segunda-feira, 8 de junho de 2009

O enigma Minos

As origens do labirinto
Um dos símbolos mais antigos da história humana, o labirinto aparece em cantos remotos do planeta e lança um desafio para os historiadores reconhecerem sua verdadeira origem, apesar do mito grego que a cerca

POR SÉRGIO PEREIRA COUTO

Muito do que entendemos hoje sobre os labirintos vem da história do monstro fabuloso e horrível que tinha corpo de homem e cabeça de touro. A lenda propriamente dita conta como Teseu, o herói ateniense, matou o Minotauro.

Minos, o poderoso soberano de Creta, gabava-se não só da glória de seu reino como de os deuses atenderem a todos os seus desejos. Assim, ergueu um altar numa praia para o deus dos mares, Posseidon, e orou para que viesse até ele, do mar, um belo touro, que seria sacrificado em honra dos deuses.

O animal enviado por Posseidon era muito belo. Minos viu-se incapaz de sacrificá-lo e o trocou por outro, de seu próprio rebanho. Os deuses perceberam a trapaça e decidiram que Minos fora longe demais. Assim Afrodite, a deusa do amor, foi encarregada de realizar a manobra que levou ao nascimento do monstro. Fez com que a esposa do rei, Pasífae, se apaixonasse pelo touro vindo dos mares. A rainha viu-se incapaz de resistir ao encantamento perpetrado pela deusa e confidenciou seu segredo a Dédalo, artesão que servia a Minos em sua corte, na cidade de Cnossos. Dédalo resolveu ajudar sua soberana e construiu uma vaca de madeira com interior oco, onde ela pudesse se esconder. Com esse artifício a rainha foi capaz de passar um bom tempo com seu amante bovino sem ser vista pelos súditos. Foi desse encontro que o Minotauro foi concebido.

Maior que a revolta por ter sido traído com um monstro foi o horror de Minos diante do grotesco fruto do encontro amoroso de Pasífae. Ele foi procurar o conselho do oráculo de Delfos, que foi taxativo: o recém-nascido deveria ser escondido. O rei recorreu a Dédalo, que construiu o mais famoso labirinto de que se tem notícia, definido pelos relatos da lenda como “um amontoado de corredores com curvas súbitas e becos sem saída, dos quais nenhum homem descobriria o caminho”. Depois de passar por tantos corredores, quem se atrevesse a lá entrar encontrava o centro, onde o Minotauro aguardava o infeliz que lhe serviria de refeição.

Detalhe do mural O Último Julgamento, de Michelangelo, na Capela Sistina, dentro do Vaticano. Na pintura, Minos tem uma cobra envolvida em seu corpo, e ele é retratado como o juiz do submundo

TESEU, ARIADNE E O MINOTAURO

A cada nove anos o monstro recebia sete jovens e sete donzelas que eram enviadas por Atenas como tributo, depois de uma derrota num conflito entre a cidade e a ilha. Esse sacrifício ocorreu pelo menos duas vezes. Na terceira, Teseu, filho adotivo do rei Egeu, ofereceu-se ao sacrifício. Assim que o navio ateniense chegou a Creta, Teseu se apresentou a Minos como filho de Posseidon. O soberano desafiou-o a provar o que dizia. Teseu mergulhou no mar, onde foi escoltado por grupo de delfins até o fundo. Lá Anfitrite, a deusa do mar, deu-lhe um anel dourado e uma coroa cravejada de jóias. Quando voltou à praia, levantou os presentes para que todos pudessem ver que era favorecido pelos deuses. O soberano não teve alternativa a não ser concordar com o que parecia uma missão suicida.

O que Teseu não sabia era que a filha de Minos, Ariadne, havia se apaixonado por ele. Por não desejar que o príncipe virasse comida do monstro, ela o procurou com a intenção de revelar um segredo: se o herói a levasse para Atenas como sua noiva, mostraria a saída do labirinto, tal qual lhe fora revelada pelo próprio construtor do local, Dédalo. Teseu ponderou e decidiu aceitar a oferta, recebendo em troca um rolo de linha.

Na mesma noite ele se lançou à sua tarefa. Enquanto mergulhava na escuridão do labirinto o fio o guiava em direção à sua presa. Teseu conseguiu chegar até o centro, onde dormia o Minotauro. Ele o agarrou por trás e o despertou. A luta foi ferrenha e, durante o embate, Teseu quebrou a coluna do monstro e o matou. Depois, bastou seguir a linha para se ver livre de uma vez por todas da tortuosa construção.

Com receio da reação de seu pai quando soubesse que o monstro estava morto, Ariadne convenceu Teseu, juntamente com os demais atenienses do tributo, a abandonarem Creta. Assim, um navio partiu ainda na calada da noite e fez uma parada na ilha de Naxos. Ariadne o ajudara por amor e ele aceitou mesmo sabendo que não tinha a menor intenção de se casar com ela. Quando, alguns dias depois, o navio de Teseu levantou âncora, ele simplesmente aproveitou que Ariadne dormia na praia para abandoná-la ali mesmo.

Ariadne de Asher Brown Durand (1796-1886), em óleo sobre tela pintado entre 1831 e 1835. Filha de Minos, Ariadne se apaixonou por Teseu e o procurou para revelar um segredo que mostraria a saída do labirinto

LENDA OU REALIDADE?

Antonio Canova (1757-1822) esculpiu em mármore Teseu e o Minotauro, entre 1781 e 1783. A obra mede 1,45 m por 1,58 m

Não se sabe em específico o quanto da lenda é ficcional e qual parte dela se fia em base real. Muito se especula sobre a função de cada um dos elementos da lenda, do pai biológico de Teseu até o fio de Ariadne.

Como a escrita minóica encontrada nas escavações de Creta (a chamada Linear A) ainda não foi decifrada, tampouco se sabe se a palavra Minos é nome próprio ou se seria a designação de rei nessa língua morta. Acadêmicos das principais universidades européias apontam semelhanças entre o nome do rei da lenda e o de outros reis da Antiguidade, como Menés, do Egito, e Manu, da Índia. Os arqueólogos dizem que há evidências de que Minos existiu de fato. Teria vivido por volta de 1500 a.C. e sido responsável pela unificação do povo cretense e o criador da primeira armada minóica, destruída 30 anos depois.

Para o arqueólogo britânico Arthur Bernard Coock, Minos e Minotauro são diferentes formas de um mesmo personagem, representações do deus-sol dos cretenses, povo que representava o astro-rei como um touro. Para ele e outros acadêmicos, a união de Pasífae com o touro vindo do mar é uma maneira de descrever uma cerimônia sagrada na qual a rainha de Cnossos se tornava noiva de um deus-sol.

Acadêmicos apontam semelhanças entre Minos de Creta, Menés do Egito e Manu, da Índia

Porém a parte mais intrigante da lenda é mesmo a descrição do labirinto. Como era de esperar, os arqueólogos que começaram a trabalhar em Creta desde a época de sir Arthur Evans (em 1900) tinham a expectativa de encontrar vestígios de tal construção. Não encontraram absolutamente nada que correspondesse à lenda. Porém, o próprio palácio de Cnossos, com sua grande quantidade de salas, escadarias e corredores, seria para muitos a fonte primária da descrição da morada do Minotauro.

ORIGENS

A própria descrição dos caminhos confusos que permeavam a construção tornou-se o padrão para a definição do símbolo. O que poucos conseguem entender é que há uma diferença básica entre um labirinto e um dédalo, que seria o verdadeiro nome do labirinto confuso que conhecemos. Enquanto o primeiro é definido como forma tortuosa que leva inexoravelmente ao centro, dédalo seria o verdadeiro labirinto como o conhecemos, cheio de becos, saídas e caminhos falsos.

Rei Salomão retratado por um pintor de ícones russos, do século XVIII. A tradição judaica afirma na Bíblia que o Labirinto teria sido criação desse rei, opinião predominante dos adeptos da cabala

Qual seria a origem e o significado dessa estranha palavra? Ninguém sabe ao certo, mas as referências à sua existência vão muito além do mito de Minos. Por exemplo, na Índia, bem distante do Mediterrâneo e de suas culturas, há o poema chamado Mahabharata, texto constituído de mais de 74 mil versos em sânscrito com mais de 1,8 milhão de palavras, com um total aproximado de 90 mil versos. É nessa narrativa que encontramos a história de um mágico chamado Droma, que foi o mestre de um labirinto localizado no sul da Ásia.

A tradição judaica afirma já na Bíblia que o Labirinto teria sido uma criação do rei Salomão. Essa opinião é predominante para diversos adeptos da cabala. Nessa tradição, retomada pelos alquimistas durante a Idade Média, o Labirinto possuía uma função mágica e seria um dos segredos que nos teria sido legado pelo personagem bíblico. Essa seria a razão pela qual os labirintos das catedrais são constituídos por uma série de círculos concêntricos que são interrompidos em determinados pontos. Essa imagem seria um retrato da obra máxima alquímica, com suas maiores dificuldades: o caminho a seguir para atingir o centro e o caminho que o artista deve tomar para sair.

O labirinto clássico, como o de Creta, é um espaço fechado com um complexo circuito de corredores que levam ao ponto central. A linha tortuosa que compõe esse caminho simbolizaria, do ponto de vista esotérico, as dificuldades da vida terrena, e o centro, a morte e a ressurreição do viajante.

CONSTRUA SEU LABIRINTO
Diz o escritor e pesquisador de labirintos David Willis McCullough que “mesmo o labirinto mais novo tem seu passado”. Ele chama a atenção para o fato de que, embora a lenda de Creta seja a grande responsável por propagar o símbolo por grande parte do mundo atual, não foi apenas nessa ilha do Mediterrâneo que apareceu. Terras tão diferentes entre si quanto os territórios grego e estadunidense (principalmente entre os índios da região sudoeste) apresentam versões muito similares.

O Dicionário Oxford da língua inglesa traz a definição “desconhecido” para as raízes da palavra labyrinth, o que realmente aumenta o mistério. Para muitos o termo viria mesmo do grego λαβύρινθος (labyrinthos), porém poucos sabem dizer o que a palavra definiria na realidade.

Para compreender o assunto é importante conhecer o formato atribuído à versão cretense. O desenho clássico, associado ao labirinto de Creta, é fácil de fazer:

1 - Pegue uma folha de papel e um lápis.
2 - Trace uma cruz no centro da folha com os lados de mesmo comprimento
3 - Coloque em cada quadrante da cruz um ponto na extremidade diagonal de cada parte, de modo que os quatro pontos formem um quadrado com a cruz em seu interior.


4 - Não ligue os pontos.
5 - Ligue a extremidade superior da cruz com o ponto à direita formando uma espécie de gancho.


6 - Ligue agora a extremidade direita da cruz com o ponto na parte superior à esquerda. O traçado deve ser curvo e passar por cima do gancho feito no item anterior.


7 - Faça o mesmo com a extremidade esquerda da cruz, que será ligada (sempre em curva) com o ponto da parte inferior à direita.



8 - Por fim ligue a extremidade inferior da cruz com o ponto da parte inferior à esquerda da cruz, sempre passando o traço por cima dos demais.



Seguindo as instruções acima você terá a forma mais simples do labirinto, o desenho clássico com três voltas. Experimente seguir com o dedo o resultado e verá que de fato a imagem corresponde. Trata-se de um labirinto onde o “peregrino” seguirá um único caminho até o centro, delimitado pela cruz, depois de três voltas. Experimente depois fazer o mesmo desenho no sentido inverso. Você perceberá que, por mais simples que seja, o símbolo é absolutamente simétrico, o que de fato é impressionante.

BASE DE ANÁLISES

O mito cretense é a base das análises dos especialistas sobre labirintos, e as conclusões tiradas são as mais variadas possíveis. Claro que ninguém acreditaria na existência de um minotauro, mas já foi dito que tal criatura nada mais era do que um sacerdote minóico que, assim como os maias e astecas, fazia sacrifícios humanos dentro do palácio de Cnossos.

O símbolo, apesar de recorrente em vários lugares do mundo, é único de seu gênero e teve mais interpretações do que se esperaria. Por exemplo, o poeta e classicista Robert Graves (autor do romance Eu, Cláudio), nome aliás não muito bem-visto pelos acadêmicos, acreditava piamente que a verdadeira origem do labirinto era um mosaico no piso frontal do palácio de Cnossos – “um piso que possuía um padrão de dédalo usado para guiar dançarinos numa dança erótica da primavera”. O que servia de inspiração para esse desenho eram as armadilhas ocultas usadas na captura de perdizes, pássaros que realizam uma “dança do amor pesada e estática, similar à de outras aves de mesmo porte”. Se seguirmos esse raciocínio, nesse tipo de dança o prêmio esperaria por quem descobrisse o caminho até o centro.

Mosaico com Teseu e o Minotauro. Após travar uma dura luta, Teseu consegue quebrar a coluna do oponente, matando-o

É fácil pensar que Ovídio usou a figura da perdiz para dizer que a alma do injustiçado tinha alcançado sua vingança

Ícaro e Dédalo retratados em óleo sobre tela de Frederic Leighton, em 1869. Autores como o poeta latino Ovídio contam que Dédalo teria recuperado e enterrado o corpo do filho Ícaro depois de uma queda

Outros autores discutem o assunto em suas obras, como o poeta latino Ovídio, que nas Metamorfoses conta que Dédalo, o arquiteto, recuperou o corpo de seu filho Ícaro depois da queda e o enterrou “enquanto uma perdiz barulhenta de um lamaçal olhava a cena e batia as asas em aprovação”. Essa é uma referência ao sobrinho que o arquiteto matara em Atenas, razão de seu exílio na corte de Minos. Dédalo teria ficado com ciúme do filho de sua irmã, seu aprendiz, porque acreditava que o rapaz era mais criativo que ele. O ciúme começou a tomar forma quando o sobrinho criou um compasso para desenhar círculos e ainda se vangloriou de como se inspirou para inventar a serra: nos ossos afiados de um esqueleto de peixe. Essa foi a gota d´água para Dédalo, que afirmara em diversas ocasiões ter sido ele o inventor da ferramenta. Como resultado o arquiteto atirou o sobrinho do alto de um templo e tentou esconder o corpo. Os deuses tiveram pena do sobrinho e transformaram sua alma em perdiz. Assim, com esse detalhe em mente, é fácil pensar que Ovídio usou a figura da perdiz apenas como artifício literário para dizer que a alma do injustiçado tinha, finalmente, alcançado sua vingança.

O JOGO DE TRÓIA

Uma das pistas mais interessantes sobre a origem do labirinto está numa jarra etrusca que retrata o que parece ser uma espécie de jogo entre participantes da lendária Tróia. As aventuras do mítico príncipe Enéias, depois da queda da cidade, estão narradas na Eneida, de Virgílio. E é esse livro que dá uma pista interessante.

No livro V, depois de fugir de Cartago e dos braços da rainha Dido, Enéias e sua pequena frota de navios são tirados do curso e vão parar nas proximidades do monte Erice, na Sicília, na costa noroeste desta ilha. Outros refugiados de Tróia haviam chegado àquelas terras e se estabelecido por lá. É quando Enéias resolve celebrar a morte de seu pai com um dia inteiro de jogos fúnebres – corridas de barco, a pé, lutas de boxe e competições de arco e flecha. Vários prêmios, de armaduras a escravas aleitadoras de gêmeos – provável e discreta referência a Rômulo e Remo, fundadores de Roma –, eram distribuídos.

Enéias foge de Tróia em chamas, por Federico Barocci, 1598. Após fugir de Tróia, Enéias celebra a morte do pai com jogos fúnebres, dentre os quais um cujo campo tem o formato clássico do labirinto

Porém há uma última prova na qual nenhum prêmio é mencionado: o chamado Lusus Troiae, cujos competidores são adolescentes e filhos dos aristocratas troianos. É o Jogo de Tróia, que combina elementos de jogos de guerra e adestramento com acrobacias em esportes como montaria e pólo. O elemento de ligação é o campo do jogo, marcado com as passagens do formato clássico do labirinto. Todos os pesquisadores de labirintos comentam que é realmente uma pena que Virgílio não tenha registrado mais detalhes sobre como o jogo se desenrolava. Eles partem do princípio de que o poeta não precisava descrever-lhe as regras, da mesma maneira como os jornalistas esportivos de hoje não perdem tempo explicando como se joga futebol porque supõem que quem lê pode prescindir dessa informação. Pouco se conhece sobre tal jogo cerimonial, travado em duas ocasiões apenas: em celebrações de morte e na fundação de cidades. Sabe-se ainda que era jogado com três times, todos montados em cavalos. Cada time consistia numa coluna de seis pares de rapazes liderados por um comandante e acompanhados por um treinador. Cada participante carregava duas lanças de madeira com ponta de ferro, com algumas tiras trançadas de ouro ao redor do pescoço. Os três grupos circundavam o campo até ouvir o sinal, um estalo de chicote, e então se dividiam numa série de ataques e contraataques. O trajeto dos jogadores no campo seria a inspiração para o desenho do labirinto.

LABIRINTOS COMO EMBLEMAS PESSOAIS
Os labirintos são facilmente encontrados em emblemas pessoais, que serviam para identificar pessoas, clãs e até tribos inteiras nos países europeus. Essa prática nos leva ao estudo de outra forma de ciência, a Heráldica, considerada uma mistura de arte e ciência cujo objeto é o estudo da origem, evolução e significado dos emblemas brasônicos.

As regras de concepção de brasões são criadas pelos arautos de armas, funcionários régios encarregados de coordenar o uso de emblemas heráldicos para ajudar na visualização e identificação de determinado cavaleiro, fosse ele aristocrata ou não. A tradição de passar o brasão de pai para filho tornou-se comum a partir do século XII e desde então foi a maneira pela qual uma família ou linhagem era representada.

Os labirintos aparecem em brasões e obras artísticas ligadas a uma família poderosa que atuou na cidade italiana de Mântua a partir de 1323. Os membros dessa família foram elevados de condes a marqueses em 1433 pelo imperador Sigismundo (1368-1437) e depois a duques pelo imperador Carlos V (1500-1558) em 1530. Foram responsáveis por conferir a Mântua uma posição política importante, que perdurou até os Habsburgos tomarem o poder em 1707.

A primeira pista do uso do labirinto como símbolo em brasões dessa família é um mural datado de 1510 do conde pintor Lorenzo Leombruno, atualmente no Palazzo Ducale da cidade. Ele retrata um labirinto de água, inspirado na obra Hypnerotomachia poliphili, editada em 1499.


Hoje oito labirintos, todos em formato octogonal, permanecem no Palazzo Del Tè, a residência de verão construída por ordem de Frederico II Gonzaga (1500-1540) numa ilha fora dos portões de Mântua. O pupilo favorito do pintor Rafael, Giulio Pippi, conhecido como Romano, foi o responsável pelo desenho e pela decoração da villa, que, no começo do Maneirismo, foi admirada principalmente por Giorgio Vasari (1511-1574, pintor e arquiteto italiano conhecido principalmente por suas biografias de artistas conterrâneos).

Entre o complexo iconoclástico do local está a Sala di Psiche (Sala de Psique), cuja planta pode ser entendida como uma “ascensão neoplatônica”, um retrato da migração da alma humana de seus obstáculos da matéria (ou seja, dos labirintos) para o céu. Não é por acaso que o afresco é dividido em oito seções octogonais que correspondem aos oito labirintos octogonais no chão.


Para o pesquisador alemão Hermann Kern, esse jogo era “uma espécie de jogo debutante para rapazes em cavalos”. Seria, na verdade, um ritual e uma demonstração de competência física. Embora as pistas deixadas nos escritos de Virgílio não façam referência específica ao formato labiríntico do campo, o historiador latino Plínio, o Velho dá uma pequena contribuição à investigação deste mistério: descreve um misterioso jarro etrusco conhecido como tragliatella, que mostra um labirinto com sete voltas.

OUTRAS IMAGENS ROMANAS

Não foi apenas na literatura que os romanos antigos estabeleceram um elo com o símbolo do labirinto. Imagens elaboradas desse símbolo aparecem em pisos de mosaico encontrados em diversas residências do antigo império. Eles são uma prova de que os romanos levavam o labirinto muito a sério e de que tal imagem estava intimamente ligada a sua civilização. Entre o século II a.C. e V d.C. esses pisos (e algumas vezes também paredes) eram construídos em casas, prédios públicos, banhos e até mesmo em túmulos. Era uma forma de arte calculada para demonstrar aos visitantes a fortuna do dono da propriedade.

Plínio, o Velho descreve um misterioso jarro etrusco que mostra um labirinto com sete voltas

Esses desenhos eram compostos de pequenos cubos chamados tessetae, feitos de vidro, pedra, argila ou cerâmica, dispostos de maneira a formar padrões geométricos ou mesmo desenhos concretos. Havia também uma forma considerada mais econômica, feita com pedaços de materiais diversos, bem como trabalhos em vidro que seriam considerados os precursores dos grandes vitrais medievais. Por vezes, especialmente em solo italiano, o piso era feito em preto e branco, mas na maioria das vezes eram multicoloridos.

Catálogo com centenas de antigos pisos romanos sobreviventes publicado na década de 1970 mostra que 54 deles, dos quais dois encontrados em Pompéia, tinham desenhos labirínticos. Curiosamente, embora o piso mosaico romano tenha sua origem na Grécia e os romanos tenham freqüentemente recorrido a artesãos desse país, pisos de labirintos gregos são muito raros, sendo tal decoração caracteristicamente romana.

Na primeira imagem de cima para baixo, um mosaico com labirinto e Minotauro, em Conímbriga, antiga cidade romana em Portugal. A outra imagem é de um antigo mosaico romano na Tunísia, com o mesmo tema

Não foi essa a única maneira como os artistas romanos urbanizaram o labirinto: ao redor de cada labirinto de mosaico há uma representação completa das muralhas da cidade, com torres de vigia e portões fortificados. Enquanto o labirinto em si é representado de maneira a não representar profundidade nem terceira dimensão, as muralhas de proteção são representadas de uma maneira que mostram exatamente esse tipo de efeito. Sabemos que não há nada do gênero descrito no mito cretense, mas o que importa é a ligação estabelecida entre o labirinto como símbolo e as características que o tornam uma imagem amalgamada de Tróia e da própria cidade de Roma.

TEMAS VARIADOS

Um dos maiores e mais bem preservados labirintos romanos está numa villa datada do século III a.C. próxima à cidade de Salsburgo, na Áustria. Suas bordas têm dimensões de 5,48 metros de comprimento por 6,40 metros de altura. No centro, Teseu, prestes a desferir o golpe fatal no Minotauro; à esquerda, pouco além do labirinto, uma cena em que Ariadne entrega o novelo ao herói; à direita, a filha de Minos sentada sozinha, de pernas cruzadas, com o queixo encostado no pé direito (esta cena tem dupla interpretação: ela espera Teseu sair do labirinto ou já foi por ele abandonada na ilha de Naxos); no topo, o desenho de um casal em fuga no navio rumo a Atenas. Um desenho de tijolos e pedras circunda o labirinto. Sua única abertura é um arco que leva ao começo e se localiza próximo da pensativa Ariadne. Seu fio corre por todo o local, marcando 13 voltas até o centro.

Essa tendência de ter um fio condutor não é própria de todos os mosaicos romanos. A entrada de outro mosaico, localizado numa tumba romana em Hasdrumentum (hoje identificada como a moderna cidade de Sousse, na costa leste da Tunísia) mostra portas duplas que levam ao interior. Como a obra adorna um túmulo, as portas estão fechadas, mas é possível ler a inscrição Hicinclusus Vitampert (ele que está trancado aqui irá morrer), referência ao mais famoso personagem do mito, o Minotauro. Uma representação do monstro morto está no centro; do lado de fora um grupo de navios foge. No canto inferior direito do pavimento há um círculo, ou melhor, dois, um dentro do outro: eles podem representar tanto a perfeição, a eternidade, ou mesmo o novelo de Ariadne.

O monstro de Minos, porém, não é o único objeto central nos labirintos antigos. Em Óstia, o porto de Roma, há um labirinto cujo centro é decorado com a figura não do Minotauro ou de Teseu, mas sim com a do farol local. Pompéia possuía um pavimento, hoje perdido, que mostrava um capacete militar no centro do labirinto lá retratado. Outro exemplar, desenterrado em Yorkshire, na Inglaterra, mostrava uma flor de quatro pétalas como objetivo em seu centro.

Baco e Ariadne, por Ticiano, encontra-se no museu National Gallery de Londres. Na mitologia, Ariadne ajuda Teseu por amor, ele parte de navio e a abandona na praia, caída no sono

Por mais belos que sejam, esses desenhos de labirintos romanos jamais passaram desse ponto. Não há nenhuma menção nos livros consultados para este artigo a algum modelo em escala real; todos são apenas artifícios visuais de decoração. E novamente o especialista Firmam Kern aponta em seu livro que a maioria desses desenhos possui leves defeitos, provavelmente resultantes de erros não intencionais que impedem o observador de encontrar o centro com o olho ou com o dedo. Isto, segundo Kern, pode ser um sinal de que os romanos, diferentemente dos cretenses, não consideravam o labirinto algo sagrado – e o ato de percorrê-lo não era para eles uma oportunidade de filosofar sobre a vida ou algo assim. Uma das arqueólogas que já trabalharam em Pompéia, a estadunidense Bernice Kurchin, sugere em artigos que “não era da natureza romana se interessar pelo movimento como uma busca ao centro das coisas. Eles eram cidadãos (a menos, claro, que fossem escravos ou mulheres) de um império em constante expansão. Seu instinto era ir em frente, afastando-se do centro, como fazia a própria cidade de Roma”.

O LABIRINTO EGÍPCIO

Não é fácil estabelecer que tipo de desenho é aquele que não se encaixa nem na definição de labirinto nem na de dédalo e no entanto é considerado um labirinto. É o caso de um labirinto do Egito descrito pelo historiador grego Heródoto (485-420 a.C.). Trata-se de um monumento fúnebre construído pelo maior rei da XII dinastia, Amenemhat III, o sexto desta família que governou o país entre 1860 e 1814 a.C., considerado pelos egiptólogos um dos soberanos mais importantes do Médio Império (2000-1700 a.C.).

Era o filho mais velho de Sesóstris III, que ainda em vida o tornou co-regente. De acordo com o historiador e sacerdote egípcio Maneton, que viveu durante a época ptolomaica, Amenemhat III governou por apenas oito anos, mas este é um ponto polêmico, já que vários monumentos que ele mandou construir, ainda existentes, contradizem essa idéia. O mais provável é que seu reinado, conforme estabelecido pela mais famosa lista de reis, a chamada Cânone de Turim, tenha durado cerca de 45 anos.

Como é comum nesse tipo de estudo, pouco se sabe do reinado desse faraó. O que os estudiosos dizem é que o período em que reinou foi pacífico, ou seja, o desenvolvimento econômico do país era mais importantes que as conquistas. Nessa época eram explorados os recursos minerais do monte Sinai, como comprovam as cerca de 60 inscrições encontradas na região. As pedreiras de Uadi Hammamat, a leste do vale do Nilo, foram intensamente exploradas. Também foi sob o reinado de Amenemhat III que foram concluídos os trabalhos de construção de barragens e canais com o objetivo de valorizar o oásis de Faium como região agrícola.

Relevo no palácio do Louvre, na França, representa o historiador grego Heródoto (484 - 425 a.C.), que descreveu o labirinto egípcio em seu livro Histórias

Ele ordenou a construção de uma pirâmide no complexo funerário de Dashur, perto da antiga cidade de Mênfis, a atual Cairo. Seu monumento é conhecido como a Pirâmide Negra, que apresentou problemas durante a construção e terminou por ser abandonada pelo rei. Foi sepultado em Hauara, não muito longe da antiga Crocodilópolis (hoje El Faiyûm), a sudoeste de Mênfis. É aí que Heródoto localiza a existência de um complexo, hoje em ruínas, onde havia um palácio real de grandes dimensões, com mais de 3 mil quartos. Pela descrição do historiador grego, este palácio se assemelha muito ao palácio de Cnossos, em Creta. Este estranho complexo foi denominado o Labirinto Egípcio.

LABIRINTOS EM MANUSCRITOS
E nquanto os interessados em labirintos procuram manifestações físicas de sua existência em gravações na pedra ou em ruínas, outros analisam as manifestações do símbolo de maneira mais discreta. Os labirintos podem assumir formas de decoração que muito provavelmente eram usados para serem percorridos com o dedo.

Há outra “encarnação” que seria um sinal de que o labirinto logo passaria de uma condição pagã para uma versão cristã: as representações em manuscritos medievais. Nesses documentos, muitos duramente preservados, eles aparecem como ilustrações de um texto específico ou com um pequeno comentário em anexo.

Esses manuscritos, conservados em mosteiros, eram resultado de uma época em que não havia ainda uma prensa e os livros eram produzidos todos à mão. Assim os mosteiros revelaram-se um ambiente propício para guardar muito do saber clássico. Afinal, era uma época em que se dava muito valor às atividades bélicas e quase nenhum às intelectuais.

O tipo cretense assumiria uma forma conhecida como Labirinto de, num compêndio de pergaminhos composto por textos cronológicos e gramáticos. A obra foi escrita entre os anos 806 e 822 num mosteiro em Abruzzi, localizado na província de Áquila, na Itália. O labirinto que vemos nela é tipicamente cretense, e na mesma página, na parte de baixo, há um texto que em latim diz “dias egípcios”, ou seja, dias considerados de má sorte, um crença oriunda da antiga Roma dos césares. Próximo ao labirinto (imagem) lêem-se as palavras “URUEM GERICHO” (“Cidade de Jericó”), escritas em latim. Esse é o único exemplar em formato retangular que aparece no oeste europeu cristão e é provavelmente produto da influência bizantina.

O segundo tipo é chamado de Tipo Otfrid, e sua evolução começou com uma miniatura encontrada num manuscrito de Viena, na Áustria, chamado Livros dos Evangelhos, de Otfrid de Weissenburg, monge que viveu entre 800 e 870, originário de Wissenbourg, na Alsácia. Otfrid foi o autor de um livro de harmonias conhecido como Evangelienbuch. O número de voltas do labirinto cresceria das tradicionais 7 para 11 num período estimado de 40 anos. Ao contrário do que se imagina, isso não aconteceu devido a alterações na estrutura do labirinto em si, mas sim pelo fato de o ilustrador ter “decidido”, por assim dizer, colocar um labirinto dentro de outro.

Essa estrutura única, que já foi considerada ainda mais espetacular que as pirâmides de Gisé, estava baseada numa área que media 305 metros por 244 metros. Fora algumas colunas que insistem em ainda estar em pé, pouco restou da construção. Assim, tudo o que sabemos vem dos relatos históricos, entre eles o de Heródoto, e dos achados resultantes da escavação realizada em 1888 pelo egiptólogo Flinders Petrie, famoso por seu trabalho em outros sítios arqueológicos como Amarna e Abydos.

Busto de Amenemhat III no setor de antiguidades egípcias do museu do Louvre em Paris. O soberano foi sepultado em Hauara, onde o complexo de um enorme palácio foi apelidado de Labirinto Egípcio

De acordo com Heródoto, que afirma ter visto a construção em seu auge, o labirinto era uma vasta estrutura nas margens de um grande lago localizado a sete dias de jornada a partir das Pirâmides de Gisé. O edifício, que aparentemente era um templo funerário, era dividido em 12 grandes pátios e suas paredes eram cobertas de esculturas. Havia também uma grande pirâmide decorada com figuras colossais conectada ao templo por uma passagem subterrânea. Heródoto enfatiza o tempo todo que a construção é uma “maravilha” (da palavra grega thaumata) que “eclipsava as Pirâmides”.

As poucas pistas que chegaram a nós por esses relatos informam que tal labirinto tinha vários propósitos para os egípcios. Sabemos que era o templo mortuário de Amenemhat III, onde eram feitas oferendas diárias ao espírito do faraó, que garantiam sua prosperidade no além. O local teria funcionado também como centro cultural e local de encontro dos governantes dos nomos. Pode ter servido ainda como palácio e centro administrativo. Curiosamente, tal pirâmide descrita contém seu próprio dédalo gravado na pedra, cuja função era guardar a múmia do faraó dos ladrões de túmulos.

No tempo de Heródoto o complexo já tinha cerca de 1.300 anos de idade e já se apresentava em estado de ruínas. Muitos historiadores e arqueólogos que estudaram o local afirmam que se tratava de uma vasta coleção de prédios, altares, passagens e pátios, alguns já em mau estado de conservação, alguns ainda inteiros.

A descrição desse layout ganharia fama nos tempos romanos e faria com que o Labirinto Egípcio se tornasse um dos mais famosos da Antiguidade. A quantidade certa de salas e cômodos é assunto de discussão. Para Hermann Kern, por exemplo, o total citado por Heródoto de 3 mil cômodos, divididos igualmente em câmaras superiores e inferiores, não deve ser levado a sério. E o pesquisador refuta que isso acontece porque “por mais que seja uma referência à idéia egípcia de que a alma vaga por cerca de 3 mil anos, essa seria uma noção que não seria registrada sem uma certa influência grega”.

Porém nem mesmo o labirinto foi páreo para a passagem do tempo, que parece não afetar por completo apenas as Pirâmides de Gisé. O complexo caiu em ruínas numa data desconhecida, provavelmente antes da chegada dos romanos, já que quando estes já estavam com o Egito sob seu domínio, já era um local saqueado. Suas pedras, todas de fino corte, foram adornar casas de uma pequena vila próxima do local. Quando Petrie escavou por lá encontrou nada além de um vasto campo de pedras quebradas e lascadas de 1,82 metro de profundidade. Ele escreveu algum tempo depois que “numa imensa área de dezenas de acres” encontrou evidências de um grande prédio. A única coisa que pôde supor foi que essa estrutura media 304,8 metros por 243,84 metros. Resumiu seu achado numa frase sucinta: “De tais restos espalhados é difícil estabelecer algo”.

Parte da reconstrução do palácio de Cnossos, em uma entrada ao norte, onde se encontra um afresco de búfalo. Para muitos, o local seria a fonte para a descrição da morada do Minotauro

Não muito tempo depois de o arqueólogo ter escrito isso a maioria das pedras encontradas foram levadas para ser usadas como leito de trilhos de trem. Com isto quase nada restou do fabuloso local e, portanto, os arqueólogos da atualidade já não podem confirmar as anotações de Petrie. Assim ele, Heródoto e Strabo são as únicas testemunhas oculares da magnificência deste antigo labirinto que, um dia, foi mais admirado que a Grande Pirâmide.

REFERÊNCIAS

BORD, Janet. Mazes and Labyrinths of the World. E.P. Dutton & Co., 1976.
DOOB, Penelope Reed. The idea of the labyrinth from Classical Antiquity through the Middle Ages. Cornell University Press, 1990.
FISHER, A. & Gerster, G. The Art of the Maze. Weindenfiel & Nicolson, 1990.
KERN, Hermann. Through the Labyrinth. Prestel, 2000.
MCCULLOUGH, David Willis. The unending mistery. Anchor Books, 2005.

SÉRGIO PEREIRA COUTO é jornalista com passagem por revistas como Discovery Magazine e Ciência Criminal. É autor de 20 títulos, todos enfocando aspectos curiosos da história antiga e medieval universal, entre eles Sociedades secretas, Investigação criminal, Renascimento, Desvendando o Egito e Os segredos do nazismo.

Revista Leituras da Historia

2 comentários:

Café da Madrugada® Lipp & Van. disse...

Nossa! A quanto tempo eu não vinha aqui! Mas sempre que venho, me encho de curiosidades sobre o que leio. Dessa vez, o lendário labiritinto e o minotauro! É impressionante como uma "simples" história, se ramifica e cria várias faces. É mais incrível ainda como a história consegue nos instigar. Nos dá milhares de informações e milhares de curiosidades e mistérios que nos fazem querer descobrir!

Van.

Unknown disse...

Belíssima postagem!

Aprendi o que não sabia e mais um pouco.

O labirinto sempre foi assustador, o medo de não se encontrar a saída cresce à medida do tamanho das paredes.

Adorei o labirinto egípcio e toda a história que cerca aquilo que até em nosso corpo está cravado como símbolo.

Me impressionou também a ligação entre as pirâmides egípcias e o labirinto.

Fantástico!

Parabéns, Eduardo!

Forte abraço

Mirse