sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Um terremoto chamado Pombal


Um terremoto chamado Pombal
Reformador do ensino, incentivador do comércio, perseguidor dos jesuítas e da nobreza, ele não deixou pedra sobre pedra do antigo Portugal.
Francisco Falcon

Amado ou odiado, só não dá para ignorá-lo. Partidários e opositores do marquês de Pombal digladiaram-se ao longo dos séculos XIX e XX. Os dois lados têm bons argumentos.

Administrador incansável e ilustrado, autoritário, não raro vingativo, o homem forte de Portugal num tempo de grandes transformações deixou seu nome e sua trajetória para o sempre polêmico veredicto da História.

Sebastião José de Carvalho e Melo nasceu em Soure, no norte de Portugal, em 13 de maio de 1699. Pertencia a uma família da pequena nobreza, sem grandes recursos. É provável, embora controverso, que tenha estudado leis em Coimbra e depois passado boa parte da sua juventude na província, dividido entre trabalhos rurais e processos jurídicos locais. Após a morte do pai, Manuel de Carvalho e Ataíde, em 1720, ficou sete anos administrando a propriedade da família. Aos 23 anos, deu o primeiro sinal da impetuosidade que marcaria suas futuras ações públicas: raptou e desposou D. Teresa de Noronha, viúva dez anos mais velha, pertencente à orgulhosa família dos condes dos Arcos. A família da esposa jamais o aceitaria.

A carreira de Carvalho e Melo começou na década de 1730, valendo-se bastante do prestígio e da fortuna do tio Paulo de Carvalho e Ataíde, professor da Universidade de Coimbra, depois nomeado arcipreste em Lisboa. Dele herdou, em 1737, um morgado – tipo de propriedade familiar inalienável – constituído de diversos bens em Sintra e Oeiras, prédios alugados em Lisboa e 504 mil cruzados. No ano seguinte, o tio recomendou-o ao cardeal D. João da Mota, primeiro-ministro do rei D.João V, o que lhe valeu a nomeação para uma missão diplomática em Londres.

Na capital britânica, seu primo Marco Antonio de Azevedo Coutinho, recém-nomeado secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra em Lisboa, deu-lhe informações minuciosas sobre as características do governo local e as perspectivas dos interesses lusos. A leitura de autores ingleses sobre as estratégias mercantilistas o inspirou a produzir uma volumosa quantidade de relatórios e textos político-econômicos. Também se interessou pelo papel de judeus e cristãos-novos (judeus convertidos ao cristianismo) no comércio internacional, sobretudo na área das pedras preciosas. Chegou a organizar uma rica biblioteca hebraica.

Nomeado para a Corte de Viena, onde chegou em 1745, testemunhou um Estado em processo de amplas reformas na direção do chamado despotismo esclarecido – método de governo que aliava o poder absoluto dos reis à influência de ideais iluministas. Mas Sebastião José não perdia de vista seus interesses particulares. Viúvo desde 1739, contou com a amizade de Manuel Teles da Silva – nomeado duque da Silva-Tarouca pelo imperador Carlos VI –, e mais tarde foi confidente da imperatriz Maria Teresa da Áustria. Em 1746 casou-se com Maria Leonor, condessa de Daun, cuja mãe era dama da imperatriz. Ganhou assim seu primeiro título de nobreza: tornou-se conde de Daun.

Retornou a Lisboa em 1749, já nos meses derradeiros do reinado de D. João V. Os partidários do rei o detestavam: era visto como um estrangeirado, considerado ambicioso e vaidoso. Com a morte de D. João, em julho de 1750, foi nomeado pelo novo monarca, D. José I, para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Iniciava-se um período de 27 anos no topo do poder.

Pombal logo adotou medidas radicais para enfrentar o declínio dos rendimentos coloniais. A produção e a exportação de açúcar, couros, ouro e diamantes foram objeto de novos regulamentos destinados a aumentar o controle da metrópole, evitar fraudes e, no caso dos produtos agrícolas, elevar os preços, numa conjuntura de baixa no mercado internacional. Em 1755, uma tragédia elevaria sua liderança a níveis decisivos: o terremoto que vitimou milhares de pessoas e arruinou Lisboa. Suas providências foram imediatas, no sentido de reconstruir a cidade o mais depressa possível. Atribuiu-se a ele uma ordem que ficou célebre: “Enterrar os mortos e cuidar dos vivos”. Revelava-se, aos olhos de D. José, o verdadeiro homem forte do reino.

Como tal, impôs com violência exemplar o princípio da autoridade régia contra três setores da sociedade. Hostil ao seu projeto de criar companhias comerciais privilegiadas, parte da burguesia mercantil organizou os “motins do Porto” em 1757/1758. Foi duramente castigada, com várias condenações à morte (por enforcamento), à prisão e ao degredo perpétuo. A aristocracia, até então intocável, caiu em desgraça depois que o rei sofreu uma tentativa de assassinato em 1758. Alguns membros da alta nobreza foram responsabilizados pelo atentado, e a sentença foi implacável: toda a família Távora foi condenada à execução em praça pública, inclusive mulheres e crianças. Os Távora pertenciam à mais alta linhagem do reino, com direitos inclusive à sucessão do trono. Como também havia indícios da participação de padres jesuítas no complô, Pombal desferiu seu golpe definitivo contra aquela ordem religiosa: a Companhia de Jesus foi dissolvida e expulsa de Portugal e de seus domínios em 1759. A virulência com que reagiu ao episódio rendeu-lhe um novo título nobiliárquico: conde de Oeiras.

No início da década de 1760, preocupações militares dominavam as ações do governo devido ao conflito com a Espanha durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Por isso, o conde de Oeiras teve que deixar em segundo plano um problema de importância fundamental para o futuro: a crise do ouro do Brasil, acompanhada do declínio dos preços e da produção de quase todos os artigos coloniais. Os rendimentos do Estado caíam de forma dramática, e a solução foi reforçar os privilégios mercantis e arrochar os impostos.

O primeiro-ministro se empenhou a fundo na reforma do ensino em todos os níveis, particularmente nos Estudos Menores (primeiras letras) e na Universidade de Coimbra. Suas reformas atingiram também a estrutura jurídica do reino, subordinando-a ao direito natural e das gentes, com grande impacto sobre o próprio ensino das leis em Coimbra. No campo religioso, converteu o Tribunal do Santo Oficio, ou da Inquisição, em tribunal de Estado. Por último, embora não menos importante, deve-se creditar a Pombal a série de leis, decretos e alvarás que aboliram as antigas discriminações que ainda pesavam sobre os cristãos-novos, eternos suspeitos de judaísmo, desde o século XVI.

Suas maiores honras lhe foram conferidas já no final da vida: em 1769, recebeu o título de marquês de Pombal. Mas com a morte de D. José I em 1777, a rainha D. Maria I, aliando-se aos seus muitos inimigos, expulsou-o do poder. Exilado em Pombal, viveu ali seus melancólicos últimos anos (ver box), morrendo em 1782.

Para o bem ou para o mal, a passagem de Sebastião José de Carvalho e Melo pelo poder foi um divisor de águas na História de Portugal.

Francisco José Calazans Falcon é professor da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), professor aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor de A Época Pombalina (São Paulo: Ática, 1993, 2ª ed).

Saiba Mais - Bibliografia:

AZEVEDO, João Lúcio de. O Marquês de Pombal e a sua época. São Paulo: Alameda, 2004.

BESSA-LUÍS, Agustina. Sebastião José. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

MACEDO, Jorge Borges de. “Pombal”, verbete no Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão. Lisboa: Iniciativas Editoriais, vol. III, 1968.

MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal, Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

Depois da queda

Velho e alquebrado, às voltas com doenças que o torturavam e o enfraqueciam a cada dia, o ex-ministro marquês de Pombal não teve sossego nem após se exilar em sua quinta, na cidade natal.

Logo se viu diante de uma saraivada de acusações, queixas e cobranças as mais diversas, oriundas de antigos desafetos – boa parte deles recém-saída dos cárceres da Junqueira, para onde ele os enviara vários anos antes. Tornou-se também o alvo preferido de dezenas e dezenas de poemas satíricos e outras peças literárias destinadas a ridicularizá-lo.

Como reagiu Pombal? Escrevendo muito, como era de seu feitio, o marquês utilizou as forças que ainda lhe restavam para defender-se das acusações e calúnias de seus inimigos. Ao mesmo tempo, redigiu longas exposições acerca das realizações por ele consideradas as mais importantes de sua administração. Os textos que escreveu em sua defesa, “contrariedades” apresentadas aos seus inimigos, ele chamou de Apologias. Às longas exposições de motivos e autoglorificação deu o título de Inspeções.

Nas Apologias misturam-se questões muito distintas: acusações ou simples suspeitas de enriquecimento ilícito, disputas políticas, reais ou supostas maquinações envolvendo a família real, um conflito com D. José d’Anunciação, bispo de Coimbra, e desconfianças quanto à sua religiosidade, ou melhor, ao seu catolicismo. Suspeitas também de alta traição, como seria o caso dos fatos mencionados na 14ª Apologia, intitulada “Sobre as calúnias de que a Praça d’Almeida e a Ilha de Santa Catarina se entregaram aos castelhanos por ordens particulares do Marquês de Pombal”. Pouco valor tiveram, porém, as minuciosas explicações e justificativas apresentadas por Pombal. Não descansavam os seus inimigos, com sucessivas demandas e novas acusações perante os tribunais. Irritado, o marquês perdeu a serenidade e, no afã de provar sua inocência, proclamou que todos os seus atos tinham sido resultado de total comunhão de idéias com o falecido rei D. José I. Foi então que se complicou seriamente: ao se declarar mero executor da vontade do monarca, isentava-se de culpa, mas ao preço da revelação de matérias que constituíam segredo de Estado.

Foi a deixa para que D.Maria I decretasse a abertura de processo contra o ex-ministro em 26 de setembro de 1779. Nos meses seguintes, foi inquirido diariamente por dois juízes, e somente em agosto de 1781 saiu o decreto declarando Pombal réu e merecedor de exemplar castigo. A rainha, no entanto, “lembrando-se mais da clemência que da justiça”, em atenção à idade e às doenças, e “porque o marquês lhe pedira perdão”, isentava o acusado das penas corporais, mas confirmava o desterro.

Poucos meses de vida restavam então ao outrora todo-poderoso ministro.

Revista de Historia da Biblioteca Nacional

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