado pelo DIP em 1941, em comemoração ao aniversário de Getúlio Vargas.
Competia à divisão de rádio, de acordo com regulamento do DIP, levar aos ouvintes radiofônicos nacionais e estrangeiros, por intermédio da radiodifusão oficial, tudo o que lhes pudesse fixar a atenção sobre as atividades brasileiras em todos os domínios, fazer a censura prévia de programas radiofônicos e de letras a serem musicadas e organizar o programa Hora do Brasil.
À divisão de teatro e cinema cabiam as funções de censurar previamente e autorizar ou interditar todos os filmes e representações teatrais em todo o território nacional; publicar no Diário Oficial a relação de peças e filmes censurados, acompanhados de suas características e do resumo do julgamento; incentivar e promover facilidades econômicas às empresas nacionais produtoras e aos distribuidores de filmes em geral, e instituir, permanentemente, um cinejornal, filmado em todo o Brasil e com motivos genuinamente brasileiros, o que deu origem ao Cinejornal brasileiro, distribuído nos cinemas de todo o país.
Sobre a divisão de imprensa recaía uma das mais importantes funções do DIP - a censura à imprensa.
Contando com uma estrutura bastante complexa, a eficácia do DIP na realização de seus fins se fez sentir rapidamente. O culto à personalidade e a construção de imagens idealizadas de Getúlio Vargas veiculadas pelo DIP - como, por exemplo, a de "pai dos pobres" - ajudaram a consolidar em pouco tempo o poder do ditador.
O DIP promoveu concursos de monografias, garantindo às obras premiadas, nitidamente de caráter apologético, publicação e divulgação por todo o país. Inúmeros folhetos explicativos do novo regime e que divulgavam a obra do governo, principalmente no campo da legislação trabalhista, marcaram a atuação doutrinária do órgão. O DIP patrocinou também concursos de música popular e foi num deles que Aquarela do Brasil, de autoria de Ari Barroso, recebeu o primeiro lugar. Além disso, cabia ao DIP distribuir a fotografia oficial do presidente Vargas, não só nas repartições públicas, mas também em colégios, clubes, estações ferroviárias, casas comerciais, etc.

Capa de um número da revista Cultura Política, 19 de abril de 1944.
Ainda dentro da área de divulgação do ideário estadonovista, o DIP lançou diversas publicações, entre as quais a de maior destaque foiCultura Política - Revista Mensal de Estudos Brasileiros. A revista tinha como propostas principais a promoção de nova concepção de cultura, unificando a ordem política e social sob a égide do Estado, e o esclarecimento do rumo das transformações políticas e sociais em curso no país. Por outro lado, as relações do DIP com a imprensa caracterizaram-se sempre pela ocorrência de numerosos atritos. Já em março de 1940, registrou-se um dos casos mais notórios de intervenção em jornais, com a invasão pela polícia de O Estado de S. Paulo; o jornal permaneceu sob intervenção do DIP até o final do Estado Novo.
Ainda em 1940, o DIP teve seu poder ampliado com a instalação, em cada estado do país, de um Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP), com suas mesmas atribuições.
O poder do DIP começou a ruir com a proximidade do fim da guerra e a vitória dos aliados. Avaliada a inexeqüibilidade dos objetivos para os quais havia sido criado, e diante da crescente pressão popular pelo fim de todos os órgãos cerceadores da liberdade criados durante a vigência do Estado Novo, o DIP foi extinto em 25 de maio de 1945.
Rejane Araújo

* Texto extraído do verbete Departamento de Imprensa e Propaganda do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro
Para saber mais:
Sugerimos a leitura do verbete Departamento de imprensa e propaganda (DIP), que se encontra disponível no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro.
Muitos outros textos sobre o tema podem ser consultados no dossiê Navegando na História - A era Vargas (1º tempo), particularmente o módulo Anos de Incerteza, temaEducação, Cultura e Propaganda.
Documentos e informações relacionadas ao assunto estão disponíveis on-line. Basta realizar a consulta em nossa base de dados Accessus.
Dica: na consulta, escolha TODOS OS ARQUIVOS, clique no tipo de documento desejado, selecione da lista de assuntos DIP (ou Departamento de Imprensa e Propaganda) e em seguida execute a pesquisa.
Para complementar, o Programa de História Oral possui em seu acervo algumas entrevistas cujos entrevistados falam sobre este assunto. Para saber quais são elas, faça a consulta na base de entrevistas selecionando novamente DIP no campo Assunto.
FGV - CPDOC

A revolta comunista de 1935



Luís Carlos Prestes, ao centro, na prisão em 1941.Em março de 1935 foi criada no Brasil a Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização política cujo presidente de honra era o líder comunistaLuís Carlos Prestes. Inspirada no modelo das frentes populares que surgiram na Europa para impedir o avanço do nazi-fascismo, a ANL defendia propostas nacionalistas e tinha como uma de suas bandeiras a luta pela reforma agrária. Embora liderada pelos comunistas, conseguiu congregar os mais diversos setores da sociedade e rapidamente tornou-se um movimento de massas. Muitos militares, católicos, socialistas e liberais, desiludidos com o rumo do processo político iniciado em 1930, quandoGetúlio Vargas, pela força das armas, assumiu a presidência da República, aderiram ao movimento.
Pedro Ernesto na prisão.Com sedes espalhadas em diversas cidades do país e contando com a adesão de milhares de simpatizantes, em julho de 1935, apenas alguns meses após sua criação, a ANL foi posta na ilegalidade. Ainda que a dificuldade para mobilizar adeptos tenha aumentado, mesmo na ilegalidade a ANL continuou realizando comícios e divulgando boletins contra o governo. Em agosto, a organização intensificou os preparativos para um movimento armado com o objetivo de derrubar Vargas do poder e instalar um governo popular chefiado por Luís Carlos Prestes. Iniciado com levantes militares em várias regiões, o movimento deveria contar com o apoio do operariado, que desencadearia greves em todo o território nacional.
Manifestação de apoio a Pedro Ernesto no dia de seu julgamento. Setembro de 1937.O primeiro levante militar foi deflagrado no dia 23 de novembro de 1935, na cidade de Natal. No dia seguinte, outra sublevação militar ocorreu em Recife. No dia 27, a revolta eclodiu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Sem contar com a adesão do operariado, e restrita às três cidades, a rebelião foi rápida e violentamente debelada. A partir daí, uma forte repressão se abateu não só contra os comunistas, mas contra todos os opositores do governo. Milhares de pessoas foram presas em todo o país, inclusive deputados, senadores e até mesmo o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto Batista.
Manifestação de apoio a Pedro Ernesto no dia de seu julgamento. Setembro de 1937.A despeito de seu fracasso, a chamada revolta comunista forneceu forte pretexto para o fechamento do regime. Depois de novembro de 1935, o Congresso passou a aprovar uma série de medidas que cerceavam seu próprio poder, enquanto o Executivo ganhava poderes de repressão praticamente ilimitados. Esse processo culminou com o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, que fechou o Congresso, cancelou eleições e manteve Vargas no poder. Instituiu-se assim uma ditadura no país, o chamado Estado Novo, que se estendeu até 1945.
Dulce Chaves Pandolfi
Para saber mais:
Sugerimos a leitura de alguns verbetes que se encontram disponíveis no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, tais como: Luis Carlos PrestesGetúlio VargasEstado Novo.
Muitos outros textos sobre o tema podem ser consultados no dossiê Navegando na História - A era Vargas (1º tempo), particularmente o módulo Anos de Incerteza, tema Radicalização política.
Documentos e informações relacionadas ao assunto estão disponíveis on-line. Basta realizar a consulta em nossa base de dados Accessus.
Dica: na consulta, escolha TODOS OS ARQUIVOS, clique no tipo de documento desejado, selecione no campo Assunto palavras ligadas ao tema, por exemplo, Revolta comunista(ou Levante comunista ou Intentona comunista) e em seguida execute a pesquisa.
FGV - CPDOC

Estado Novo - um golpe na democracia


Estado Novo
Constituição de 1937. Constituição de 1937, Rio de Janeiro (RJ).Com a promulgação da Constituição de 1934, chegou ao fim o chamado governo provisório instaurado com a vitória da Revolução de 1930. A nova Constituição, elaborada por uma Assembléia Nacional Constituinte, introduziu no país uma nova ordem jurídico-política que consagrava a democracia, com a garantia do voto direto e secreto, da pluralidade sindical, da alternância no poder, dos direitos civis e da liberdade de expressão dos cidadãos. Particularmente para as mulheres, a Constituição de 1934 representou uma enorme conquista: pela primeira vez, tornavam-se eleitoras e elegíveis. Mas a Constituição durou pouco. Três anos depois, antes mesmo que a primeira eleição que elegeria o novo presidente se realizasse, Getúlio Vargas deu um golpe para manter-se no poder e instaurou uma ditadura, conhecida como Estado Novo. 

Getúlio Vargas ao centro segurando a bandeja.
Assim, em 10 de novembro de 1937, foi outorgada uma nova Constituição, idealizada e redigida pelo ministro da Justiça, Francisco Campos. A nova Carta incluía vários dispositivos semelhantes aos encontrados em constituições de regimes autoritários vigentes na Europa, como as de Portugal, Espanha e Itália. Com o Congresso Nacional fechado e com a decretação de rigorosas leis de censura, Vargas pôde conduzir o país sem que a oposição pudesse se expressar de forma legal. 

Trecho do Manifesto dos Mineiros.
Para os construtores desse novo Estado, era preciso deixar para trás aquilo que seria o causador de todos os males da nação - o liberalismo. Para eles, a decretação do Estado Novo era o complemento da Revolução de 1930, cujos ideais estavam sendo traiçoeiramente atingidos pela Constituição liberal de 1934. A crise da liberal-democracia exigia uma solução que somente uma poder forte, autoritário, estaria em condições de oferecer. O intervencionismo estatal iniciado em 1930, ainda que de forma não ostensiva, seria intensificado e se tornaria a marca dos novos tempos. 

Góes Monteiro
O desenvolvimento econômico através da industrialização era a grande meta estadonovista e, para viabilizar esse propósito maior, foram criados vários órgãos de apoio em áreas estratégicas, como por exemplo o Conselho Nacional do Petróleo, o Conselho Federal de Comércio Exterior, e a Coordenação de Mobilização Econômica - esta, instituída em 1942, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
O Estado Novo parece ter nascido, vivido e morrido sob a égide das transformações mundiais. Se o florescimento de regimes autoritários na Europa encorajou o presidente Vargas a instaurar no país um regime político autoritário, esse mesmo regime conheceu o apogeu e a queda sob a influência da Segunda Guerra.

Bustos de Getúlio Vargas retirados das ruas após a queda de seu governo.
A queda repentina das exportações de produtos agrícolas brasileiros, como o café, o cacau e a laranja, e a escassez de produtos essenciais importados, como o carvão, a gasolina, o óleo combustível e máquinas, exigiram uma resposta industrializante. Mas o país precisava de auto-suficiência no setor siderúrgico para poder acelerar o processo de industrialização. O apoio americano para a criação de uma grande companhia siderúrgica veio em troca do apoio brasileiro aos países aliados.
Da mesma forma que a guerra possibilitou o desenvolvimento da indústria de base, a partir da instalação da Companhia Siderúrgica Nacional em 1941, ela provocou também, ainda que indiretamente, o fim do regime ditatorial. Com a vitória dos aliados, tornava-se difícil manter no Brasil um regime autoritário. Afinal, o Brasil havia emprestado seu apoio à causa internacional da democracia. As pressões internas se faziam sentir, com manifestações em diferentes estados, desde outubro de 1943, quando foi divulgado o Manifesto dos Mineiros - documento em defesa das liberdades democráticas assinado por intelectuais, profissionais liberais e empresários.

Augusto do Amaral Peixoto conversa com Eurico Gaspar Dutra durante a campanha presidencial.
Vargas soube avaliar as dificuldades que teria para manter um governo ditatorial e começou a ceder. Assim, nos primeiros meses de 1945 foram marcadas eleições para dezembro, foi decretada a anistia e teve início o processo de reorganização dos partidos políticos, com a indicação de candidatos à presidência da República. Nessa mesma época teve início um movimento que pregava a "Constituinte com Getúlio". O avanço dos "queremistas" alertou os chefes militares para a possibilidade de Vargas vir a boicotar as eleições a fim de se manter no cargo.

Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra, em seu gabinete.
Com o intuito de evitar tal investida, em 29 de outubro de 1945 Vargas foi deposto pelas forças militares, chefiadas pelo ministro da Guerra, general Góes Monteiro. Interinamente, assumiu a presidência da República o presidente do Supremo Tribunal Federal,José Linhares. Realizadas as eleições em dezembro, o general Eurico Dutra foi eleito presidente da República, selando, assim, o fim de um dos períodos da nossa história marcados pela repressão e violação dos direitos individuais.
Suely Braga
Para saber mais:
Sugerimos a leitura de alguns verbetes que se encontram disponíveis no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, tais como: Estado NovoGetúlio VargasEurico Dutra eFrancisco Campos.
Muitos outros textos sobre o tema podem ser consultados no dossiê Navegando na História - A era Vargas (1º tempo), particularmente os módulos Anos de Incerteza eDiretrizes do Estado Novo
Outros documentos e informações relacionadas ao assunto estão disponíveis on-line. Basta realizar a consulta em nossa base de dados Accessus.
Dica: na consulta, escolha TODOS OS ARQUIVOS, clique no tipo de documento desejado, selecione no campo Assunto selecione da lista de assuntos Estado Novo.
Para complementar, o Programa de História Oral possui em seu acervo um conjunto de entrevistas com os signatários do Manifesto dos Mineiros. Para saber quais são elas, faça a consulta na base de entrevistas selecionando Manifesto dos Mineiros no campo Assunto.
As entrevistas estão transcritas e abertas à consulta no próprio CPDOC, ou caso seja de seu interesse, uma cópia poderá ser enviada pelos correios mediante despesas de reprodução e remessa.
FGV - CPDOC

AI-5. O mais duro golpe do regime militar



O AI-5
Presidente Artur da Costa e SilvaO Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados.
O ano de 1968, "o ano que não acabou", ficou marcado na história mundial e na do Brasil como um momento de grande contestação da política e dos costumes. O movimento estudantil celebrizou-se como protesto dos jovens contra a política tradicional, mas principalmente como demanda por novas liberdades. O radicalismo jovem pode ser bem expresso no lema "é proibido proibir". Esse movimento, no Brasil, associou-se a um combate mais organizado contra o regime: intensificaram-se os protestos mais radicais, especialmente o dos universitários, contra a ditadura. Por outro lado, a "linha dura" providenciava instrumentos mais sofisticados e planejava ações mais rigorosas contra a oposição.
Também no decorrer de 1968 a Igreja começava a ter uma ação mais expressiva na defesa dos direitos humanos, e lideranças políticas cassadas continuavam a se associar visando a um retorno à política nacional e ao combate à ditadura. A marginalização política que o golpe impusera a antigos rivais - Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart - tivera o efeito de associá-los, ainda em 1967, na Frente Ampla, cujas atividades foram suspensas pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, em abril de 1968. Pouco depois, o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, reintroduziu o atestado de ideologia como requisito para a escolha dos dirigentes sindicais. Uma greve dos metalúrgicos em Osasco, em meados do ano, a primeira greve operária desde o início do regime militar, também sinalizava para a "linha dura" que medidas mais enérgicas deveriam ser tomadas para controlar as manifestações de descontentamento de qualquer ordem. Nas palavras do ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares, o governo precisava ser mais enérgico no combate a "idéias subversivas". O diagnóstico militar era o de que havia "um processo bem adiantado de guerra revolucionária" liderado pelos comunistas.
A gota d'água para a promulgação do AI-5 foi o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, na Câmara, nos dias 2 e 3 de setembro, lançando um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, "ardentes de liberdade", se recusassem a sair com oficiais. Na mesma ocasião outro deputado do MDB, Hermano Alves, escreveu uma série de artigos no Correio da Manhã considerados provocações. O ministro do Exército, Costa e Silva, atendendo ao apelo de seus colegas militares e do Conselho de Segurança Nacional, declarou que esses pronunciamentos eram "ofensas e provocações irresponsáveis e intoleráveis". O governo solicitou então ao Congresso a cassação dos dois deputados. Seguiram-se dias tensos no cenário político, entrecortados pela visita da rainha da Inglaterra ao Brasil, e no dia 12 de dezembro a Câmara recusou, por uma diferença de 75 votos (e com a colaboração da própria Arena), o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves. No dia seguinte foi baixado o AI-5, que autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a: decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas-corpus. No preâmbulo do ato, dizia-se ser essa uma necessidade para atingir os objetivos da revolução, "com vistas a encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país". No mesmo dia foi decretado o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado - só em outubro de 1969 o Congresso seria reaberto, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.
Ao fim do mês de dezembro de 1968, 11 deputados federais foram cassados, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. A lista de cassações aumentou no mês de janeiro de 1969, atingindo não só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal. O AI-5 não só se impunha como um instrumento de intolerância em um momento de intensa polarização ideológica, como referendava uma concepção de modelo econômico em que o crescimento seria feito com "sangue, suor e lágrimas".
Maria Celina D'Araujo
Para saber mais:
Sugerimos a leitura de alguns verbetes que se encontram disponíveis no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, tais como: Atos Institucionais, Arena, Costa e Silva, Emílio Garrastazzu Médici.
Outros documentos e informações relacionadas ao assunto estão disponíveis on-line. Basta realizar a consulta em nossa base de dados Accessus.
Dica: na consulta, escolha TODOS ARQUIVOS, clique no tipo de documento desejado (se quiser ver mais fotos, escolha AUDIOVISUAL), selecione da lista de assuntos Atos InstitucionaisAto Institucional 5 e execute a pesquisa.
FGV - CPDOC

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Historiador rastreia trajetória de insurgentes de 1832



Nas primeiras décadas do século 19, durante as investigações do plano de uma grande rebelião escrava na Província de São Paulo, uma pintura encontrada em poder de um cativo deixou lívidos os senhores de engenho e as autoridades encarregadas de interrogar os insurgentes: a imagem representava um negro sendo coroado por um homem branco. A ousada figura, concebida pelo escravo pintor Manoel Rebolo, expressava um dos maiores temores senhoriais – a inversão completa da ordem social então vigente – e refletia a ardente esperança de alforria que alimentava o motim, até a sua descoberta e completa desarticulação. A insurreição sufocada de 1832 mobilizou centenas de cativos de nada menos que 15 engenhos de açúcar da localidade de São Carlos (hoje município de Campinas) e contou com a participação de um liberto conhecido como João Barbeiro, morador da cidade de São Paulo. O episódio da frustrada revolta e a história dos principais conspiradores são temas abordados pelo historiador Ricardo Pirola no livro Senzala insurgente (Editora da Unicamp, 304 páginas). A obra deriva da dissertação de mestrado defendida pelo autor no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, em 2005. No estudo, em que analisa a trama dos revoltosos e reconstrói suas trajetórias de vida até a conspiração, Ricardo demonstra que a família constituía o centro da organização política do grupo: os laços de parentesco estabelecidos, bem como a preservação do legado cultural centro-africano na rotina das senzalas, entre outros aspectos peculiares do perfil dos insurretos, deram coesão e sustentação ao movimento subversivo.
Na historiografia sobre o passado escravista brasileiro, inúmeros já foram os temas de análises, as fontes de pesquisa e as interpretações apresentadas. A própria insurgência na Campinas de outrora fora objeto de estudo conduzido pela pesquisadora da USP Suely Robles de Queiroz em 1977. Na ocasião, lembra Ricardo, Suely questionava a visão abrandada do cativeiro apresentada por alguns autores, responsável pela construção da imagem de um senhor de escravos benevolente e de um cativo fiel, submisso, resignado à sua sorte. A existência da trama de 1832 – que Suely resgatou a partir dos depoimentos transcritos do processo crime a que os revoltosos foram submetidos – demonstrava que os escravos não haviam sido figurantes mudos nos processos de transformações históricas em curso no Império.
A diferença fundamental entre os dois trabalhos acadêmicos separados por um arco de tempo de quase três décadas é que, enquanto Suely limitou-se a reconstituir a estruturação do plano da rebelião, Ricardo utilizou a mesma fonte como ponto de partida para uma investigação inédita acerca daquela ampla mobilização coletiva das senzalas, em que procurou reconstruir a trajetória dos escravos rebeldes até o levante.
Para elaborar a biografia coletiva dos principais dirigentes do plano, entre os 32 indiciados como os mais envolvidos no movimento, o historiador utilizou a metodologia da ligação nominativa de fontes, cruzando os nomes registrados no processo crime com as informações disponíveis nos censos populacionais local e nos registros de batismo e casamento escravo. Recorreu também aos inventários post-mortem, (documentos contendo a lista nominativa de avaliação dos escravos existentes na hora de sua morte) abertos entre os anos de 1801 e 1835.
“Dessa forma, foi possível rastrear o paradeiro dos revoltosos de 1832 em diferentes fontes e em diferentes épocas da vida deles antes do envolvimento com a trama”, conta o autor do estudo.
Vínculos sólidos
Ao acompanhar as trajetórias dos rebeldes de 1832, Ricardo pode trazer à tona características pessoais dos insurgentes e revelar como o conluio foi solidariamente urdido nas senzalas.
Os conspiradores não eram cativos que haviam acabado de desembarcar, tentando escapar o mais rápido possível da escravidão. A maioria aportara em Campinas no final da década de 1810 e início da década seguinte, e quando da articulação da rebelião, conheciam bem a língua portuguesa, as estratégias de controle senhorial, as matas e terras da região. A pesquisa também apontou que boa parte dos revoltosos de 1832 conseguiu se casar e formar família durante os anos de cativeiro em Campinas.
Portanto, a união dos cativos das propriedades envolvidas no plano da revolta não ocorreu apenas momentaneamente para a organização do movimento. Na verdade, desde os primeiros anos do século 19, se estabeleceu entre eles sólidos vínculos de parentesco a partir das alianças em casamentos e do compadrio em batismos que contribuíram para conectar diversos grupos de africanos entre si. Desse modo, esposas, filhos, compadres e comadres ajudavam a compartilhar a dura rotina do cativeiro. Mais que isso: unidos em torno de tradições e valores próprios, consolidavam uma identidade e se fortaleciam na resistência à política senhorial. Semeava-se, assim, o terreno da insurreição.
Ele também constatou que alguns dos conspiradores, com o decorrer dos anos, conseguiram ocupar cargos especializados nas propriedades em que viviam, como o de ferreiro, tropeiro e cozinheiro. Pelas próprias características dos trabalhos que desempenhavam, desfrutavam de maior autonomia de movimento e de proximidade com a casa senhorial. Tinham, por isso, maiores chances de acumular pecúlio e, eventualmente, de alcançar a alforria, quando comparados com os escravos trabalhadores da roça.
A investigação traz importantes contribuições ao debate historiográfico sobre a influência de fatores como aqueles identificados por Ricardo – a formação de famílias, a ocupação de cargos de confiança e a herança cultural africana – na mobilização coletiva dos negros em torno de revoltas. Diferentemente das interpretações que enxergam no casamento escravo e nas políticas senhoriais de incentivo de aproximação com a casa-grande (via trabalho especializado e doméstico) motivos para a formação de uma espécie de casta pacificada na comunidade escrava, o estudo esclarece que, pelo menos nas propriedades campineiras da primeira metade do século 19, a existência de grupos escravos socialmente distintos não levou ao racha das senzalas.
“Na verdade, o casamento e o trabalho especializado não só não inibiram um projeto de revolta, como foram importantes para amarrá-lo e estruturá-lo. Foi justamente a mobilidade dos tropeiros que permitiu a união do projeto entre as cidades de Campinas e São Paulo, assim como foram as habilidades do ferreiro que ajudaram no fornecimento de armas para a revolta”, ilustra o autor de Senzala insurgente.
Ele ainda observa que o fato de grande parte dos envolvidos no projeto de insurreição encontrar-se mais próxima do mundo dos livres do que dos demais cativos, fosse pela ocupação de uma tarefa da confiança senhorial, fosse pela rede de parentesco em que estavam inseridos, não os impediu de arriscar essas conquistas ao se unirem ao resto do grupo para arquitetar a conspiração. Mesmo quem já havia alcançado a liberdade tão almejada, como João Barbeiro, não se furtou de lutar contra a escravidão ao lado de seus conterrâneos ainda cativos.
Do mesmo modo que as diferenças sociais, as distinções étnicas não impuseram fronteiras intransponíveis para a união dos conspiradores. Escravos do Congo Norte, de Angola e de Moçambique se misturaram aos crioulos tanto na revolta como fora dela, revela a pesquisa.
“Embora os revoltosos formassem uma comunidade, digamos, mais diferenciada nas senzalas, eles não viraram as costas aos demais membros. Uma das hipóteses capaz de explicar essa solidariedade era o compartilhamento de uma origem comum africana”, interpreta Ricardo. “Não foram apenas os limites entre as propriedades que os escravos derrubaram para a formação do plano de insurreição.”
Poder espiritual
Heranças religiosas trazidas da África Central e que permaneceram sendo cultivadas nas senzalas em rituais cotidianos também tiveram reflexo na aglutinação do grupo insurgente. Isso fica muito claro na análise do perfil das principais cabeças da revolta, o escravo Diogo Rebolo e o liberto João Barbeiro, salienta o historiador. Ambos eram grandes lideranças espirituais, respeitados por suas habilidades de comunicação com o outro mundo e desempenhavam papel fundamental de proteção da comunidade cativa.
A influência espiritual exercida sobretudo por Diogo Rebolo fez com que se tornasse também o principal articulador do plano para toda a Vila de Campinas. Responsável por presidir as reuniões dos amotinados e ser o caixa principal do dinheiro arrecadado, “pai” Diogo tinha ainda na organização da trama a função de preparar as “mezinhas” (chás à base de raízes que os escravos acreditavam ter o poder de “fechar o corpo” nos confrontos previstos na rebelião) que eram vendidas para gerar recursos necessários à compra de armas ou trocadas com outros objetos de valor.
Principal cenário da trama reconstituída por Ricardo, a Vila de Campinas já era, no início do século 19, uma das principais áreas produtoras de cana-de-açúcar do país. Sua população escrava passava da casa dos 5 mil, superando o número de habitantes livres, e frequentemente suspeitas de insurreição deixavam a cidade em alerta, comenta Ricardo. O risco de uma revolta escrava causava grande temor e apreensão nas autoridades locais e, principalmente, nos senhores de engenho. Para estes, uma rebelião representava a perda da escravaria (devido às prisões de revoltosos) e o consequente comprometimento da produção agrícola. Por isso, a descoberta do plano de revolta de 1832 reacendeu o pânico que fora vivenciado pela cidade em outras ameaças de insurreição, na década de 1820 e em 1830.
O que se conclui da leitura dos depoimentos no processo crime, de acordo com Ricardo, é que o plano de revolta de 1832 estava muito bem organizado em termos de armamento, comando e divisão de tarefas. Conforme ele apurou, no momento em que foi descoberto, o plano já possuía ramificações em 15 grandes fazendas de Campinas, pertencentes a 11 distintos proprietários. Como exemplo da estratégia montada, cada uma delas possuía um escravo intitulado “capitão”, que tinha a função de convidar outros parceiros para a revolta e também a de arrecadar dinheiro. As investigações das autoridades mostraram também que o liberto João Barbeiro estava convidando outros escravos moradores da cidade de São Paulo para se juntarem ao levante.
As informações extraídas dos interrogatórios dos escravos também não deixam dúvidas acerca do objetivo principal dos revoltosos, conforme as palavras de um deles ao responder sobre a finalidade dos ajuntamentos noturnos que faziam escondidos dos senhores: “levantar afoitamente, matar [os brancos] e ficarem eles pretos todos forros”.
Para frustração dos revoltosos, porém, nem tudo saiu como o planejado: o comportamento insubordinado de alguns dos envolvidos acabou despertando a atenção senhorial. O plano foi abortado antes de sua eclosão, impedindo “pai” Diogo e seus empolgados seguidores de levar adiante os intentos de liberdade.
Da vasta documentação a que teve acesso para elaborar a minuciosa dissertação agora publicada em livro, Ricardo só lamenta não ter localizado a pintura da coroação do negro retirada das mãos do escravo Joaquim Congo, embora originalmente a obra tivesse sido anexada ao processo crime. Informações transcritas de uma cópia do processo é que lhe permitiram descrever a figura e narrar as circunstâncias de seu aparecimento no episódio de 1832. Não se sabe o paradeiro da imagem. Talvez, assim como as esperanças de liberdade que se volatizaram com o fracasso da insurgência, o desenho que materializava em seus contornos a ambicionada ascensão social dos negros tenha também se desvanecido.
SERVIÇO
Título: Senzala
insurgente
Autor: Ricardo
Figueiredo Pirola
Edição: 1a
Páginas: 304





Jornal Unicamp

domingo, 3 de junho de 2012

Para reavivar a memória da barbárie


 Ilustração de Carlos Roberto Fernandes sobre a obra “Umani–Mãos Humanizadas”, de Mario Mariotti “III Colóquio Escritas da Violência – Representações da Violência na História e na Cultura Contemporâneas da América Latina”, pesquisadores do continente  refletem sobre a problemática da violência nos países que constituem o bloco. 


O professor Márcio Seligmann-Silva, um dos coordenadores do colóquio: “A ideia é trocar impressões sobre biografias e conceitos, para aprofundar a análise histórica sobre a violência” (Foto: Antoninho Perri)

Jornal UNICAMP
JU – A violência é uma marca da América Latina?
Márcio Seligmann-Silva – Lamentavelmente, a América Latina tem uma longa tradição de violência. Isso vem desde a chegada dos colonizadores às Américas. Uma das propostas do grupo é trazer à tona esse aspecto, sobretudo no Brasil, onde persiste o discurso conservador segundo o qual não há sangue na história do país, de que nossa trajetória sempre foi marcada por acordos amigáveis. Isso não é verdade. Há, sim, muito sangue e muita violência na nossa história. Basta visitar nossas periferias ou nossos cárceres para constatar isso. Então, uma das propostas do evento é discutir essa realidade e como ela é representada. Se você perguntar se hoje em dia a situação da violência está pior na América Latina, eu diria que nós estamos mais conscientes, inclusive dos paralelos que temos com outros países do bloco. A ideia de trazer esses diferentes pesquisares é trocar impressões sobre biografias e conceitos, para aprofundar a análise histórica sobre a violência.
JU – A violência presente nas ditaduras é um aspecto que aproxima vários países latino-americanos, não?
Márcio Seligmann-Silva – A questão das ditaduras da América Latina constitui um capítulo à parte na história da violência. O que aconteceu em países como Chile e Brasil é que as ditaduras civil-militares se auto-anistiaram. Criaram leis com as quais tentaram acabar com qualquer recurso jurídico ao final dos regimes de exceção. Nós acabamos de comemorar os 30 anos da anistia brasileira. Na verdade, a luta travada até o momento foi inglória, porque as conquistas foram poucas. Com apenas uma exceção, nenhum militar brasileiro foi julgado e condenado, apesar de tudo o que aconteceu. Milhares foram torturados e ainda temos algumas centenas de desaparecidos. A luta contra a impunidade pressupõe o direito à verdade e à memória. O espaço jurídico é essencial para que essa transição da ditadura para a democracia ocorra de fato. Precisamos de um gesto jurídico exemplar para que o período de exceção não volte. Se a impunidade prevalece, a tortura continua. E nós sabemos que apesar do fim da ditadura, a tortura continua. Hoje em dia, a prática está concentrada na periferia. Então, a ideia que corre o risco de prevalecer é a seguinte: se a tortura sempre existiu e nunca aconteceu nada, então vamos continuar torturando. Esse enfrentamento do período ditatorial é essencial, e deve ocorrer tanto no campo da memória quanto no campo jurídico. O processo jurídico é essencial para a construção da democracia.
JU – Falando em memória, os documentos oficiais do período ditatorial brasileiro continuam arquivados...
Márcio Seligmann-Silva – O caso do Brasil é dos mais radicais no sentido do impedimento da construção de uma memória da barbárie comandada pelo Estado. Enquanto em países como Argentina, Uruguai, Chile e Peru conseguiu-se abrir em boa parte os arquivos e estabelecer processos judiciais, no Brasil os arquivos militares ainda estão totalmente fechados. Apesar de todas as promessas de abertura, feitas tanto no governo de Fernando Henrique quanto no de Lula, os principais arquivos ainda não foram abertos. Além disso, cadáveres continuam desaparecidos. Não tendo documentos ou corpos, ficamos impedidos de criar memória, verdade e justiça.
JU – Partindo desse ponto de vista, o senhor diria que o Brasil ainda não conseguiu atingir uma democracia plena?
Márcio Seligmann-Silva – É uma democracia que foi acertada entre a oposição e os donos do poder. As bandeiras de democratização e de reconstrução do estado de direito foram, de certa maneira, cerceadas em função de uma integração dos políticos da oposição ao esquema de poder. Hoje em dia, o Sarney, que era o presidente da Arena, continua sendo um homem forte do governo. É uma continuidade total. Não ocorreu a ruptura que muitos pensam que houve. Na realidade, os políticos denegam totalmente a necessidade de se enfrentar o passado.
JU – O cinema brasileiro tem tratado a questão da violência com frequência, principalmente aquela que atinge a periferia da grande cidade. Isso de alguma forma contribui para uma reflexão mais crítica sobre o tema?
Márcio Seligmann-Silva – No Brasil, essas questões muitas vezes têm encontrado espaço no cinema. O cinema tem uma significativa importância na memória da ditadura. Temos diversos filmes que tratam do tema. Por ser uma mídia muito forte e impactante, muitas vezes é a partir dela que temos avançado na direção de estabelecer uma memória, mais ainda do que na literatura. Ainda é um espaço insuficiente, mas é algo relevante. Quanto ao cinema, precisamos tomar cuidado com posturas moralizantes e rápidas. Condenar a possível espetacularização da violência por parte desses filmes pode ser um equívoco. Na verdade, eles fazem parte da indústria cultural e de um sistema que é perverso, no qual existe a exploração da violência. Mas não é por causa disso que vamos condená-los sem analisá-los a fundo. Muitas vezes eles servem para refletir. O filme Tropa de Elite, que talvez tenha sido o mais criticado nesse sentido, tem aspectos interessantes do ponto de vista cinematográfico. Como ele se aproxima da estética do documentário, faz com que o público tenha uma recepção na seguinte linha: nossa, como esse filme pode apresentar o ponto de vista de um capitão fascista? Entretanto, ele está apresentando algo muito real.  Nesse sentido, é uma obra de arte que serve para pensar criticamente a nossa realidade.
JU – De todo modo, a violência também serve à espetacularização. Alguns programas televisivos travestidos de jornalísticos banalizam muito o problema, não?
Márcio Seligmann-Silva – Temos que saber diferenciar. Alguns programas, apelidados de pinga-sangue, de fato exploram essa violência explicitamente. É uma exploração que tem uma ideologia de fundo extremamente fascista, que diz o seguinte: se é pobre, é marginal; portanto tem que prender e matar. Isso vai contra a ideia de sociedade democrática. Esses programas têm o caráter não apenas de apresentar a violência como “mercadoria”, mas também de apresentar um pacote ideológico fascista junto. Uma das nossas funções na universidade é refletir sobre essa tendência que existe não apenas no Brasil, mas no mundo em geral, de transformar segmentos da sociedade numa espécie de resto indesejável. Isso é inadmissível.
JU – Há uma tendência de criminalizar o pobre, é isso?
Márcio Seligmann-Silva – A violência se origina de um sistema social violento. Tanto na América Latina quanto no restante do mundo a violência atual tem origem nessa perversa estrutura da globalização, na qual os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Os pobres estão sendo “retirados” da esfera da humanidade. Isso é terrível, e temos que lutar contra essa tendência. Tanto em relação ao modelo econômico, quanto no plano simbólico, que é o que a gente trabalha mais especificamente no IEL. Temos que tentar desmontar a naturalização da exploração e da exclusão.
JU – Por ser mais sutil, a violência simbólica, expressa no racismo ou na xenofobia, por exemplo, tem sido menos discutida que a violência física?
Márcio Seligmann-Silva – O tema da violência é estudado por várias áreas, da história à psicanálise. É um tema que faz parte do ser humano desde sempre. Não existe cultura sem violência. A violência simbólica, no Brasil, está presente o tempo todo. A gente acaba não percebendo, em função da naturalização de certos padrões de comportamento. Quer um exemplo? Em 2000, fui passar um ano na Inglaterra com minha mulher. Como tinha filho pequeno, levei minha babá junto. Lá, ela ficou impressionada por ser tratada como uma pessoa por inteiro, ao contrário do que ocorria no Brasil. Aqui, ela era praticamente invisível. Resultado: ela ficou por lá, casou-se, teve filhos. A violência simbólica que essa mulher sofria no Brasil continua atingindo milhões de brasileiros todos os dias. É uma violência que faz com que as pessoas não tenham acesso à felicidade, princípio que de certa maneira está no ideal de qualquer sistema político democrático.
JU – O Estado brasileiro é violento?
Márcio Seligmann-Silva – O Estado brasileiro reflete a estrutura social brasileira. Infelizmente, ele responde violentamente à situação de tensão social que existe hoje. Ele persegue, tortura, prende, mata. Tudo isso para impedir que haja uma movimentação contra a grave divisão social presente no país.
JU – Na literatura, as obras testemunhais são as que proporcionam mais impactos quando o assunto é a violência?
Márcio Seligmann-Silva – O texto narrado em primeira pessoa, com teor testemunhal, tem grande apelo ao leitor. O narrador viu, sentiu na carne. A gente tem a impressão de que essa pessoa é a mais capaz de nos apresentar o que aconteceu. Em São Paulo, há um gênero que foi classificado como “literatura do cárcere”, que fala sobre a violência nas unidades prisionais e nas periferias. Trata-se de uma literatura interessante porque tem relação distinta com a tradição literária. Normalmente são obras produzidas por pessoas com tradição oral, que tem relação com o rap, por exemplo. Isso é bom para a gente fazer uma crítica do cânone. Temos a tradição de estudar sempre as obras canônicas. É interessante ver essa nova literatura porque ela leva a um novo olhar sobre a literatura canônica. Desconstrói, de certo modo, a assim chamada “grande tradição literária”, que é fundamentalmente eurocêntrica. Acho que essa literatura traz uma grande contribuição para a literatura da América Latina.
Jornal Unicamp